sábado, 12 de março de 2011

Ódio Virtual

Por Ivan Augusto Baraldi, doutorando no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, mestre em "Filosofia e Teoria do Direito" pela UFSC.

Casal gay do Malauí: eles se conhecem, se respeitam e se amam.

O presente texto é consequência de minha indignação perante o conhecimento da existência de uma comunidade homofóbica no site de relacionamentos “facebook”. Como acredito que a omissão é uma forma de conivência, venho externar minha contrariedade a esta comunidade e a todas as formas de incitação ao ódio e ao preconceito, pincipalmente em tempos de rápida disseminação da informação por meio da internet.
Ao pensar no tema, fiquei a refletir sobre amor, respeito, dignidade.



Os seres humanos têm o dever de amar uns aos outros? O Cristianismo prega o “amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. Sigmund Freud, em “O mal-estar na civilização”, constrói seu raciocínio a partir deste mandamento (que seria mais antigo que o próprio Cristianismo) para afirmar a impossibilidade de sua aplicação. Não haveria como amar quem nós desconhecemos. De acordo com Freud: “Se amo uma pessoa, ela tem de merecer meu amor de alguma maneira. (...)Mas, se essa pessoa for um estranho para mim e não conseguir atrair-me por um de seus próprios valores, ou por qualquer significação que já possa ter adquirido para a minha vida emocional, me será muito difícil amá-la”.
Concordo com este posicionamento, e realmente vejo como impraticável a tarefa de amar um próximo que não sei quem é. Entretanto, diversa é a discussão no que se refere ao ter respeito por outrem.
Immanuel Kant, na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” estrutura a compreensão de um imperativo categórico, que é o imperativo da moralidade. Como um de seus desdobramentos encontramos a seguinte fórmula: “Procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os outros, sempre e ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio”. Desse modo, os seres humanos devem agir de modo a respeitar todas as pessoas como um fim em si mesmo. Esta formulação encontra respaldo no fato de, todos os seres racionais, segundo o filósofo alemão, possuírem dignidade, e não um preço.
Ter respeito pelo outro significa agir e me posicionar perante o mundo de modo a considerar que este outro, tanto quanto eu, é um alguém dotado de dignidade. “Não amar” não é sinônimo de “não respeitar”. Eu não preciso amar meu vizinho – que mal conheço – contudo, preciso respeitá-lo.
O que me chamou atenção também na referida comunidade do facebook (que por sinal foi retirada da rede de ontem para hoje) é que possuía uma foto de um homossexual negro sendo preso no Malauí – foto que era aplaudida. Percebe-se a exaltação de uma heteronormalidade branca e a repulsa a tudo aquilo que foge a este padrão. Ódio ao diferente, ódio ao negro, ódio ao homossexual, um ódio que pode ser facilmente disseminado na segurança de sua casa, através do computador.
Intriga-me este ódio gratuito e despropositado àquilo que diverge do “padrão”, sobretudo no campo da orientação sexual. Por que alguém fica tão incomodado pelo fato de existirem orientações sexuais não heterossexuais? Alguns ousam não reprimir suas pulsões sexuais, e assim expõem-se. Outros mascaram-se, fecham-se em armários, e se protegem atrás da tela de seu computador. Nesse sentido, importante novamente citar Freud: “Não é fácil entender como pode ser possível privar de satisfação uma pulsão. Não se faz isso impunemente”.
Gostaria de finalizar o texto ressaltando que conviver com a(s) diferença(s) não é uma tarefa tão difícil como parece. Sua prática pode ser vivenciada e experimentada cotidianamente. Ousemos criar blogs e comunidades em sites de relacionamento que respeitem as diversidades sexuais, raciais, étnicas. Abaixo o ódio virtual !

3 comentários:

  1. Ivan,

    A discussão filosófica é bastante instigante, mas a factualidade é deplorável. A discriminação e o desrespeito que conduzem nosso tempo é um pouco da morte de todos nós.

    Infelizmente - uma muitíssimo triste coindicência, aliás - outro fato com o mesmo pano de fundo (ou tela de proteção...) ocorreu. Segue a notícia divulgada no blogue "Defesa do trabalhador", intitulada: "Homossexual é morto, degolado e tem olhos arrancados em Amazonas" - http://defesadotrabalhador.blogspot.com/2011/03/brasil-homossexual-e-morto-degolado-e.html

    Mais um ato de desumanidade que nos deve indignar.

    ResponderExcluir
  2. Ricardo

    É triste constatar que essa morte está cada vez mais presente e ao nosso lado.
    Ela fica mais visível com a faca ou a bala no corpo, e assim vem a público.
    Contudo, o início da violência é mais sútil. Começa com a piada "inocente", vai ao bullying, deboche e humilhação. A violência física é o desfecho.
    Parece-me que o importante é não nos calar, trazer a discussão, e assim nos posicionar perante esses atos.

    ResponderExcluir
  3. Uma coisa é o ódio do populacho contra práticas diversas de suas pulsões rasteiras. Outra é a autonomia dos países em definirem quais os seus princípios morais fundamentais. Muitos destes países, sobretudo no mundo islâmico e de outras religiões mais avançadas do que nosso cristianismo, seguem longas tradições que encontram respaldo na harmonia humana que nossa razão atual está longe de desvendar. O Malauí, assim como o Irã, pode e deve combater práticas que considere profanas, vez que seu estado religioso busca a unidade do sagrado na vida cotidiana.

    Se o artigo se limita a criticar o ódio ocidental, como parece, faz sentido, vez que permitimos, de fato e/ou direito tais comportamentos. Se a crítica desborda para a condenação de países soberanos com tradições distintas, a análise parece temerosa.

    ResponderExcluir