quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Crítica ao direito e movimento estudantil

Por Luiz Otávio Ribas


O movimento estudantil brasileiro, especialmente os estudantes de direito, compartilharam das discussões sobre algumas das teorias críticas do direito, nas décadas de 1980 e 1990: direito achado na rua, direito insurgente, direito alternativo e pluralismo jurídico.

Em Estados como Rio de Janeiro e Santa Catarina, por exemplo, ocorreram debates sucessivos a respeito. Cada uma daquelas cativou diferentes grupos estudantis, mas todas em algum momento foram predominantes nos grupos de estudos e de ação direta.

Na década de 2000, uma parte do movimento estudantil universitário - os assessores estudantis (que praticam a assessoria jurídica popular de forma autônoma de seu local de origem, a universidade) -, volta a despertar interesse pelo debate.

Assim, é fundamental aprofundar suas especificidades e ideais comuns, no sentido de reelencar as prioridades na ação direta, assim como fazer avançar o debate teórico, tão necessário na luta popular.

É preciso ressaltar que estas teorias não são unívocas, algumas possuem representantes com idéias bastante distintas. Mas aqui foram abarcadas na mesma corrente de pensamento, para facilitar o entendimento. Este esforço é fundamental para realizar um mapeamento e definir critérios de conceituação do direito, mesmo sabendo do prejuízo com a descrição não detalhista.

Num determinado momento da década de 1990, os diálogos no Movimento de Direito Alternativo (MDA) envolveram estas quatro grandes teorias, que "concorreram" como as teorias críticas do direito brasileiras:

O direito achado na rua
Representado pelo professor Roberto Lyra Filho, para quem o direito autêntico e global não pode ser isolado em campos de concentração legislativa, pois indica princípios e normas libertadoras. Considera a lei um simples acidente no processo jurídico e que pode, ou não, levar a melhores conquistas. A principal vertente encontra-se ainda na Universidade de Brasília, com o Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP), levado adiante por José Geraldo de Sousa Junior, com projetos de extensão de abrangência nacional na década de 1990 e 2000.

O direito alternativo
Com inspiração europeia, fundamentada em teorias de juízes italianos e espanhóis, que propunham o uso de um referencial alternativo de princípios gerais para fundamentar decisões alternativas em regimes políticos de Estados pós-ditadoriais, com parte do sistema jurídico de exceção ainda vigente. A aplicação brasileira ocorre principalmente por juízes e professores universitários, os primeiros com decisões judiciais que pendem para a garantia de direitos humanos fundamentais de movimentos sociais, os segundos com a fundamentação de um direito que promova a mudança social.

O pluralismo jurídico
Com inspiração nas pesquisas sobre o "direito dos oprimidos" desenvolvidas em comunidades pobres do Recife e do Rio de Janeiro, por Joaquim Falcão e Boaventura de Sousa Santos. Outro estudiosos é o professor Antonio Carlos Wolkmer, para quem a teoria do pluralismo jurídico propõe o reconhecimento e a manutenção das manifestações jurídicas que estão para além do Estado, principalmente aquelas provindas dos corpos intermediários, como os movimentos sociais, que contribuam para a formação de uma cultura jurídica comunitária e participativa.

O direito insurgente
Defendido por advogados populares como Miguel Pressburger, Miguel Baldéz e Jacques Alfonsin, todos integrantes do Instituto Apoio Jurídico Popular - AJUP. Também por outros grupos de advocacia popular, como a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia- AATR. Miguel Pressburger propõe que, para além do positivismo de combate - ou o embate judicial com os instrumentos jurídicos oficiais -, há um caldo de cultura proveniente dos conflitos sociais, revelado nas estratégias dos sujeitos coletivos organizados. É justamente na invenção de um direito mais justo e eficiente que emerge das lutas sociais o direito insurgente, o qual não se normatiza ou alcança eficácia para toda a sociedade, mas fornece indicativos metodológicos importantes na busca de novas epistemologias.

Hoje, o movimento estudantil brasileiro ainda pauta algumas destas teorias. Especialmente, o movimento estudantil de assessoria universitária. Resgatar o histórico da discussão e voltar a refletir sobre estas propostas é tarefa de nosso tempo!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Campanha contra a "nova" criminalização dos saberes tradicionais

Inicio agora uma campanha para repudiar os atos de criminalização "via Tv Globo" dos saberes tradicionais no uso de ervas e medicamentos populares.
A campanha tem como alvo o "Doutor" Drauzio Varela, que vem sistematicamente, ao longo dos últimos domingos, num quadro do Fantástico, ridicularizando saberes tradicionais por não possuirem "pedigree" atestado pelo saber médico científico ocidental.
Diversos sujeitos já foram alvo de suas críticas, sempre direcionadas para hegemonizar o saber-poder científico como única forma de legitimar saberes médicos tradicionais que já são praticados a décadas, por vezes séculos, entre diferentes povos e comunidades, sobretudo na Amazônia.
Por isso, essa campanha pretende dar um basta as incursões etnocentricas do "Doutor" Drauzio Varela, para dizer que os saberes relativos às medicinas tradicionais não precisam ser submetidos a nenhuma comprovação científica para continuarem a ter aplicação e eficácia sociocultural.
Passe essa campanha à frente e adicione novos comentários!
Vamos impedir com que, mais uma vez, ocorra outra criminalização dos saberes e sujeitos pertencentes a povos tradicionais.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

DÚVIDA INSANÁVEL: COMO DEVE SER PARA UM MINISTRO DO STF CONVIVER COM O PODER DE MUDAR A HISTÓRIA E A CULPA DE NÃO TÊ-LO FEITO?

José Humberto de Góes Junior

Esse ano e num futuro bem próximo, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentará temas muito importantes para o Brasil. Na configuração da justiça brasileira implantada pela Emenda Constitucional nº 45 e no estágio atual da luta por direitos e por justiça, que faz resvalar nas Cortes problemas sociais historicamente negados às instituições públicas brasileiras, serão temas que exigirão do Judiciário, pela primeira vez, tomar assento, como parte, nas discussões sobre os problemas nacionais; assumir sua responsabilidade ética e constitucional no processo de superação das desigualdades e das opressões, ocasionadas pelo patrimonialismo, pelo patriarcalismo, por conseguinte, pela corrupção endêmica, que ainda povoa nossa realidade nacional.
Em outras palavras, terá o STF a chance de, percebendo-se co-responsável pelos problemas brasileiros, bem como, seus Ministros e Ministras, devolvendo-se a si mesmos e a si mesmas a condição de cidadãos ativos e cidadãs ativas, realizar ou de contribuir decisivamente para a realização do art. 3º da Constituição Federal de 1988. Poderão ser co-partícipes do processo de promoção do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e das formas de marginalização, de discriminação e preconceito; poderão, acima de tudo, contribuir para a construção do bem de todas as pessoas e da justiça social.
Mais de 20 anos após iniciada a luta do povo brasileiro pela democratização do país e pela configuração de um Estado que se voltasse à realização de direitos dos oprimidos e explorados, grandes temas silenciados na história pelo autoritarismo começam a ser enfrentados.
O passado precisa mesmo ser revolvido para construirmos o futuro com justiça.
Iniciamos a nossa terapia enquanto povo. Foi longo o caminho, mas estamos reconhecendo as nossas angústias sociais, os nossos traumas. Em alguns casos, já demos respostas satisfatórias no processo de construção do futuro (demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol); em outros, devido aos medos que ainda pairam sobre nós, não fomos fortes o suficiente para enfrentá-los. É o que ocorreu, por exemplo, com o julgamento da constitucionalidade da Lei de Anistia, evitando que houvesse um passo adiante na superação da tortura e da violência como elementos centrais da ação estatal em face do povo brasileiro.
Outros temas, como as cotas raciais nas universidades, a intervenção terapêutica em mulheres portadoras de fetos anencéfalos, a união homoafetiva, a transposição do Rio São Francisco, estão próximos de serem enfrentados.
Hoje, dia 22 de setembro de 2010, mais uma do que um julgamento técnico, porque este revela as posturas e as compreensões de mundo que carregamos conosco, o STF tem a possibilidade de escolher seu lado. Assumir sua responsabilidade ética, ao lado do povo, na construção efetiva da democracia ou ficar contra o povo devolvendo para o palco das eleições pessoas que reconhecidamente sempre atuaram em desfavor do Brasil.
É exatamente a escolha de lado o que representa o julgamento de Joaquim Roriz. É a escolha entre estar “deitado em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo” (ou, no máximo, manter-se à janela, em dia de parada, enquanto passa o grito dos excluídos) e pegar, junto com o povo, as ferramentas, os blocos e o cimento para começar a construir uma sólida casa para o abrigo da democracia.
Num campo mais estrito, o STF terá que escolher entre negar o passado, fazendo surgir a alvura da “ficha” de Roriz e de muitos outros que concorrem no pleito de 2010, e afirmar que Roriz e outras dezenas de candidatos e candidatas não atendem aos critérios de moralidade que mais de 2.000.000 (dois milhões) de pessoas apresentaram para votação no Congresso Nacional, atendendo todos os critérios constitucionais de proposição legislativa.
O certo é que, se perder a chance de decidir em favor do povo, como perdeu no julgamento da Lei de Anistia, o STF e seus Ministros e Ministras estarão, mais uma vez, aditando elementos para o seu próprio julgamento na história desse país.
Além disso, aqueles e aquelas que votarem pela ética de Roriz e dos outros que serão julgados com ele hoje terão que conviver com a responsabilidade de terem optado pela não-democratização do Brasil e, pior, de terem votado em favor corrupção, do desrespeito e da violência, contra o povo brasileiro. Afinal, não deve ser fácil saber que teve o poder e a chance para mudar a história de um país inteiro e optou por não tomar a decisão necessária para tanto.
Quem pensem nisso os Senhores Ministros e as Senhoras Ministras antes de dizerem não ao povo brasileiro!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Poema sobre a insurgência

Vejam o poema extraído do blogue "Passa Palavra":

Por la autogestión / De nuestras minas argénteas / Y nuestras mentes. 
Por Bruno Villela

Gritamos por la urgencia del Sur
Por la urgencia de un discurso de presente
Por la urgencia del control del nuestro albur
Por la valoración
De toda lucha doliente
Por la autogestión
De nuestras minas argénteas
Y nuestras mentes

Gritamos por la urgencia del Sur
Por la urgencia de la dignidad
Que es poca pero decente
Y siempre por la libertad
Aunque sea un efluvio contingente
Por la urgencia del Sur, gritamos vehementemente
Clamando por la in-sur-gencia
De nuestra gente.

Gritamos pela urgência do Sul / Pela urgência de um discurso do presente / Pela urgência do controlo do nosso destino / Pela valorização / De toda a luta que dói / Pela autogestão / De nossas minas argênteas / E nossas mentes / Gritamos pela urgência do Sul / Pela urgência da dignidade / Que é pouca mas decente / E sempre pela liberdade / Embora seja um eflúvio contingente / Pela urgência do Sul, gritamos veementemente / Clamando pela in-sur-gência [in-sul-gência] / Da nossa gente.

Pintura do uruguaio Torres García

sábado, 18 de setembro de 2010

O latifúndio matou mais um trabalhador sem-terra no Pará



No último dia 03.09, mais um trabalhador rural foi vítima da violência do latifúndio no Brasil, e mais uma vez no estado do Pará, onde os conflitos agrários são ainda mais encarniçados devido a uma combinação de elementos como:
  • a manutenção do poder político nas mãos do velho latifúndio coronelista;
  • a introdução acelerada do moderno agronegócio capitalista neocolonial, que atua de forma dependente e subordinada a interesses econômicos externos;
  • o verdadeiro caos social gerado por este modelo sócio-econômico, que nas últimas décadas tem expulsado grandes levas de camponeses para as cidades grandes e médias da região, sob a forma de uma urbanização caótica sob condições de desemprego, superexploração e miséria;
  • a conivência das autoridades políticas e judiciais em relação a pistolagem;
  • o grande caos fundiário promovido pela grilagem no Estado.

José Valmeristo Soares, conhecido como Caribé, foi torturado e executado por pistoleiros a soldo da família do ex-Deputado Federal Josué Bengstson (PTB), que renunciou ao mandato anos atrás para fugir da cassação por envolvimento na Máfia das Sanguessugas. Bengstson é novamente candidato a deputado federal, e conclama em seus programas pelo voto da "família paraense", pois sua principal bandeira no Congresso será a manutenção da proibição do aborto no país...

Por sorte, João Batista Galdino de Souza, outro trabalhador que havia sido capturado e torturado pelos pistoleiros, conseguiu fugir e sobreviveu.

Compreendendo melhor o caso

Caribé era uma das lideranças de uma comunidade de camponeses que era historicamente base da FETAGRI-PA (Federação dos Trabalhadores na Agricultura), que reúne centenas de sindicatos de trabalhadores rurais no estado. Cansados da demora em relação a alguma providência do governo no sentido de conquistar seu direito a terra, os trabalhadores decidiram por ocupar a Fazenda Cambará, em Santa Luzia do Pará (nordeste do estado), devido a sua condição de terra improdutiva e grilada. Para isso, romperam com o grupo político que controla a FETAGRI e aderiram ao MST, que os apoiou na ocupação da fazenda.

A reação do latifúndio e do Estado foi imediata. No mesmo dia da ocupação, prontamente a polícia militar foi requisitada e promoveu o despejo, com um mandado de reintegração de posse que já fora utilizado em outro despejo que os trabalhadores haviam sofrido da mesma fazenda, no final de 2009. Como de praxe, os trabalhadores foram xingados, humilhados e intimidados pelos policiais, e, não tendo para onde ir, permaneceram a beira da fazenda, mantendo sua disposição de permanecer na terra, onde já tinham inclusive seus roçados.

A partir de então, a pressão psicológica só fez aumentar. Todos os órgãos competentes (polícia, INCRA, ITERPA, Ouvidoria Agrária etc) foram comunicados da situação, que já indicava que uma tragédia ocorreria se nenhuma medida fosse tomada. A morte de Caribé teve, portanto, vários cúmplices por omissão.

Um detalhe curioso é que o crime foi cometido alguns dias antes de um grande Fórum promovido pelo CNJ e pelo TJ-PA. O MST e várias entidades organizaram um ato que tentava sensibilizar os participantes para o conflito, mas não foi permitido que entrassem no local do evento. Lá dentro, uma grande "feira de exposições" (?) de diversas entidades trazendo sua contribuição para a redução dos conflitos no campo. Segundo as resoluções aprovadas no final do encontro, a medida mais importante e urgente é a regularização fundiária, o que na verdade interessa mais aos grileiros, que são efetivamente aqueles que estão em situação irregular. Nada se disse sobre reforma agrária...

Os trabalhadores se dirigiram então ao INCRA, onde ficaram ocupados até que as autoridades competentes pela reforma agrária do governo do estado e do governo federal se comprometessem em desapropriar a área e destiná-la à reforma agrária. Tomado o compromisso, os camponeses retornaram à Fazenda Cambará no último dia 16.09, onde seguem na luta até a conquista final do direito a terra. A reocupação obviamente não foi pacífica, e, sob o argumento de retirar da fazenda máquinas, tratores e outros pertences dos proprietários, a polícia tentou mais uma vez pressionar psicologicamente os camponeses para que abandonassem a área, uniformizados e pesadamente armados que estavam (vide foto acima). O grupo manteve, porém, sua disposição em permanecer na terra e não permitir que a morte de seu companheiro fosse em vão. Igualmente essencial foi o apoio da SDDH (Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos) e da Defensoria Agrária, para que mais um despejo ilegal não ocorresse.

Cabe a cada um refletir sobre tantos debates que se misturam na complexidade de um caso real como este. Deixo, apenas, algumas perguntas provocativas, para reflexão (e me contendo para não faze-las a certos setores "democrático-populares" que se calam nesses momentos em que a vida exige uma tomada de posição):
  • para os acadêmicos: o que explica o fato de as universidades e os intelectuais, especialmente no estado do Pará, sequer repercutirem, e quanto mais discutirem sobre mais este caso de grave violação de direitos humanos? Será que "direitos humanos" é um tema meramente acadêmico?
  • para os pós-modernos: este conflito é produto de uma sociedade "plural e diversa", ou marcado por classes sociais antagônicas em luta permanente?
  • para os positivistas: não há relação entre direito e política, direito e moral? a diferença entre o "ser e dever-ser" conseguirá trazer de volta mais um trabalhador assassinado pelo latifúndio?
  • para os militantes e assessores jurídicos populares: que fazer para colaborar, propagar, impulsionar as lutas do nosso povo?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

EDITORIAL DE DOMINGO: É PRECISO PARAR PARA PENSAR

José Humberto de Góes Junior

O editorial do Correio Braziliense deste domingo, dia 12 de setembro de 2010, ao abordar a greve dos servidores técnico-administrativos da Universidade de Brasília, faz uma relação direta do movimento reivindicativo com a possibilidade e mesmo com a emergência concreta de prejuízos à sociedade, sobretudo, quanto à continuidade de pesquisas desenvolvidas pela Instituição em áreas importantes do conhecimento científico.

É certo, como afirma o texto referido, que a UnB é uma das mais importantes instituições superiores de educação (o que deve sempre incluir a atividade de pesquisa) do Brasil e não pode ficar parada. Suas atividades de excelência, por isso mesmo, sua capacidade de irradiar conhecimentos sobre outras regiões deste país e do mundo, não podem ser comprometidas.
Uma Universidade se faz da ação empenhada de sua comunidade, professores, estudantes e técnicos. São estes os responsáveis pela grandeza dos trabalhos que a Universidade Pública brasileira ainda, apesar das dificuldades, da omissão de governos, dos baixos orçamentos, em muitos casos, consegue manter em favor da sociedade. Se a UnB é grande é porque sua comunidade a faz grande. É o compromisso de seus docentes, técnicos e estudantes que a torna importante polo nacional, internacional e local de conhecimento.
Ao esquivar-se, deliberadamente, de discutir o mérito da greve dos técnico-administrativos, ou seja, o corte determinado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG, do Governo Federal, de 26,05%, mais de ¼, dos salários dos servidores, o Correio deixou de pontuar um dos temas mais importantes para a garantia da qualidade da educação da UnB e da Universidade Pública brasileira.
Normalmente, às greves de servidores públicos são opostos discursos de prejuízos sociais e interrupção de serviços à comunidade. De verdade, estes existem, mas não são maiores do que aqueles causados pela omissão do Poder Público, pelo desprestígio dos governos em relação à educação, por funcionários mal-remunerados, prestando serviços precários à população. Além disso, em tempos de aumentos salariais escassos, reduzidos a margens percentuais abaixo de 10%, uma perda de 26,05% é extremamente significativa. Inegavelmente, pode comprometer a sobrevivência de famílias inteiras. Colocando-se no lugar das pessoas que sofrem um dano dessa magnitude, é possível entender que há razão para a manifestação dos técnicos da UnB através da greve. Qualquer trabalhador faria o mesmo para evitar que a sua sobrevivência e que a sua condição de dignidade na relação laboral fosse prejudicada.
Neste caso, culpar os servidores pelas dificuldades que a UnB acaso enfrenta ou pelos prejuízos em tese que a sociedade pode estar sofrendo, seria, no mínimo, transferir a responsabilidade do Governo Federal para aqueles que, com o seu trabalho, ajudam a mover, apesar dos obstáculos causados à educação, a UnB. Em outras palavras, seria exigir que os servidores assumissem, com o seu sacrifício e de sua família, a responsabilidade pela qualidade da educação, como parece insinuar o editorial do Correio deste domingo.
O exercício do direito de greve pelos servidores técnico-administrativos da UnB é legítimo. Como reconheceu também o Judiciário, a greve hoje instaurada na Universidade também é legal.
Apesar da mesa de negociação instalada na instituição, não está ao alcance da gestão universitária dar uma solução definitiva para as reivindicações dos servidores da UnB. De fato, negociar localmente resultou na continuidade dos serviços do Restaurante; da Biblioteca Central; das atividades de ensino, pesquisa e extensão; na realização de encontros estudantis com mais de 2.000 pessoas vindas de diversas partes do Brasil, como foi o caso Encontro Nacional de Estudantes de Direito; e promoção de outros importantes eventos, como o Seminário sobre a Federalização de Crimes contra os Direitos Humanos, realizado no dia 08 de setembro com a presença de importantes juristas brasileiros e do Ministro Paulo Vanucchi, e do Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direitos Humanos, que acontecerá no final dessa semana. Mas, por se tratar de redução salarial determinada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e não especificamente pela UnB, caberia ao Ministério a responsabilidade de solucionar o problema gerado por sua ação desmedida, e, em caso de omissão, ao Judiciário, por ter sido a demanda judicializada e a greve considerada legal.
Como a UnB não pode parar, interessante que a dignidade dos servidores fosse respeitada, que a íntegra de sua remuneração fosse mantida e que os governos se comprometessem efetivamente com a educação, direito de todos e dever do estado, conforme afirma a Constituição Federal de 1988. Isso, de fato, evitaria prejuízo à sociedade, pois teria pessoas respeitadas para seguirem mobilizando a pesquisa, o ensino, a extensão e, em outros termos, para produzirem conhecimentos capazes de corresponder aos reais interesses da sociedade brasileira. Afinal, como diria Darcy Ribeiro, fundador da UnB, esta universidade foi fundada para pensar mecanismos de desenvolvimento econômico, político, social, cultural, artístico, para o Brasil.

O teatro e o ensino do direito (2)

Em outro momento já abordei a relação do teatro com o ensino do direito formal.
Afirmei que a assessoria jurídica popular significa uma nova proposta metodológica para o ensino do direito, e que a arte, em suas mais diversas manifestações, é uma porta de entrada sem retorno para o assessor popular. Os assessores estudantis, especialmente, preferem as atividades lúdicas no trabalho popular, que ocorre na sua maioria como atividades de extensão/comunicação popular.
Agora, exploro o ensino do direito informal, ou melhor, a educação popular dos direitos humanos.

No feriado de "independência" do Brasil, de 5 a 8 de setembro, ocorreu em São Paulo um acampamento de formação de assessores estudantis. Em uma das tardes, houve um momento em que o teatro do oprimido, de Augusto Boal, teve espaço para a criação artística e o debate crítico. A oficina foi facilitada por mim e pela Luisa Paiva, do SAJU-SP.
A proposta foi de debater os problemas enfrentados pelos assessores no seu cotidiano de trabalho popular. Foram representadas três situações-problema:

1 - O incrível mundo de Bobbio
Após muitas reivindicações dos movimentos populares por moradia, igualdade de gênero, educação, esses resolvem ir até a academia buscar apoio de três professoras de direito. A encenação consistiu na interpelação das cisudas professoras de direito pelos movimentos e causas populares (realidade), as quais insistiram em contemplar a "realidade" a partir de suas teorias e "óculos" epistemológicos. O afastamento das professoras da realidade funcionou como metáfora da distância da universidade dos movimentos populares. Após muitas tentativas de solução pelos participantes da oficina, ninguém conseguir abalar os corações gelados das professoras que tiveram que escutar a realidade reivindicar a universidade popular.
"-Estou vendo, estou vendo a realidade pela janela! Ela está um pouco distorcida em meio a tanto vidro e galhos, mas mesmo assim, é a realidade."

2 - Conquistando "corações e mentes"
Em uma sala de aula de uma faculdade de direito brasileira, durante uma explicação do professor sobre os benefícios do regime monárquico, surge um grupo de estudantes para divulgação das atividades da assessoria jurídica popular. Após certo ceticismo do professor e da turma, os assessores precisam escutar questões complicadas sobre suas intenções e não cativam nenhum novo militante. As tentativas de solução passaram pela realização de uma oficina durante a aula, para explicar com mais detalhes a proposta, além de muito esforço retórico para rebater as críticas e carisma para cativar os calouros.
"- Vocês tem bolsa? Valem horas complementares? Vocês são comunistas? Qual a opinião de vocês sobre as invasões de terra? Vocês são a favor do MST?"

3 - O tempo e o lugar do assessor popular
Uma oficina na comunidade começa com o discurso do líder comunitário pela venda de um terreno baldio e o rateio do dinheiro entre os moradores. Após inúmeras tentativas dos assessores estudantis em garantir um espaço democrático e horizontal no diálogo comunitário, todas fracassam diante da eloquência e legitimidade dos argumentos do representante da comunidade. Foi uma oportunidade única para debater o papel do assessor popular, sua função na mediação de conflitos e na organização política.
"- O que você acha? Diz o que você acha? Viu! Não diz nada, não acha nada, não fazem nada. Mas eu faço, vamos vender o terreno!"

Foram momentos de muita descontração, mas também de aprofundamento sobre estas e muitas outras questões. Ficou como lição que o teatro fórum pode render bons frutos em oficinas na comunidade, mas também nos momentos de formação e articulação política dos grupos estudantis.

SAJU-CE e o Plebiscito popular



Neste vídeo, o pessoal do SAJU-CE, junto com o Comitê da Campanha pelo Limite da Propriedade de Terra, abordam cidadãos na Praça do Ferreira, centro da cidade de Fortaleza.

As falas ratificam e problematizam a posição dos organizadores do Plebiscito popular pelo limite da propriedade da terra, que propõe a emenda ao artigo 186 da Constituição Federal, para o cumprimento da função social da propriedade.

Conforme a Assessoria de Comunicação do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), a primeira etapa foi de abaixo-assinados para colher assinaturas de apoio ao plebiscito que pretende apresentar a emenda à constituição. O resultado será divulgado nos dias 18 e 19 de outubro.

domingo, 12 de setembro de 2010

O onze-de-setembro e a abertura das grandes alamedas


Esta será uma postagem rápida. Em verdade, fruto de uma coincidência e de uma previsibilidade. Ontem, saí de casa e como sempre faço tomei um livro para ler durante o trajeto do ônibus. Por uma coincidência magistral (talvez, incoscientemente nem tão coincidente assim) o libreto que comecei a ler era de Salvador Allende. Seu título, "Abrirán las grandes alamedas". Trata-se de uma compilação de discursos do presidente chileno que buscou o caminho do voto dentro do modo de produção capitalista para fazer uma revolução socialista. Dentre estes discursos, suas últimas palavras, emitidas pela Radio Magallanes, às 9:10 da manhã do dia 11 de setembro. A locução inicia assim: "seguramente, esta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las antenas de Radio Magallanes". E quase ao final, diz o presidente chileno: "sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor" (ler toda a degravação do último discurso de Allende em Ciudad Seva, onde se encontra também o seu áudio).

Estas alamedas, arborizadas e agradáveis, serão abertas algum dia, sem dúvida. Com muito trabalho e sacrifício, por sinal. Hoje em dia, a tarefa contínua é mostrar sua possibilidade de existência. Nem tudo o que não é nunca poderá vir a ser. Pois bem, isto leva à previsibilidade que, juntamente à coincidência, me faz escrever este pequeno texto. Há tempos, as esquerdas relembram o dia de ontem, vale dizer, o golpe militar de Pinochet efetuado no Chile, num 11 de setembro de 1973. E esta lembrança serve de resistência frente à inanição provocada pelo terror do 11 de setembro nova-iorquino, com a queda das torres gêmeas. Esta tragédia não pode ser o antídoto que inocula passividade, medo e apatia. Deve ser posta em relação a outro momento histórico, de infeliz coincidência no calendário ocidental. O golpe chileno, apoiado, em vários sentidos, pelo governo ianque.

Por isso, irmano-me no dever de também propalar esta resistência, aqui em nosso blogue. Em outro, no blogue Não apaguem a memória, há uma bela postagem sobre a data. Recebi várias mensagens virtuais e todas com recuerdos do evento histórico, a partir de vídeos sobre a queda de Allende. Compartilho-os, assim, como que pedindo, junto à bela canção de Ismael Serrano: "Papá cuéntame otra vez".



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Recomendação de leituras

O atual momento da militância da assessoria estudantil é de reflexões e debates.
Será o paraisópolis ou o caos?

Para auxiliar o aprofundamento nos temas das "concepções de assessoria jurídica popular" e o direito, gostaria de recomendar as seguintes leituras:
O meu verbete "Assessoria jurídica popular universitária" publicado na Revista Captura Críptica.
A minha dissertação "Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e Rio de Janeiro (1960-2000)", do Mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina
Sobre a polêmica direito alternativo, pluralismo jurídico e direito insurgente, o artigo "Direito, a alternativa", de Thomaz Miguel Pressburger.
Sobre o conceito de direito insurgente a revista Seminários n. 14 do AJUP-RJ. Também o livro "O Direito e a ascenção do capitalismo", de Michael Tigar e Emanuele Levy.
Sobre as teorias descoloniais os livros "1492: o encobrimento do outro", de Enrique Dussel; e "Histórias locais, projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento", de Walter Mignolo (Publicado pela EdiUFMG em 2007, está esgotado).
Aproveito para lembrar o programa de estudos do minicurso "Crítica da crítica crítica: a sagrada família jurídica", com as quatro propostas políticas de práticas jurídicas insurgente, assinadas por mim e pelo Ricardo Pazello:
1) plano da resistência - assessoria jurídica popular
2) plano do trabalho - cooperativismo popular
3) plano da organização - movimentos populares
4) plano da formação - universidade e educação popular

Em breve teremos por aqui os relatos das atividades de formação no feriado, do sudeste e do nordeste.

Vencer a barbárie em Anapu é uma obrigação do Estado brasileiro

de Fagner Garcia VicenteChefe da Divisão de Desenvolvimento do INCRA no Oeste do Pará. Este texto não reflete a posição do INCRA, mas tão somente a opinião do autor.

A guerra está declarada em Anapu. Não que a violência seja uma novidade na região; a diferença, agora, é que não dá pra fingir neutralidade. A situação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Anapu I, causada pela atuação ilegal de madeireiros clandestinos, impõe a todos nós, de qualquer forma envolvidos no processo, uma escolha: engajamento ou covardia.

Em 2005, covardemente, esperamos a morte de Dorothy Stang para agirmos. Diante da repercussão internacional do fato, mobilizamos forças armadas e civis, alteramos leis e a estrutura da Administração Pública para remediar o irremediável. Hoje, de novo, os braços do Estado brasileiro estão cruzados, à espera, quem sabe, de novos mártires, de novas cruzes plantadas no solo vermelho do PDS Esperança.
Virou rotina para servidores do INCRA e lideranças locais de Anapu sofrer ameaças e tentativas de intimidação, quando não a violência concreta. Os relatórios, os memorandos, as denúncias já não surtem efeito. Madeireiros não esperam mais a calada da noite para, com a desfaçatez dos que se sabem intocáveis, tomarem de assalto o PDS. Caminhões carregados de toras, com escolta armada, arrancam dos assentamentos – ilhas de preservação da floresta nas margens devastadas da Transamazônica – a riqueza que deveria garantir a dita sustentabilidade. A lei da selva impera sob o nariz da civilização.
É inaceitável que sigamos expondo servidores públicos civis, desarmados e sem poder de polícia, a riscos, como os enfrentados pela equipe do INCRA em Anapu. Porém, irresponsabilidade maior seria, agora, abandonar à própria sorte as famílias assentadas, que, com a coragem dos que não têm alternativa, defendem bravamente o território e o ideal do PDS. A Comissão Pastoral da Terra, como em 2005, está rouca de tanto clamar por providências, mas parece que nada consegue ultrapassar a “blindagem” do setor
madeireiro.

É notório que a atividade madeireira encontra-se, hoje, calcada na ilegalidade. Do mesmo modo, contudo – para além de qualquer ingenuidade ou hipocrisia –, não se pode ignorar a influência do setor sobre as elites políticas e econômicas do Pará, ou desconhecer que os empresários desse ramo sustentam as campanhas eleitorais de todos os candidatos importantes do estado. Por isso, ninguém sinceramente espera das
autoridades constituídas, em plena conjuntura eleitoral, o enfrentamento desse aparato econômico e social tão poderoso. O clamor é por um mínimo gesto que demonstre um vago compromisso com as famílias assentadas e com as promessas que lhes foram feitas. Em Anapu, em Novo Progresso, em todas as áreas públicas destinadas do país, reprimir práticas criminosas e oportunizar condições, recursos, para que a
sustentabilidade, embrionária em cada assentamento, possa florescer como alternativa econômica a milhares de famílias camponesas.
Não se espera do Estado brasileiro nada além da sua função mais elementar: fazer cumprir a lei. Ou nos engajamos nesse objetivo agora ou optamos pela covardia e, de vez, capitulamos frente à barbárie.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O bandido que sabia latim também sabia de música

Uma lista realmente imensa de nomes - todos devidamente aportuguesados - poderia ser lembrada: Carlos Marx, Vladimir Ílitch Uliánov, Franz Cafca, Fidel Castro, Sadão Hussein, Nélson Mandela... Dentre os brasileiros, destaque para Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga, José de Alencar, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Raimundo Correia, Raul Pompéia, Monteiro Lobato, Graça Aranha, Osvaldo de Andrade, José Lins do Rego, Guilherme de Almeida, Vinícius de Moraes, Décio Pignatári, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Paulo Freire, Mílton Santos, José Celso Martinez Correa, Nélson Pereira dos Santos, Lígia Fagundes Teles e Ariano Suassuna. Num dos rincões específicos deste mesmo Brasil, o Paraná, mais alguns ilustres: Rio Apa, Dálton Trevisan e, finalmente, Paulo Leminsque.

O que têm em comum todos esses nomes em tal listagem quase patriarcalista? E por que começar pelo mundo e chegar ao pouco visitado Paraná?

Bom, isto tudo não passa de confetes, serpentinas e filigranas para divulgar a obra de um grande poeta curitibano, o qual, como todos os citados, cursou direito e, felizmente para a poesia tupiniquim, não ousou terminar seu curso de graduação. Estou a falar de Paulo Leminque (Leminski, na grafia cartorial), um clássico da chamada geração poética pós-modernista, flertando com o concretismo e com a cultura pop. Detentor de portentosos bigodes, escreveu de tudo: além de poesia, literatura infanto-juvenil; além de romance, canção popular; além de ensaios e crônicas, biografias. Foi biógrafo privilegiado e desautorizado de Cruz e Sousa, Leão Trótsqui, Matsuo Baxô e, pasmem!, Jesus Cristo de Nazaré! Talvez seja dele o romance-ensaio único pós-Guimarães Rosa que consiga se igualar a "Grande sertão" ou "Macunaíma" - refiro-me a "Catatau". Arvoroso escritor antenado com seu tempo, desceu a lenha no "pacote ortográfico" da década de 1980 (um exemplo a ser seguido hoje, com o pacote ortográfico baixado por decreto!), esmerou-se no judô a ponto de ser um faixa-preta e amou a música popular tomando partido pela "guitarra elétrica" de Caetano Veloso contra o "cavaquinho" de Chico Buarque.
É na exata esteira dessa tomada de partido que vale a pena reavivar Leminsque. Admirador do piauiense Torquato Neto, aproximou-se tresloucadamente do tropicalismo de Caetano e Gil, assim como do pós-tropicalismo dos Novos Baianos e de Itamar Assunção. Anti-poeta romântico - ou seja, mesmo que anti-poeta, ainda assim romântico, como nos haicais eróticos que trocou com sua companheira, Alice Ruiz - sua poesia serviu de música a vários malditos da música brasileira contemporânea: de Zé Miguel Visnique a Arnaldo Antunes... Esta paixão se inicia quando investe na musicalidade junto a seu irmão, Pedro Leminsque, e depois se insere no cenário musical paranaense, onde se destacavam Lápis, Paulo Vítola, Marinho Galera e o MAPA - Movimento de Atuação Paiol. Mas nada supera sua irmandade com Ivo Rodrigues e o grupo Blindagem, antiga A Chave (grupo já lembrado neste blogue por ocasião do falecimento de Ivo). Aí, incubado estava o roquenrol das araucárias, em uma mistura que hoje poderia ser chamada, muito ciosamente é claro, de emepebística.

Pois bem, este poeta-judoca, tradutor-poliglota, músico-sem-rota disse uma vez, dando título a uma novela: "minha classe gosta, logo é uma bosta". Lembremos, foi ele um poeta pop curitibano quase-causídico. Quiçá ele estivesse se referindo a cada um dos adjetivos que se lhe podem atribuir. Não se sabe, em realidade. O que se pode dizer é que o estudante de direito que consta em primeiro lugar na lista de devedores de livros junto à biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná merece ser lembrado, em sua integralidade, como o poeta musical que fora, denunciando os homens e suas bandeiras que pensavam que podiam fazer xixi nas estrelas e que dizia:

Dois namorados olhando o céu
Chegam a mesma conclusão
Mesmo que a Terra não passe da próxima guerra
Mesmo assim valeu

Valeu encharcar esse planeta de suor
Valeu esquecer das coisas que eu sei de cor
Valeu encarar essa vida que podia ser melhor

Valeu... valeu...

Valeu, Leminsque. É o que posso dizer. E vou dizê-lo difundindo suas canções na voz dos mais renomados intérpretes, conforme compilação divulgada no blogue Poemas de Paulo Leminski. Ali, se deu o nome do disco compilado, e apto para ser baixado por qualquer navegante, de "O bandido que sabia latim", título homônimo à biografia escrita por Toninho Vaz e que merece ser lida por todo estudante de direito insurgente. Não tanto porque vai contar a experiência dele nas arcadas da Santos Andrade, mas porque vai externalizar uma experiência de canalização de rebeldia para a arte, ainda que exageradamente alcoólica e de seqüelas hepáticas inacreditáveis.


Confira:

- blogue Poemas de Paulo Leminski;

- blogue Kamiquase;

- blogue Polaco da Barreirinha.