quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Os instrumentos do Direito servem para quem? Uma breve análise sobre o Caso Igor

Hoje temos a primeira postagem de textos do curso de assessoria jurídica popular na UERJ deste semestre:


Lara Merenlender - Bacharelanda em Direito pela UERJ, 
militante da revolução da brevidade e feminista.

Em janeiro de 2016 Igor Lima recebe a contente notícia de que foi aprovado no vestibular da Faculdade de Direito da UERJ. No entanto, a alegria não dura muito e é rapidamente substituída pela preocupação. Isso porque o futuro advogado, que mora em Queimados, é portador de paralisia do tipo diplegia espástica, e utiliza cadeira de rodas para auxiliar a sua locomoção. A fim de se deslocar de sua casa até a UERJ, Igor precisa utilizar o trem que liga sua cidade até o Maracanã, onde está localizada a sua faculdade. Porém, ele encontra uma barreira arquitetônica na estação de Queimados: 33 degraus de escada para chegar até à plataforma, já que a parada ferroviária não possui elevador, rampa ou qualquer outra ferramenta que a torne acessível às pessoas portadoras de deficiência. A única forma do estudante conseguir utilizar o trem é sendo carregado por funcionários da concessionária ferroviária que, por sua vez, também carregam sua cadeira de rodas motorizada, que pesa 62 kg. Essa situação não apenas ameaça a integridade física de Igor (por conta do risco de cair enquanto é carregado), como também degrada a sua dignidade como pessoa humana. Ademais, esse tipo de acessibilidade assistida não está de acordo com o conceito de “acessibilidade” definido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) em seu art. 3º, inciso I, que a define como possibilidade de utilização com segurança e autonomia, dos transportes, mobiliários, equipamentos urbanos e edificações por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Diante disso, Igor se viu obrigado a recorrer às vias judiciais, e, assistido pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, moveu ação em face da Supervia (concessionária de trem) e do Estado do Rio de Janeiro, para ter os seus direitos à livre circulação (Art. 5º, XV, CRFB) e à educação (Art. 205 CRFB) garantidos.


Igor Lima é estudante de direito na UERJ e está em busca de seus direitos.


Em 1ª instância, Igor obteve relativo sucesso: a juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Queimados determinou, por liminar, que fossem realizadas obras na estação no prazo máximo de 180 dias e que, durante este período, a concessionária e o governo estadual deveriam assegurar transporte adequado para que o estudante chegasse até a UERJ. Em razão disso, foi feito um arresto de R$ 16.800 das contas do Estado para garantir que ele pudesse ser levado à universidade em um carro particular até que as obras de acessibilidade fossem concluídas.

Contudo, a Supervia e o Estado recorreram da decisão, e a desembargadora responsável por julgar o caso derrubou parcialmente a liminar anterior, exigindo que o estudante devolvesse a quantia do arresto ao Estado. Preocupado com a decisão desfavorável ao seu caso, e em situação de desespero, Igor inicia uma “vaquinha online” a fim de arrecadar o montante necessário para devolver o dinheiro ao Estado, visto que já havia gasto quase todo o valor com transporte particular até a universidade.

Nesse momento, suscitou-se a questão “Quem deve a quem?”. O Igor deve 16.800 reais ao Estado, ou o governo estadual e a concessionária devem ao aluno da UERJ a garantia de seus direitos fundamentais como cidadão e como pessoa portadora de deficiência?

Assim, faz-se necessária a reflexão sobre para quem servem os instrumentos do Direito. De um lado, um Estado falido e omisso, junto com uma concessionária ferroviária desinteressada em garantir o acesso de todos ao transporte público. De outro, um estudante tentando realizar seu sonho de se tornar juiz, e sendo obrigado a enfrentar obstáculos diários para alcançar seu objetivo. No primeiro polo, uma empresa com recursos financeiros suficientes para contratar advogados de altíssimo nível, cujos honorários advocatícios são de valor considerável, e no polo oposto, um estudante universitário que conta com a assessoria jurídica popular gratuita da Defensoria Pública, que por sua vez realiza um trabalho impecável na defesa dos interesses dos cidadãos.

Até o presente momento, ainda não há uma decisão definitiva da 2ª instância, e Igor ainda não sabe se de fato precisará devolver a quantia ao Estado ou não. A “vaquinha online” continua ativa e o estudante continua lutando em defesa não só de seus direitos, como os de todas as pessoas portadoras de deficiência.


Para colaborar e saber mais sobre o caso de Igor Lima, basta acessar:

https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajudeoigor
https://www.facebook.com/ajudeoigor/