quarta-feira, 28 de novembro de 2012

"Está provado que só possível filosofar em alemão"



José Humberto de Góes Junior

Quatro textos alemães para a seleção de pós-graduação em direito na UnB... é a mais evidente manifestação de um complexo de inferioridade acadêmica que me faz pensar. Não por uma questão de nacionalismo. Mas, por uma questão de libertação das mentes colonizadas que não encontraram o seu lugar, por consequência, a libertação de todos nós e de todas nós. 
Para isso, é preciso, sem dificuldades, constatar que grande parte de nós sofrermos de um complexo de inferioridade acadêmica gerado a partir de um trauma ou, como podemos dizer, de um sócio-trauma, cuja origem se estabelece no misto entre sonhos e desejos incompreendidos, irrefreáveis e irrealizáveis manifestados pela pulsão erótica de sermos quem não somos e de possuirmos o que não possuímos. Neste caso, a racionalidade do outro, a sua forma de viver, a sua forma de estar no mundo.
Sonhamos com o mundo europeu e norte-americano; sonhamos em fazer parte dele; em ganharmos notoriedade e reconhecimento nesses locais (essa seria a tão esperada aprovação da nossa suposta capacidade intelectual!) enquanto o nosso super-ego nos lembra que somos brasileiros, habitantes do terceiro mundo, incapazes de fazermos parte do mundo idealizado como mais racional e mais prodigioso; do mundo que produz a colonização dos demais mundos e dos demais saberes ao impor a sua verdade. Por outro lado, o não saber conviver com a pecha de colonizados, nessa tentativa de ser o que não somos adotando a verdade do colonizador, tentando ser ele, nos obriga a integrar um processo permanente de re-colonização e de re-submissão por meio de uma atitude que reforça o poder do colonizador sobre as mentes, que dá a ele o poder de dizer como todos e todas somos, como pensamos e como devemos pensar e viver. 
Mas, o colonizador, como as elites diante de policiais que incorporam os pontos de vistas dos dominantes para parecerem menos comandados na sua ação contra os oprimidos e explorados, nunca nos deixarão sermos iguais a eles, porque a nossa suposta inferioridade sustenta o seu poder e mantém a sua capacidade de nos dizer o que somos, de nos nomear e impor as palavras com as quais identificamos o nosso mundo. Ele nos quer apenas como mensageiros de uma palavra que não é nossa e não nos é apropriável jamais. 
Nessa condição, fazemos tudo o que manda o mestre sem olharmos ao nosso redor e percebermos que há conhecimento em tudo, que há saberes complexos jamais observados pelo colonizador de mentes e de espaços, porque os seus olhos estão postos desde um lugar e este lugar não lhes dá a capacidade de enxergar tudo em todos os tempos (por isso, é um olhar também frágil, localizado, limitado e parcial de tudo o que existe). Por isso, no processo de repetição, deixamos de visualizar o que há para além do já visto, o que há para além do não visto; que produzimos saberes e conhecimentos científicos, filosóficos e outras ordens de conhecimentos que a razão europeia não é capaz de entender, de tão simples que ela é. 
Mas que isso, deixamos de entender por que fazemos pós-graduação no Brasil, por que gastamos algum dinheiro público em bolsas de pesquisa, por que temos a universidade. É para ser espelho do próspero?
Se não acreditamos que podemos produzir conhecimentos, por que estamos aqui? Por que temos a nossa própria universidade? O que estão nos ensinando? O que estamos ensinando? 
Certamente, estamos repetindo mais e produzindo menos.
Mas, olhando um pouco para a realidade analisada, eu me sinto impelido a lançar também outra tese. É a tese da vaidade!
Afinal, o direito na UnB tem professores bem conhecidos no Brasil todo por suas ideias genais e singulares; tem professores conhecidos no Brasil todo por suas ideias europeias. Tem professores que produzem muitos livros... 
Posso estar errado, mas, talvez, para evitar valorizar os colegas de casa, fortalecer correntes teóricas internas com as quais alguns não concordam; para também evitar colocar em mesa as diferenças de pensamentos localmente produzidos, os nossos professores preferem buscar livros de um outro mundo, de onde bebem alguns que participam de uma disputa acirrada por um poder volátil que só eles enxergam. Essa também é uma forma mais sutil de justificar e enaltecer as ideias que certas pessoas tentam propagar, ideias colonizadas, sem dar a chance para que pensamentos descolonizados se firmem ou se reafirmem, mostrando que a única saída é deixar de ser repetidor ou banir os repetidores, ainda que inteligentes repetidores.

Após alguns debates suscitados por meios eletrônicos em torno dessas ideias, surgem duas teses para defender a escolha dos livros alemães. A primeira delas afirma que a indicação dos textos se deu por mera coincidência. A segunda, aliada à primeira sempre para justificar a boa-fé dos professores que indicaram os textos, anuncia a desimportância da nacionalidade ao se falar em pensamento crítico e em estudos do direito.
Quanto à coincidência, é preciso compreendê-la. Essa co-incidência de pensamento, ou seja, essa convergência de pensamentos, pode revelar a manifestação da incidência de um inconsciente dominado ou devidamente colonizado. Pode manifestar, por exemplo, a uniformidade ou a tentativa de uniformidade de pensamento; a dificuldade de enxergar para além do que se pode ver; pode manifestar a falta, mais que tudo. Além disso, quando não devidamente observadas, as boas intenções, opostas para defenderem o argumento de que não foi proposital a convergência para certos tipos de pensamento, podem se voltar contra si mesmas, podem se voltar também contra o propósito crítico de que elas porventura queiram se munir; de forma simples, podem fazer valer o provérbio de que "de boas intenções o inferno está cheio".
No que concerne à nacionalidade, também não se fala em adotar textos apenas porque são de nacionalidade “A” ou “B”. A nacionalidade dos autores dos textos, a localização deles e de seus escritos, podem não significar nada diante do pensamento colonizado. Na verdade, poderia citar uma enormidade de pessoas nacionais de quaisquer partes que esboçam conservadorismo e capacidade de repetição do pensamento alheio tido como mais importante. O problema está em deixar de olhar para o que fazemos, para o que produzimos, para a sua qualidade; em abdicarmos um pensamento próprio em nome de um pensamento "melhor" que o nosso.
A falta de livros dentro de um contexto brasileiro e latino-americano, em verdade, fala mais do que podemos imaginar. Indica o que há nas nossas estantes e o que falta nelas. Mas também nos faz pensar na razão de faltarem outras leituras. Por isso, não considero que seja uma "divisão bizarra" a colocação de um pensamento do sul diante de um pensamento do norte hegemônico, que já demonstrou quase todos dos efeitos negativos que as suas verdades são capazes de criar.
Sem prender o fascismo ou o menos grave chauvinismo, penso que é preciso olhar mais para o que fazemos e ver o quanto disso fala mais de nós do que as teorias dos outros são capazes de falar de nós. Ainda mais quando vemos que a Europa, tida como a perfeição a ser alcançada, história a ser copiada, futuro de todos os países que se pretendem “ricos” e “verdadeiramente democráticos”, com todas as suas teorias políticas, econômicas, ambientais..., tomba!
E corre maior risco de cair ao deixar à mostra as suas vísceras, ao evidenciar em suas democracias exortadas a base em que está assentada, a legalização da exceção e da violência como meio de realizar os seus processos de socialização. Seja a violência das colonizações, das guerras, seja a violência de uma suposta racionalidade democrática que se levanta para a perseguição dos estrangeiros ou dos seus cidadãos que protestam contra um sistema que os exclui, que os mutila, que os jogam a rua, mesmo em tempos de frio e neve, como agora.
Nos países da democracia e dos direitos humanos, só pra dar um exemplo de algumas das suas criações teóricas mais exportadas para todo o mundo com tanta verdade e inquestionabilidade, o que se vê é uma intensa criminalização dos movimentos sociais sem a existência de mecanismos coletivos de defesa de direitos que não o protesto e a desobediência civil.
Pensar no que lemos e no que impomos como importantes em processos de seleção para programas de pós-graduação críticos em direito como o que temos na UnB significa mais do podemos imaginar. É chamar atenção para o olhar e para como o colocamos no mundo, mas, acima de tudo, é chamar atenção para a complexidade de pensamentos que falam de uma realidade negada da história, como a América Latina e o Brasil, com tantos novos ensinamentos e com tantas teorias que os estrangeiros vêm construir aqui, enquanto nós, com o nosso malinchismo, sequer podemos enxergar que existem.
Por exemplo, em alguns dos argumentos contrários ao que digo, afirma-se que o Brasil possui a Tropicália, o Manguebeat, o Cinema Pernambucano hoje, o Movimento Armorial, a Escola de Direito do Recife (vou acrescentar o Cinema Novo e a Semana de Arte Moderna que inspirou o sentido dos anteriores e deixar em aberto as possibilidades, afinal, criamos muito em todas as partes)... efetivamente, temos tudo isso.
Muitos dos movimentos artístico-culturais indicados surgem no Nordeste brasileiro, tanto quanto surgem por lá muitas teorias, muitos conhecimentos e saberes de outros campos (Paulo Freire, as teorias sobre pesquisa-ação, algumas concepções de direitos humanos mais complexas). Mas, se o Brasil se tem pouco em suas bibliotecas, ele tem menos o Nordeste. Nem nas escolas nordestinas nem nas faculdades nordestinas, conhecemos os pensadores brasileiros, como também não conhecemos os pensadores de lá, a literatura de lá, a música do povo de lá. No caso de Sergipe, temos Tobias Barreto, Sílvio Romero, Gumercindo Bessa, Olímpio Campos, que foram muito responsáveis por erigir a Faculdade de Direito do Recife como uma escola de pensamento jurídico. No campo da educação e, para alguns da sociologia, temos Manoel Bonfim, um sergipano que estuda a América Latina (abandona a medicina para construir teorias sobre uma educação mais apropriada culturalmente a nossa realidade e é também um dos poucos pensadores do início do século 20 que atacam teorias de embranquecimento da população). Infelizmente, só o conheci muito tarde quando, na Argentina, me perguntaram se eu, como sergipano, teria algo dele para emprestar, e, mais profundamente na UnB, quando me inscrevi em uma disciplina no programa de pós-graduação em sociologia, que, em geral, também não lê os brasileiros e os latino-americanos. Foi aí também que eu descobri mais de Tobias Barreto, Sílvio Romero, Gumercindo Bessa... embora não o suficiente.
Fechados os parêntesis, sobre os movimentos que foram citados como contra-argumento, seria interessante observar suas repercussões no nosso modo de fazer de ciência. Afinal, em sua grande maioria, são de natureza antropofágica e criativamente singulares, ou seja, questionam o culturalmente imposto e exortam os nossos artistas a produzirem a música e a literatura brasileiras. Diga-se de passagem, não fizeram mal. Hoje, ninguém diz que estavam errados em criar algo nosso, em criticar o imposto. Com isso, transformaram a música brasileira na mais admirada do mundo.
É disso que falo quando incito a olhar mais para dentro de nós, para a América Latina. Falo em criar algo autêntico que fale de nós, que não precise manter colonizados também do ponto de vista científico, tanto quanto fizemos na música, na literatura, as pintura e em outras artes. Por exemplo, admitindo uma possibilidade concreta de pesquisa especificamente quanto à Tropicália, como seria interessante pensar e entender os seus efeitos no direito brasileiro e na forma como pensamos direitos humanos.
Por fim, estou de acordo que não tenha havido má-fé na escolha dos livros para a seleção. Mas também considero que falta ler para além do que se lê. Se não lemos, não temos outros autores e outros pensamentos para indicar. Saber que esses movimentos existem, que outras ideias existem, que pensamentos brasileiros e latino-americanos existem, não é o suficiente para que, localizados na estante dos “exóticos” dos nossos compartimentos cognitivo-cerebrais, saiam para co-habitar as nossas mesas de cabeceira junto com todos os outros.  

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Luta pela terra é o tema de seminário em Pinhão, no Paraná

Divulgamos o seminário que ocorrerá no próximo dia 27 de novembro, no interior do Paraná, município de Pinhão, centro-sul do estado (a 300 km da capital).

Trata-se do "II Seminário Memórias dos Povos do Campo - Luta pela terra: resistência e tradição". Organizado por movimentos sociais e professores, o seminário tem por destaque uma mesa-redonda com militantes das organizações populares de Pinhão, tais como a Associação de Famílias dos Trabalhadores Rurais de Pinhão (AFATRUP), a Cooperativa Mista de Produção Agropecuária e Extrativista das Famílias Trabalhadoras Rurais de Pinhão (CooperAFATRUP), a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais, o Movimento dos Pequenos Agrocultores (MPA), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a Comunidade Quilombola Paiol de Telha.

O seminário ocorrerá em duas escolas rurais: a Escola Rural Municipal Norberto Serápio e a Escola Rural Estadual Izaltino Bastos, na região do Faxinal dos Guedes.

Para maiores informações, entrar em contato com o telefone: (41) 3304-7075.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Manifesto do NAJUP Luiza Mahin



Nós somos o NAJUP Luiza Mahin, o núcleo de assessoria jurídica popular que homenageia em seu nome uma mulher negra africana que foi escrava na Bahia, liderou a revolta dos Malês e seguiu liderando insurgências aqui no Rio de Janeiro, onde nós nos criamos. Essa mulher é um símbolo daquilo que nos une, da revolta contra as opressões, da força para lutar por um mundo diferente onde todos possam ter seu pedaço de terra e determinar suas vidas. Luiza Mahin lutou contra a escravidão, manteve-se pagã, não aceitando nunca o batismo, nunca abandonando sua cultura para adotar aquela que tentavam lhe impor.

E como ela, nós nunca nos deixaremos vencer por forças que tentam fazer crer a todos que o mundo só pode ser assim, que uns devem ser sacrificados para que um certo progresso aconteça. Se progresso significa desigualdade e falta de liberdade inclusive para os que por ele são beneficiados, mas que não podem determinar quais serão os caminhos que trilharão e em que mundo querem viver, nós o repudiamos.

Acreditamos em um mundo onde cada um é autor de sua história e que, junto com seus semelhantes, a escreverá com as mais belas palavras de união, consciência e força. Não acreditamos nos doutores que se pretendem donos da verdade sem conhecer o que é a vida daqueles que os cercam, sem saber o que foi necessário para que a comida que os alimenta chegasse à sua mesa. Afinal, como diz o sertanejo “quem é de nós é mais ignorante, eu que não aprendi a ler? Ou você se morresse de fome, se não me desse o que fazer?”.

Por isso, nós não queremos estar só na universidade, vemos no mundo nossa maior escola e vamos buscar nele as pessoas com as quais vamos construir nosso conhecimento. Queremos aprender com aqueles que sentem a cada dia, o que é ser explorado, precisar do serviço público, ser estigmatizado e não ter oportunidade de alcançar o que a TV nos diz que traz felicidade. É no construir com essas pessoas que a palavra práxis pode fazer sentido, é no diálogo entre sabedoria popular e academia que podemos pretender encontrar as soluções para nossos conflitos e injustiças.

Estamos juntos pois acreditamos que a prática do direito pode ser insurgente e transformar a realidade. Nos marcos da educação popular, queremos construir uma assessoria jurídica que se diferencia da assistência, posto que visa empoderar os sujeitos a que assessora,  a partir do conhecimento construído em seu contexto e da conscientização crítica. Queremos tornar esse instrumento que tradicionalmente é usado para manter o status quo, o jurídico, acessível  a todos e, quem sabe, uma válvula para mudanças.

E por tudo isso, gritamos:
"Eu uno minhas mãos nas suas e uno meu coração ao seu,
Para que juntos possamos fazer aquilo que não posso, não quero e não devo fazer sozinho
Agora somos fortes e somos loucos,
Na nossa utopia, somos atores conscientes do nosso papel
E lutaremos juntos, para libertarmo-nos dos grilhões que nos prendem
Eu uno minhas mãos nas suas e uno meu coração ao seu,
Para que juntos possamos fazer aquilo que não posso, não quero e não devo fazer sozinho:
A luta"

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sistema penal, concentração fundiária e ônibus que pegam fogo em Floripa-SC




Se eu contar que assisti um ônibus pegando fogo da sacada da minha casa, nos Ingleses em Floripa-SC, vocês acreditam?

Mas não chamo isso de "atentado, terrorismo, violência sistemática" ou "crime organizado", como vem pintando a grande mídia. Nem acredito que esteja relacionada com "migrações de criminosos" do Rio de Janeiro e de São Paulo para o Sul do Brasil (confiram a notícia e a opinião de um professor de sociologia da UFSC aqui ). Prefiro pensar que se trata de uma "reação suspeitada". Muito provavelmente ligada a uma manifestação por conta das terríveis situações dos presídios em todo Brasil e, obviamente, também em Santa Catarina e Floripa.

Se até o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, são capazes de expressar na grande mídia, sem cinismo ou ironia, que preferem ir para o inferno ou morrer do que serem perseguidos, neutralizados, capturados, processados, presos e por fim triturados no medieval sistema penal brasileiro, é sinal de que as coisas podem estar implicadas.

Lembrei dos ataques do Primeiro Comando da Capital em São Paulo, em maio de 2006. Estima-se que 23 policiais civis e militares foram mortos. Estima-se, também, que 403 jovens negros e mestiços, pobres e moradores de favela, na Grande São Paulo e na baixada santista, foram mortos. Para quem quiser pesquisar, a revista Caros Amigos realizou uma cobertura completa desse processo genocida, trazendo "notícias de uma guerra particular" que se repete cotidianamente no Brasil.

Entre assistir um ônibus queimando ontem, na varanda da minha casa em Floripa-SC, e lembrar das retaliações do PCC em SP, em 2006, consigo encaixar uma série de filmes, documentários, notícias de jornal e fatos históricos que relatam o trituramento físico-cultural-subjetivo do sistema penal formal e informal, instrumentalizado pelos interesses multinacionais das grandes corporações, da mídia e do mercado agrofinanceiro oligárquico-liberal aqui no Brasil.     

Posso relatar: 

a) o massacre do "Carandiru", seja em livro (Estação Carandiru), seja em filme;
b) "Ônibus 174", chacina da candelária; 
c) inúmeros relatam a chacina em Eldorado dos Carajás, o que motivou a ação estratégica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denominada "abril vermelho";
d) "Cidade de Deus" e os "Tropa de Elite", para uma contextualização antropológica e socioeconômica dos estigmas;
e) "Cabra marcado pra morrer" e "Esse homem vai morrer - um faroeste caboclo", sobre as ameaças e mortes que os trabalhadores rurais enfrentam quando resistem às opressões do sistema capitalista tupiniquim ou agrofinanceiro;
f) "Notícias de uma guerra particular" para uma microhistória do tráfico de drogas;
g) "Histórias do Poder", projeto do sesc em livros, documentários e entrevistas sobre as celebridades do cenário político institucional e para-institucional;
h) "Justiça", sobre dia-a-dia de dois juízes;
i) Os livros de José Arbex Jr. "O poder da tv" e "Narcotráfico: um jogo de poder nas américas", junto de uma vasta bibliografia de criminologia na América Latina, cujo expoente máximo acredito ser "Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal", do argentino Eugênio Raul Zaffaroni, ministro da Suprema Corte;
j) "O veneno está na mesa" e "The Corporation", sobre a célebre multinacional do agronegócio "Monsanto";

A lista é infinita...

No Brasil, a propriedade privada se tornou um totem. E a concentração fundiária, seu respectivo tabu. Enquanto a propriedade privada é ornada, a concentração fundiária torna-se ordinária, desloca-se para nosso subconsciente como um mito fundante e, tendente a uma naturalização, permite que se invente todo um modelo civilizatório a partir dela. O Brasil não é o único exemplo, com seu Maranhão, estado com maior concentração fundiária da nação e quintal ornamental da família Sarney: também o Paraguai e, a partir desses exemplos, arrisco uma hipótese geral - todos os países que sofreram colonialismo, desde a América, passando pela Ásia até chegarmos na África, possuem, eventualmente, algum resquício dessa concentração da propriedade da terra na mão de uns poucos. Ou algum produto desta mazela histórica, como é o caso do nosso sistema penal brasileiro e, talvez, latinoamericano em geral.

O sistema penal é um produto desse Totem e Tabu. Se parecer uma anomalia, um monstro, um anátema a mera existência de um sistema penal genocida como é o nosso, não se assuste, nem se engane: ele é reflexo de nosso modelo civilizatório tupiniquim, de capitalismo agrofinanceiro oligárquico-liberal, onde vale tudo, desde que o primeiro ponto de pauta da agenda política seja a discussão-manutenção dos interesses e privilégios de uma elite que a cada ano aumenta sua influência econômico-política, seus aparatos tecnológicos de perseguição, neutralização, repressão e estigmatização e, não obstante, desenha na grande mídia a literatura hipócrita que vai constar como registro histórico na consciência de inúmeras pessoas.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Poema sobre o encontro em Santarém


Por Pedro Martins

Nessa terra e nesse asfalto
nos rios e construções
somos um povo de tantas cores
uma história de tantos olhares
somos o que está passado
somos o que está futuro
somos gente, terra e água
arapiuns, jaraquis, tapajós
emaranhados em tipitis e taquaras
mundurucus, boraris
e quilombos em orquestra
anunciando direitos em trombetas
somos professores que nao dormem
estudantes sem professores
operários sem transporte
santarenos sem um pôr-do-sol
somos o presente gritando por vida
somos o que é e o que ainda está por vir

Participantes da reunião em ritmo de festa!
Poema escrito para a mística inicial da reunião da seção Pará do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), em Santarém, no campus da UFOPA, durante o V Festival de Direitos, em 27 de outubro de 2012.

sábado, 10 de novembro de 2012

Moção de comunidade no Rio de Janeiro contra remoções


Enviado por Rachel Barros para assessoriajuridicapopular@gmail.com

Contra as remoções arbitrárias!

Vila Amizade, não esquereceremos!

29/10/12

Moção de Repúdio às Remoções em Vila Amizade (Terreirão/Recreio dos Bandeirantes)

Nós, Coletivo Resistência Popular Zona Oeste, viemos a público repudiar as remoções ocorridas na comunidade Vila Amizade, localizada no Recreio dos Bandeirantes, e a consequente maceração do Direito Constitucional à Moradia.
O atentado aos Direitos Humanos se deu contra 14 famílias, aproximadamente 100 pessoas, moradoras de 20 casas. O fato aconteceu após o juiz responsável ter dado o veredicto favorável ao proprietário do terreno, em um processo que tramitava na justiça desde a ocupação do espaço na década de 80. O Deputado Estadual Domingos Brazão (PMDB) chegou a emitir, diretamente de seu gabinete, um ofício à LIGHT para exigir o desligamento do serviço e facilitar o processo de remoção dos lares que lá estavam há décadas.
Ora, é sabido que existe a construção de um empreendimento comercial em curso nos fundos do terreno onde foram derrubadas as casas, o que torna aquele espaço de grande valia para interesses da especulação imobiliária. O processo de expropriação que, como afirmamos, estava na justiça desde os anos 80, foi resolvido com tanta celeridade nos últimos dias que o repentino surgimento de tratores, oficiais de justiça e policiais militares na região causou desespero nos moradores.
Sem receber aviso prévio de 30 dias, em pouco menos de uma semana, após várias ameaças, as famílias esvaziaram os imóveis e procuraram refúgio na casa de amigos e familiares. Mesmo com a vigília de alguns, a luta tornou-se impossível quando o oficial de justiça conseguiu, junto ao juiz, a diminuição do prazo de demolição das casas para a última segunda-feira (29/10). O único direito que os moradores conseguiram foi o de um "aluguel social" provisório para que eles pudessem sobreviver até encontrar um novo lugar para viver.
Nós, do Coletivo Resistência Popular Zona Oeste, alinhados com o princípio dos Direitos Humanos, repudiamos, em primeiro lugar, a forma pela qual a prefeitura e o governo do Estado do Rio de Janeiro colocam-se ao lado dos barões da especulação imobiliária. Com essa postura política viram as costas ao povo, através da prática cotidiana de políticas de remoções, disseminadas pelas regiões de interesse econômico.


Repudiamos a violência atrelada a esse processo de remoção no qual a Vila Amizade é um entre diversos exemplos. Esse método leva o desespero e o desamparo a milhares de pessoas que construíram em um espaço seu lar, sua família, suas relações pessoais, suas histórias, seu afeto e seu trabalho.
Repudiamos, ainda, a forma desumana adotada pelo Estado, de constranger, ameaçar e expulsar as pessoas de suas casas para que elas perdessem seu direito de propriedade. Cortar a luz de moradores de uma região é uma truculência autoritária sobre, principalmente, uma população abandonada pelo poder político há tantos anos.
Diante de tal quadro calamitoso, exigimos:
 Que se cumpra a Lei Orgânica Municipal, Artigo 429, Inciso VI, que prevê o assentamento de famílias submetidas a processos de remoção na própria comunidade.
 A indenização de danos morais e materiais às mesmas famílias que tiveram seus direitos suprimidos para execução das determinações judiciárias.
 A fiscalização e embargo da obra do empreendimento comercial citado, pois há claros indícios que se trata de uma obra ilegal. O endereço é: Rua HW, no 250, Vila Amizade, Terreirão, Recreio.
Deste modo, nós do Coletivo Resistência Popular Zona Oeste colocamo-nos solidários ao sofrimento e à luta dos moradores da Comunidade Vila Amizade e contra a política de "fato consumado" e os crimes que ignoram os Direitos Humanos afirmados e reafirmados pelos poderes municipais e estaduais do Rio de Janeiro.
Certos das providências cabíveis. Seguiremos atentos.
Atenciosamente,
Coletivo Resistência Popular Zona Oeste (Recreio, Vargens, Barra da Tijuca e Jacarepaguá)
Para maiores detalhes: www.somostodosintelectuais.wordpress.com / coletivozonaoeste@gmail.com