quarta-feira, 31 de março de 2010

Entre coronéis e pistoleiros: um ano sem Manoel Mattos

Coluna de Ana Lia Almeida

Há mais de um ano atrás, mais um caso de violência e impunidade chocou o Nordeste:  Manoel Mattos, 40 anos, advogado, dirigente do Partido dos Trabalhadores em Pernambuco, foi assassinado com tiros à queima roupa no litoral da Paraíba (24/01/2009), durante uma confraternização de amigos em Pitimbu – Praia Azul.
Seu assassinato está ligado a represálias em função de sua militância no enfrentamento aos grupos de extermínio na fronteira entre os estados da Paraíba e Pernambuco, na região nordeste do Brasil. A dificuldade na punição destes bandidos atesta a fragilidade da democracia e falência de funções importantes do Estado em nosso país, como a Justiça.

Algumas iniciativas por parte do Estado, a partir da mobilização da sociedade, fizeram com que fossem instauradas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em âmbito nacional e estadual para apurar, entre outras, as freqüentes ações ligadas a grupos de extermínio. O caso também chegou à Comissão Interamericana de dh (OEA), sendo concedida proteção a Manoel Mattos no ano de 2003.
Tais bandidos agem na divisa destes estados, mais intensamente nos municípios de Juripiranga-PB, Alhandra-PB, Caporaã-PB, Pedra de Fogo-Pb e Itambé- Pe, Goiana-PE e Timbaúba-PE. Têm como foco o extermínio de meninos de rua, supostos marginais, homossexuais e trabalhadores rurais. Há indícios de que esses grupos sejam patrocinados por comerciantes da cidade, com a conivência e inclusive participação de algumas autoridades policiais e judiciárias locais na execução de tais crimes.
Ações como esta são justificadas em nome de uma mentalidade facista que concebe estes criminosos como defensores da sociedade e responsáveis por uma espécie de "limpeza" social. A fronteira entre os estados, no contexto, é um fator de impunidade, já que os crimes são cometidos na jurisdição de um estado, e os corpos são jogados no outro, dificultando a atuação  das autoridades por questões de competência de investigação.
O envolvimento de Manoel Mattos com a questão se deu porque ele era um advogado articulado com coletivos de defesa de direitos humanos, cuja atuação começou a enfrentar as ações criminosas. Em 2000, foi eleito o vereador mais votado no município de Itambé-Pe, cidade bastante atingida pela atuação dos grupos de extermínio. Seu mandato investigou e denunciou publicamente com afinco tais crimes, denunciando os “justiceiros” que atuavam na região, sofrendo, por causa disso, atentados e ameaças que culminaram no seu assassinato.

As entidades mobilizadas diretamente no caso (Dignitatis Assessoria Técnica Popular/PB, Justiça GlobalMovimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH -, A-Colher - Centro de Estudos e Ações em Direitos Humanos, Centro Dom Hélder Câmara – CENDHEC/PE), estão lutando para que o caso seja assumido pela Justiça Federal. A federalização está em discussão no Superior  Tribunal de Justiça há 4 meses. Isso evitaria a atuação exclusiva das autoridades locais, entendendo que o sistema de justiça local não está se empenhando de modo suficiente e eficaz no enfrentamento ao dramático problema.

Há mais de um ano foi Manoel Mattos. A Sra. Nair Ávila, sua mãe, foi perseguida quando voltava de uma audiência em Pedras de Fogo, necessitando da escolta da Polícia Militar para retornar em segurança à sua residência. É preciso que fiquemos atentos para que ninguém mais seja encurralado entre coronéis e pistoleiros.
  
Ler ainda:
Movimento Faculdade Interativa

domingo, 28 de março de 2010

O teatro e o ensino do direito (1)

Augusto Boal e as peças do direito

A assessoria jurídica popular significa uma nova proposta metodológica para o ensino do direito.
A arte, em suas mais diversas manifestações, é uma porta de entrada sem retorno para o assessor popular.
Aquele que se envolve em um projeto de assessoria com arte não poderá mais pensar o direito da mesma maneira.
O teatro é uma das ferramentas mais poderosas da educação popular, pois revela a realização da máxima "conquistar corações e mentes".

Augusto Boal, um dos grandes mestres do teatro popular brasileiro e mundial, traz uma frase fundamental para pensar a atividade de assessoria popular pela arte: "Todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou em praça pública para milhares de espectadores. Em qualquer lugar [.. ] até mesmo dentro dos teatros"

O ensino do direito formal está repleto de rituais de passagem e encenações. Para começar, trago alguns exemplos do cotidiano das faculdades de direito, e de conhecimento geral da nação: o trote, a aula expositiva, a vestimenta formal, a leitura da lei, a monitoria, a simulação do tribunal do júri, a prática no escritório modelo, o atendimento a clientes, a formatura.

Cada um deste exemplos desperta uma reflexão diferente. Ficarei com dois exemplo, os outros podemos debater nos comentários ou em outras postagens.

O trote é um ritual clássico, cada vez mais combatido, pela sua violência e ausência de significado. Afinal, o costume hoje não é algo muito diferente da origem deste ritual. Repetem-se experiências de constrangimento, difamação, e outras barbaridades. Aqueles que buscam ressignificá-lo são verdadeiros artistas.

A sala de aula do professor tradicional com o privilégio da aula expositiva não dialogada é uma encenação clássica. Alguns passam a faculdade toda vendo a mesma peça, o mesmo intérprete falador e os mesmos "espectadores". Estes sem ter a consciência que também participam da peça. O professor da aula expositiva não dialogada ensaiou seu discurso na década passada, ou até retrasada, e o repete desde então.

Em breve voltaremos com mais divagações sobre o teatro do ensino do direito, ou nunca mais.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Uno más para Nunca Más



"Uno más , para nunca más", a data de 24 de março é de uma importância histórica e simbólica para o povo argentino, pois relembra o "aniversário" do golpe militar linha dura de 1976- 1983, que dizimou uma geração, segundo dados de organizações de direitos humanos, de cerca de 30 mil, entre mortos e desaparecidos políticos. As "Madres de La Plaza de Mayo" traduzem a data, feriado nacional, como mais de três décadas de resistência vecendo a morte, ou seja, é o Dia Nacional pela Memória, os encontros deste organização em Buenos Aires, ainda na época ditatorial, em 1977, o simbolismo dos "pañuelos"no reclamo dos seus, fortaleceram a lutas contra o sistema repressivo, através da denúncia das violações sistemáticas de direitos humanos.

Mais que uma data simbólica dentro do processo participativo de reconstrução do passado histórico, pelo qual esse país vizinho passa desde 1998 com as primeiras decisões de derrocada de Leis ( a da Obediência Devida e do Ponto Final);o 24 de março é a conquista da resistência, da pressão popular por justiça e reconstituição da "história oficial"pelos povos, não somente no que se refere à época ditatorial, mas sim que abarca aos oprimidos como um todo, demonstrado pelo impulso que as ações dos movimentos de direitos humanos desenvolvem hoje em todo o país, com universidades populares, ações de tomadas de decisões e práticas libertárias.

Além de ser um alento para os povos que ainda lutam ao menos para o início deste processo, como nós brasileiros, que queremos uma Comissão da Verdade, como os povos originários Mapuches chilenos que lutam contra o estigma de "terroristas"e a perseguição política do Governo do Chile, sem esquecer do povo Mexicano, tão desconhecido aqui mais ao sul, mas que também clama por uma democracia efetiva.

Contudo, nada melhor do que poesia para comemorar os feitos da resistência e alentar os sonhos de que nossas sociedades realmente tenham uma cultura de promoção e educação em direitos humanos, através da silhueta deste movimento que em tanto contribui para lutas transversais.

"Aqui hay las Madres
Madres de cádaveres en las sanjas
Madres de cuerpos chertos gritando bajo la lluvia
o quemados de fuego
pero todos fatalmente desonrados


Madres del espanto ante cadáveres amenazados
Madres de la agonia dividida entre el ódio y el horror
Madres que nos duelen
a los que aún tenemos sangre.

Aqui hay las madres
Madres de cadáveres no identificados
Madres de la valentía y el ejemplo
aferradas por manos adelante a espera de una respuesta
girando obstidamente el calvário de la plaza...

Madres que han perdido la armonía
Madres de los escalofrios nocturnos,
temblando, siempre
esperando a sus hijos,
aún por allá...
Madres trágicas...por el amor e el dolor, justificadas."

( Aqui hay las Madres, Cuarteto Zupay)
Para maiores informações, http://www.madres.org.ar/
http://www.hijos.org.ar/

segunda-feira, 22 de março de 2010

Mais sobre o dia da mulher e o feminismo

Antes do perfume
de Ana Lia Almeida

As perfumarias anunciam, com suas promoções, que o dia da mulher está chegando. Que bom! É o dia em que muitos se esquecem de que somos vendidas o tempo todo como produtos e se esforçam em vender produtos para nós.

Estão lá na novela e no programa do domingo, as moças bonitas que levantam a audiência com seus corpos nus. Estão também na propaganda da cerveja, tentando nos exigir que bebamos à vontade sem ter nenhuma barriguinha. Já as com cara de certinha estão vendendo cuscuz e máquinas de lavar roupa, ótimas donas de casa. Todas absolutamente transformadas em coisas, assujeitadas.
Os produtores e consumidores destas mulheres negam a história do oito de março. Há cento e cinqüenta e três anos atrás, operárias americanas da indústria têxtil organizaram uma paralisação exigindo redução da jornada de trabalho de dezesseis para dez horas. Resultado: morreram carbonizadas por seus patrões, que simplesmente fecharam a fábrica e atearam fogo, em represália aos protestos.
Em reconhecimento à luta contra a opressão que estas mulheres vivenciavam, e que nós ainda vivenciamos em todas as esferas da vida além da do trabalho, foi criado o Dia Internacional da Mulher. Não é um dia bonitinho, feito para se ganhar um perfume. É uma data de muita luta, ainda que essa perspectiva às vezes pareça distante.

Isso porque a condição de ser feminista não é tão natural quanto a condição de ser mulher. Exige a percepção das relações desiguais e injustas travadas entre homens e mulheres, e a vontade de construir outra história. Sou feminista porque desde criança lembro de me indignar com a divisão das tarefas domésticas. Porque sou solidária com as mulheres violentadas pelos homens de sua família. Porque tenho uma filha a quem ensinarei a ser feminista também. Sou feminista porque quero um mundo melhor e tenho “a estranha mania de ter fé na vida”.
Antes das flores, do perfume ou do presente qualquer que você receba ou dê nesse próximo oito de março, pense no significado político desse dia. Pense nas suas relações dentro de casa, em que medida você anda lavando os pratos e decidindo os rumos da sua família. Pense no seu trabalho, como as mulheres são tratadas e que cargos ocupam. Pense no esforço quase sobre-humano de ser mãe, e como  as funções que esse papel acarreta podem ser compartilhadas.
Só então passe o seu melhor perfume, companheira, e vá para a rua protestar por um mundo com igualdade de gênero.

Ler ainda:
Poema "Todas as mulheres"
Comentário sobre o "Dia internacional da mulher"
Postagem "E a luta das mulheres?"

quinta-feira, 18 de março de 2010

Programa Nacional de Direitos Humanos




Colegas de assessoria jurídica popular.

Em dezembro de 2009, foi lançado pelo Governo Federal o PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - PNDH III. Em um fenômeno bastante comum hoje em dia, sem que ninguém conhecesse bem o processo de construção e menos ainda o conteúdo do PNDH-III, a imprensa "caiu de pau", criando uma imensa cortina de fumaça em torno de um plano que é fruto de um processo democrático de construção, que envolveu uma enormidade de movimentos sociais em sua elaboração e que traz como proposta central a transversalidade do compromisso com os Direitos Humanos em todas as ações desenvolvidas pelo Governo Federal. Para se ter uma idéia da abrangência do plano, 31 Ministérios assinam a exposição de motivos do decreto presidencial que adota o Programa. Infelizmente, sem que ninguém lesse a íntegra do documento ele foi reduzido a pó por uma imprensa descomprometida tanto com a informação de qualidade quanto com os próprios fatos.

De fato, participaram da elaboração do plano, membros dos poderes públicos; representantes dos movimentos de mulheres,defensores dos direitos da criança e do adolescente, pessoas portadoras de deficiência, pessoas negras e quilombolas, militantes da diversidade sexual, pessoas idosas, movimentos ambientalisas, movimentos e pessoas sem-terra e sem-teto, representantes de populações indígenas, comunidades de terreiro, ciganos e as populações ribeirinhas da Amazônia.

Pensando no espírito crítico dos seguidores deste blog, pensei em compartilhar aqui um vídeo que foi postado no youtube com uma palestra do Ministro Paulo Vannuchi, expondo o histórico do PNDH e desfazendo os muitos equívocos propagados pela imprensa na divulgaçaõ do conteúdo do Plano. Este debate está armazenado na íntegra no site "VIATV - Comunicação e Cultura" no seguinte link:
http://www.youtube.com/viatv1#p/u/1/_oijKRbLM64

Para assistir ao debate, são 7 entradas, cada uma com mais ou menos 8 minutos... prá vocês sentirem um gostinho, todavia, incluo aqui a primeira entrada, que contém a apresentação deste debate feita pelo Nabil Bonduki, um dos coordenadores da "Casa da Cidade" que sediou o evento no dia 22/02/2010.

Espero que seja um bom instrumento de debate para tod@s nós.

Um abraço,
Betânia Alfonsin



segunda-feira, 15 de março de 2010

Coluna Alfonsin & Cechin

A coluna de Jacques Alfonsin e Antonio Cechin traz o artigo "A campanha da fraternidade ecumênica 2010 e o componente econômico-político da fé".

Trata-se de comentário sobre a Campanha da Fraternidade deste ano, "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro", que coloca na defensiva discípulos da economia capitalista.

A figura de Jesus Cristo como um preso político é abordada pelos autores para criticar a postura daqueles religiosos que insistem em ignorar as mensagens político-econômicas do evangelho dos cristãos.

A opinião de Alfonsin e Cechin nos faz refletir sobre a necessidade de debate da religião, ateísmo e outras concepções de crença ou não crença presentes nos espaços de esquerda, principalmente na assessoria jurídica popular.

O debate está lançado, qual a opinião d@ leitor@?

sábado, 13 de março de 2010

Um novo direito internacional desde a América Latina


Olá a tod@s da AJP!

Mês passado um dos debates que foram levantados neste blogue insurgente tratava das contradições geradas pela relação entre Revolução e Direito, a partir do processo que ocorre na Bolívia, dando azo ao que já se chama de "novo constitucionalismo latino-americano".

Seguindo os rastros destas contradições, é impossível deixar registrar nota sobre um importante evento ocorrido no final do mês passado, no paradisíaco balneário de Cancún, no México. Trata-se do evento que ensejou a criação, no já histórico dia 23/02/2010, da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

A CELAC reúne todos os países do continente americano, menos Canadá e Estados Unidos (também Honduras ficou inicialmente de fora, pois rejeitou-se o governo impostor hondurenho, porém reconheceu-se desde já a pertença do povo hondurenho à nova organização). Seu objetivo é, "simplesmente", ser o substituto da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Os motivos para tão drástica medida parecem incompreensíveis para os mais desavisados, inclusive (talvez principalmente) entre os juristas e estudantes de Direito que, em sua maioria, se preocupam apenas com o "direito posto" e a apologia ao "direito realmente existente", sem compreender as condições históricas, sociais e políticas que permeiam a produção e reprodução do Direito. Porém, para aqueles que compreendem o papel historicamente cumprido pela OEA desde o contexto geopolítico do pós-guerra até as recentes crises em Honduras, e, agora, na Argentina, percebem que este organismo internacional (e suas tão festejadas Corte e Comissão de Direitos Humanos) sempre foi um instrumento político em favor da dominação dos povos da América Latina.

Vale a pena conferir o editorial que o Jornal Brasil de Fato dedica a este histórico encontro, no qual, finalmente, "Bolívar derrotou Monroe". Lá, há um breve histórico dos "bons serviços" prestados pela OEA ao longo de todos estes anos:
- sua criação promovida pelos EUA num contexto de luta pela dominação da América Latina e contra o avanço do "espectro comunista";
- a expulsão de Cuba, não por ter feito uma revolução "violenta", mas por ter, dois anos depois, se declarado um país socialista (!);
- sua atuação ambivalente e legitimadora dos diversos golpes militares ocorridos no continente "em favor da democracia e da liberdade";
- a coexistência de sua concepção (liberal) de direitos humanos com a implantação do neoliberalismo na América Latina;
- o fato de ter sido o primeiro "sujeito de direito internacional" a reconhecer como legítimo o golpe (depois malfadado) na Venezuela em 2002;
- o silêncio diante do reativamento da 4ª Frota da Marinha estadunidense;
- seus esforços em prol do reconhecimento, pela comunidade internacional, da legitimidade do golpe ocorrido em Honduras;
- na atual nova crise das Malvinas, sem afirmar o direito do povo argentino à soberania sobre aquelas ilhas tomadas de assalto pelos britânicos.

Nao à toa, portanto, os países latinoamericanos começam a construir mecanismos nos quais sejam menos submetidos às pressões e influências do "grande irmão do norte", e isso em pleno processo de redefinição da geopolítica mundial pós-(pós?)crise capitalista. Realmente, como diz Hobsbawm, vivemos hoje tempos interessantes...

O passo seguinte da CELAC será dado em 2011, em Caracas, na Venezuela, onde os termos dessa nova organização deverão ser estabelecidos. E nós, da Assessoria Jurídica Popular, temos não apenas que acompanhar os debates que seguirão nesta nova organização, mas também participar ativamente desse processo, especialmente na construção de um novo sistema latino-americano de direitos humanos.

Vemos, portanto, que nasce também um novo direito internacional desde a América Latina. Cabe saber se vamos continuar nos adaptando e reproduzindo servilmente as concepções e os modelos liberais-eurocêntricos de direitos humanos, ou se vamos, juntamente com o povo latinoamericano, construir um novo e autêntico modelo, pensado desde a nossa realidade, desde a América Latina, desde o Outro, que também somos nós!

O desafio está lançado!

Notícias do Norte !

O mês de março se iniciou em ritmo de comemoração para os Núcleos de Assessoria Jurídica Universitária Popular do Pará. Após passar pelos emaranhados processos burocráticos junto ao Instituto de Ciências Jurídicas e a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA), o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Aldeia Kayapó (NAJUPAK) bem como seu irmão gêmeo, o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Isa Cunha, foram contemplados com quatro bolsas de extensão, através do edital PIBEX/UFPA 2010, para desenvolver as atividades ao longo deste ano.

No que se refere ao Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Isa Cunha, o Programa de Trabalho submetido a Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, conta com a previsão de realização de projetos relacionados com Assessoria Jurídica Popular e o Direito à Saúde, além da colaboração junto a rede que articula o Estágio Interdisciplinar de Vivência (EIV) no Estado do Pará.

Quanto ao Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Aldeia Kayapó, em meio ao processo de transição que vive atualmente, sua atuação em 2010, prevê o desenvolvimento do Projeto Juventude Cidadã, que se refere a educação popular em direitos humanos em escolas da rede pública de Belém, com especial foco na questão da violência e em parceria com o Núcleo de Educação Popular Paulo Freire da Universidade do Estado do Pará; ademais do Projeto ANEM o qual se propõe a demarcar a presença do NAJUPAK na UFPA através de um ciclo de debates literários sobre Arte e Ciência.

É importante frisar que, não obstante as críticas produzidas sobre as formas de financiamento dos projetos, a concessão de bolsas neste caso implica em um reconhecimento das AJPs junto a Universidade uma vez que tal auxílio é objetivado a quatro anos consecutivos, aprofundando o processo de institucionalização dos Núcleos e galgando, portanto, um espaço legítimo de crítica e transformação dos pilares educacionais baseado nas premissas da AJUP.

Nesse sentido, a abertura da UFPA a tais práticas também se mostra pela concessão de bolsas de extensão ao Programa de Extensão Centro de Assessoria Jurídica Popular do Campus de Marabá, que está timidamente iniciando diálogos com os NAJUPs de Belém e em consequência, com a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária.

É a Assessoria Jurídica Popular crescendo na Amazônia!


segunda-feira, 8 de março de 2010

Poema "Todas as mulheres"

Apresento a todas e todos um poema que escrevi nesta manhã em homenagem a "Todas as mulheres":

Vou cantar a mulher cultura
sua música e dança e poesia
Que é frevo, jongo, samba, maxixe
Quero dedicar noite e dia pra sambar contigo

Vou ofertar à mulher Maria e Iemanjá
Todas as rezas, rituais, magias
Que é missa e candomblé e maracá
Quero acender incensos e velas contigo

Vou beijar a mulher Brasil e América
Sua face índia e negra e branca e mulata
Que é amor, ternura, sem fim
Quando chegar meu abraço pra te homenagear
Por este dia junto a todas as mulheres do mundo!

Dia internacional da mulher

Escolhi essa música para postar no Dia Internacional da Mulher, porque ela representa uma boa síntese do papel que a mulher desempenha e sempre desempenhou no mundo, desde os remotos tempos bíblicos: o ser provocador. Além disso, a música também vem trazendo algumas das idéias defendidas neste blogue e que lá são apontadas por um eu-lírico feminino. É uma letra forte.

Mas a música é para todos os gêneros. Espero que gostem:
CAPIM DO VALE
(Sivuca e Paulinho Tapajós- Elba no vocal)

Lava esse cheiro de erva
Pimenta e capim do vale
Lava esse cheiro de erva
Pimenta e capim do vale
Lava o suor da colheita
E aceita que eu te agasalhe

Larga a madeira na estrada
E larga essa faca de entalhe
Larga a madeira na estrada
E larga essa faca de entalhe
Larga o patrão na picada
E aceita que eu te agasalhe
Larga o patrão na picada
E aceita que eu te agasalhe

Sempre há de haver algum trigo
E da terra algum pedaço
Guarda a tua mão pra um amigo
Que não vai querer teu braço
Guarda a tua mão pra um amigo
Que não vai querer teu braço

Deixa o dinheiro mal pago
E mande que ele trabalhe
Deixa o dinheiro mal pago
E mande que ele trabalhe
Enquanto você toma um trago
E aceita que eu te agasalhe
Enquanto você toma um trago
E aceita que eu te agasalhe
Deita teu corpo em meu ventre
Que eu guardo a tua semente
Deita teu corpo em meu ventre
Que eu guardo a tua semente
Ninguém carrega a colheita
Dos frutos que são da gente
Ninguém carrega a colheita

Dos frutos que são da gente

http://letras.terra.com.br/elba-ramalho/250649/

domingo, 7 de março de 2010

Assessoria Jurídica Popular na Vila do Chocolatão em Porto Alegre


A partir de agosto de 2009 o Grupo de Assessoria Jurídica Universitária Popular - GAJUP – iniciou os contatos na Vila do Chocolatão, situada no centro de Porto Alegre, passando a realizar um trabalho de assessoria jurídica na comunidade. Com freqüência semanal, o grupo vem acompanhando a movimentação política entre seus moradores sobretudo no que tange à possibilidades de geração de renda e a pressão sofrida para que sejam realocados em outra região da cidade.

A Vila do Chocolatão é peculiar desde o início pela sua localização: um terreno entre os principais e imponentes prédios do poder judiciário da capital gaúcha, gerando imagens de grande contraste visual. Devido a essa condição, a vila é bastante visada pela mídia, por vezes sendo notícias de incêndios causados pela dificuldade no acesso à energia elétrica. Não podendo ignorar sua existência, boa parcela da população é favorável à realocação da comunidade, que está instalada no local desde os anos 80 – também como aluno do curso de Direito da UFRGS, já presenciei por parte de professores em sala de aula referências à vila, no sentido dos perigos e desconfortos que ela traz aos juízes e desembargadores, os quais trabalham ao lado das casas destas pessoas.

Com cerca de 200 famílias, seus moradores são em sua grande maioria catadores de papel, em geral com pontos fixos no centro de Porto Alegre. A enorme pressão política para realocação da vila desconsidera que o trabalho destas pessoas não é possível fora desta região, restando poucas alternativas para renda em uma localização distante, as quais não são oferecidas. Por estar em uma área federal, contudo, a regularização fundiária torna-se complexa, somadas as dificuldades aos interesses particulares na situação.

Diante deste cenário, nos dispomos com a metodologia da assessoria a uma inserção na comunidade, observando algumas das possibilidades existentes no processo: auxiliar na criação de uma cooperativa de reciclagem na Vila para a geração de renda da comunidade; analisar o projeto arquitetônico sugerido para a comunidade (em uma região da Avenida Protásio Alves) e qual a posição da comunidade sobre a proposição – que se mostrou altamente comprometido com uma lógica excludente; fazer a aproximação das lideranças comunitárias para atuação em conjunto, com contato próximo da associação de moradores; lutar pela efetivação dos direitos sociais na comunidade, que abriga as classes econômicas mais baixas da sociedade.

Para esta ação social, o grupo procurou se qualificar teoricamente e parte de uma perspectiva interdisciplinar, reunindo estudantes de outros cursos e intentando a criação de redes para atuação, no que foram feitos contatos com professores de psicologia e arquitetura, por exemplo. Também contato com o Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável – MNCR – para aprofundamento político e técnico para as práticas de reciclagem de lixo. Interações com outras áreas também foram pautas para a atuação que ainda está se desenvolvendo.

Com apenas seis meses de interação, contudo, já se percebe que esta frente de atuação representa um grande nervo do sistema de exclusão na sociedade capitalista. Escancarando a realidade de desigualdade social em frente à Justiça oficial, a Vila, sem acesso à essa justiça, acaba por incomodar, causa desconforto a essas amarras sociais. O “plano” acaba por se retirar tudo o que essas pessoas possuem, sua casa e seu trabalho, para serem colocadas ainda mais à margem do sistema, restando poucas alternativas que não sejam a que levam a caminhos que alimentam a violência urbana e social.

Um dos começos da desigualdade social é aqui. E esta é uma das frentes que a assessoria jurídica popular pode e deve atuar, com vista a garantir a efetivação de uma Justiça que gostaria de estar vendo uma outra paisagem no horizonte, mas que não pode ignorar o mundo que realmente existe logo abaixo de si.

*Como integrante do GAJUP, tentarei manter atualizadas atividades desenvolvidas na comunidade aqui no Blog. Abraços aos amigos e amigas que contribuem com a assessoria ou que procuram realizar esta prática. Thiago Nunes.

sábado, 6 de março de 2010

"Monólogo" do Poeta do Povo e da Mocidade


Há coisa de um lustro, entrei em contato com um poema sensacional das letras nacionais. O poema se chamava "Monólogo" e era de José Guilherme de Araújo Jorge, um até então para mim desconhecido poeta acreano, muito lírico mas também contestador. Eram tempos em que eu trabalhava na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Paraná, fazendo comunicação e assessoria a uma associação de catadores de material reciclável na periferia de Curitiba. Em uma das atividades de educação popular, apareceu o poema, que me marcou profundamente e o qual gostaria de compartilhar com todos os leitores do blogue. Aproveito para divulgar a página construída em homenagem ao poeta, Araújo Jorge, que, além de bacharel em direito, foi um humanista e um socialista que lutou contra duas ditaduras - a estado-novista de 1937 e a militar-milagreira de 1964 -, e que apesar de poder ter suas contradições biográficas merece ser relembrado pelo vigor de sua pena e pela ampla popularidade de seus versos entre trabalhadores e jovens, dando origem inclusive à antonomásia: "o Poeta do Povo e da Mocidade". Eis o poema, retirado do livro "Estrela da terra", de 1947:


"Monólogo"

Meu filho,
se te dissesse que poderia haver um mundo de duas classes,
em que uns trabalham e outros não,
e os que trabalham. mendigam, e passam fome,
e os inúteis gozam e desperdiçam.

Se te dissesse que poderia haver um mundo
em que uns têm tudo: pão, remédio, crianças, futuro,
- já nasceram proprietários do futuro! -
e os outros não tem nada, nem mesmo meios para a luta,
a grande luta desigual.

Se te dissesse que nesse mundo
há homens de automóveis, tapetes, mulheres perfumadas,
e homens na chuva, ao relento, mulheres nas calçadas,
e aos primeiros não causam a menor impressão tal acontecimento
e os outros não se revoltam, - estendem apenas as mão vazias
- e exalam lamúrias.

Se te dissesse que a justiça e a fé são mercadorias inacessíveis
aos realmente necessitados:
e o direito é apenas a lei que manterá tal estado de coisas;
e há homens que jogam a riqueza pelo prazer de jogar
e outros que mereciam e morrem sem conquistá-la.

E se te dissesse que apesar de tudo esse mundo existe realmente
e vive, progride, e avança,
havias de me dizer: impossível, meu pai,
um tal mundo jamais poderia existir
nem poderia a vida afinal ser tão má!

Entretanto, meu filho, basta abrires teus olhos,
aí está, - parece incrível, não é? - mas aí está!



sexta-feira, 5 de março de 2010

Novo prazo para Revista da AATR




Fontes da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR) nos informaram que os editores da Revista da AATR prorrogaram o prazo para envio de contribuições.

O novo prazo é 5 de abril, conforme o blogue da AATR. A publicação está prevista para junho.







Confira a íntegra do edital.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Coluna da Ana Lia Almeida

Quanto riso, oh, quanta alegria!

Os confetes e as serpentinas mal começam a enfeitar as ruas fevereiras de 2010 e já sentimos todos uma incontrolável e merecida vontade de nos divertir. Isso nos faz pensar que o propósito maior da vida é mesmo a alegria, e o Carnaval um de seus maiores patronos. É tempo de frevo, maracatu, axé, samba, chuva, suor e cerveja... tempo de recolhimento espiritual para alguns, o que não deixa de ser uma legítima busca pela felicidade.

É tempo propício também para refletirmos sobre a forma como nos divertimos. O lazer é um direito humano, e assim o diz nossa Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º. Um direito dos mais valiosos e fundamentais, portanto. Contudo, o que vemos à nossa volta cotidianamente são tristes carnavais cujos foliões parecem dançar um ritmo padronizado de estranhamento de si e dos outros.

Por que as pessoas, de um modo geral, mesmo quando estão nos lugares construídos para a diversão, não parecem em nada estar se divertindo? Por que elas freqüentam bares onde mal podem conversar por causa da televisão ligada em máximo volume? Por que a maior parte da população simplesmente decidiu que divertido é ouvir pseudo-forrós com mulheres semi-nuas mexendo freneticamente os seus corpos-objetos?


O direito humano ao lazer me parece estar bastante mal exercido e compreendido em nossos dias. A diversão não pode ser vendida num pacote padronizado, como se as pessoas fossem iguais e, pior de tudo, igualmente banais. O estranhamento a que me referi diz respeito, por um lado, a uma incapacidade geral de perceber-se enquanto sujeito, com interesses próprios a serem descobertos e outros a serem cultivados. Por outro lado, tal estranhamento nos impede também de perceber as pessoas no que elas têm de particular em relação a si mesmas, o que é uma grande forma de desrespeitá-las.

Não tenho dúvida de que esse estranhamento, que viola nosso direito fundamental ao lazer, é mais uma parcela cruel da opressão do nosso mundo capitalista. Tem muita gente ganhando dinheiro com a nossa falta de diversão, cinicamente nos convencendo de que estão nos divertindo.
 
É assim que a indústria do entretenimento – e concordemos, “entreter-se” não tem sequer semanticamente o mesmo valor simbólico de “ser feliz” – faz filmes ruins em Hollywood para assistirmos, produz realyties shows para nos esquecermos de nossas próprias e banais vidas, nos faz decorar músicas pornográficas e/ou idiotas e sempre, sempre, ganha muito dinheiro às custas de nossa suposta diversão.

Assim, também, transformamos cada ano mais um pouco o Carnaval numa festa privada, cheia de camarotes e cordões de isolamento, de onde podemos fingir que somos felizes. O desafio é romper este ciclo e descobrir o que verdadeiramente nos diverte, as coisas que nos fazem felizes ao nosso modo. Pensemos nisso antes do Carnaval que se aproxima.

terça-feira, 2 de março de 2010

Participação democrática e assessoria estudantil

Companheiros e companheiras

Submeto ao crivo críptico d@s leitor@s deste blogue este artigo que foi publicado hoje pela Revista Sociologia Jurídica. O título do artigo é "Assessoria jurídica popular universitária e a formação de uma cultura política participativa no Brasil". Oportunidade em que reanalisei alguns dados empíricos trabalhados na minha monografia de especialização.

Resumo: Analisa-se considerações políticas de estudantes que atuam com movimentos sociais desenvolvendo atividades de educação popular e assessoria jurídica. O objetivo é verificar se a assessoria jurídica popular universitária (Ajup) atua com instrumentos de participação, institucionais ou não. Primeiramente, delimita-se um conceito de democracia participativa, a sua função pedagógica de ampliação dos espaços coletivos de decisão. No contexto latino-americano, faz-se uma avaliação do orçamento participativo brasileiro. A seguir, liga-se a educação política da prática da Ajup com a concepção de democracia participativa, analisando-se considerações de alguns estudantes da Rede Nacional de Assessoria Universitária (RENAJU). Verifica-se as possibilidades dessa contribuição para a formação de uma cultura política participativa.