Quem diria, um poema de um professor de direito. Parece que depois de Noel Delamare (pseudônimo de Roberto Lira Filho) o mundo jurídico se ressente de poetas/criadores para além de leguleios. Talvez, e com toda certeza, eu esteja sendo injusto. Os nobres bacharéis em direito são, todos, uns poetas. Mas, igualmente sem dúvida, a maioria absoluta são poetas beletristas. Depois de Delamare, nos ressentimos da poesia crítica, a única que pode florescer do asfalto jurídico - o resto são paralelepípedos, de formas angulosas, regulares e limitadas, além de cacofônicos ao menor sinal de um pedestre ou de um auto.
Sempre que se caminha no deserto, encontrar algo que não grãos de areias é a redenção. Mas não se trata de mero cáctus nem tampouco da decantada flor de cáctus. Se trata, realmente, de algo mais. Quiçá na romântica pretensão de que todos nós, bacharéis em direito que adoramos o lúdico, comecemos a nos esmerar na arte de produzir arte, sintetizar cultura, expelir o novo (ainda que a custa de pecados estéticos) ao invés de só citarmos Drumond; por isso e por aquilo - aquele algo mais - divulgo um inusitado poema de um jurista-sociólogo. Professor doutor, por sinal (e que, imagino, me repreenderá por aventar essa informação hierárquica). Um profissional, definitivamente, humano. Tenho por ele um grande respeito, apesar de o pouco tempo de convivência como seu colega em uma faculdade de direito. Nome: André Fiilipe Pereira Reid dos Santos. Profissão: sociólogo das profissões. Eis o poema, retirado de seu blogue pessoal (nominado, ironicamente, com as iniciais de seu próprio nome), o qual divulgo aqui:
(André Filipe Pereira Reid dos Santos)
O analfabeto é um fraco.
Ele não sabe ler?
O Pobre é um rude.
Ele não sabe ser?
E quem disse que os santos não?
E quem sabe ler e ser se não viver?
E se não olho bem firme,
Corro risco de achar que o invisível não existe,
Que não se vive,
Que é pura ilusão,
Que é tudo relativo.
Analfabetos, pobres e outros "fracassados"
Ainda vivem com força e poesia.
Ainda vivem com força a poesia.
Ainda sentem na carne cada dia.
Ainda vivem a vida dos santos.
Ainda morrem a morte dos santos.
Martirizados.
Mártires do lugar comum do consumismo:
Na vala comum da indiferença e invisibilidade.
Que os santos nos protejam da sapiência sem consciência,
Do sucesso a qualquer preço,
Da riqueza alienada
E da etiqueta forçada!
E que nos deixem livres!
Ah, quanta dor se ameniza nessa vida que se empilha e se equilibra!
E quanto ainda há por aprender!
O sujo é descartado pelo limpo.
E Olimpo se envergonha do que vê.
E você, vai fazer o quê?
Conferir o blogue Analfabetos, Fracos, Pobres, Rudes e Santos.
Da biblioteca "Poesia crítica do direito"
Da biblioteca "Poesia crítica do direito"
Mas que bela descoberta este blogue e este ser humano!
ResponderExcluirTá certo que já gastamos os nossos Drummonds, com suas orelhas de abano e sebosas páginas.
Mas já era hora que este grito poético tomasse conta novamente da crítica do direito.
Vida longa aos professores poetas, aos poetas sobretudo!
Saudações!
É um contentamento descobrir a poesia além "de náuseas, da coisa forense, do tabelião, do auto, do juiz, da quadrilha inteira da justiça de olhos vendados – uma lástima." [Monteiro Lobato]
ResponderExcluirNão acreditei quando vi a homenagem prestada pelo companheiro Ricardo. E como todo companheiro de jornada que se preza, apesar da pouca convivência, ele me conhece e sabe que eu dispensaria a referência ao título de doutor. Forte abraço aos demais companheiros de reflexão sobre o direito. É sempre motivador conhece-los e saber que estamos de braços dados, apesar das distâncias. Fiquei realmente muito feliz!
ResponderExcluirVida longa aos poetas do direito, que ousam sonhar com um outro direito. Um direito menor que nós mesmos e melhor do que tem sido feito. Um direito mais humano, mais próximo da realidade social. E vamos à luta!
Pois então! A sensibilidade do poema me impeliu a divulgá-lo. Ainda mais neste projeto transjurídica que é o blogue e que a figura do André Filipe tem tudo a ver com a mudança da Amazônia para a Mata de Araucárias do Luiz Otávio. O Luiz, aliás, tinha de conhecer a criação poética (tautologia etimológica, mas vá lá!) do André, mesmo porque é o grande idealizador disso que será, em breve, um grande movimento de juristas pela libertação!
ResponderExcluirAh, e aproveito para dar minhas boas-vindas à Luara, compartilhando com ela seu contentamento (que, creio, foi igual ao meu) e parabenizando pela lembrança das ferinas palavras do velho Lobato, importante pensador brasileiro na transição para um pensar autofágico (ainda que com suas reticências).
Apesar de andar meio ausente, não resisti em comentar em mais um momento lúdico do blogue.
ResponderExcluirParabéns pelo poema,André! Eu quase ouvi uma melodia saindo de seus versos. Pazello poderia cuidar dessa parte com o cavaquinho...
E meu trecho favorito: "E se não olho bem firme,/Corro risco de achar que o invisível não existe."
Xeruu