segunda-feira, 29 de junho de 2015

O tataraneto do ex-jurista de Bonn

Luiz Otávio Ribas
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Não poderia imaginar que um dia conheceria alguém da família de Marx.
Advogados e advogadas do mundo, uni-vos!
Já fazia alguns anos que eu entrevistava pessoas próximas ao advogado Miguel Pressburguer para conhecer mais sobre a proposta coletiva do direito insurgente. Na época eu tinha notícia notícia apenas do seu falecimento em 2008 e que tinha uma longa trajetória de luta pelo socialismo, que é maior do que suas posições contra a ditadura e a favor da democratização.
Mas na conversa com sua irmã, Margarida, ela revelou o parentesco da família com o ex-jurista de Bonn. A mãe dele, Henriet Pressburg, era provavelmente tia tataravó sua. Seu irmão nasceu na Hungria e veio morar e lutar por um Brasil liberto.
Liberto da ignorância do fascismo, que o obrigou a refugiar-se do outro lado do oceano. Liberto da iniquidade do militarismo subserviente ao imperialismo, que enfrentou com as armas da palavra e do fuzil. Liberto da pobreza e da falta de projetos nacionais para os camponeses, com quem lutou e advogou.
FONTE: Tortura nunca mais.
Miguel foi um Zapata da advocacia camponesa, um insurgente constitucionalista. Se o seu tataravô o conhecesse poderia ter dito:
"Ta aí, esse subversivo colocou o direito de ponta cabeça! Quem sabe não esteja aí uma das ferramentas para compreender o que é preciso fazer para que um dia aconteça a revolução brasileira?".


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Leia também:

Thomaz Miguel Pressburguer, presente!, de 11 de março de 2011.
Direito insurgente e pluralismo jurídico, de 11 de fevereiro de 2011.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Estudo de caso sobre promoção de direitos coletivos

Dois juristas populares profissionais exploram um caso de promoção de direitos coletivos com uma ação de reivindicação por um particular. Quais seriam os limites da ação técnica e política na assessoria jurídica popular? Trata-se de texto da coluna AJP na Universidade, que reúne os resultados da turma de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na Cidade de Goiás.

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Assessoria jurídica popular: um estudo de caso

Alessandra Rodrigues de Jesus
Natanael Santiago David

Cumpre inicialmente destacar que a assessoria jurídica popular propõe-se a um intenso diálogo com os movimentos sociais rumo a transformação da realidade social. Isto impõe aos juristas populares profissionais ou profanos desafios de múltipla ordem. Mencionaremos aqui a dimensão prática de um trabalho com vistas à promoção da Reforma Agrária, por meio de criação de mais um assentamento para trabalhadores rurais sem-terra.

Trata-se de um caso que, em princípio, nada tem que ver com a promoção de direitos coletivos. Mas, em função de uma densa articulação levada a cabo por juristas populares, aponta para benesses de ordem coletiva. O caso implica num trabalho técnico jurídico com uma Ação de Reivindicação que, uma vez exitosa, culminará na criação de um assentamento beneficiando uma coletividade razoável.

A ação reivindica o domínio de um imóvel que está em poder de uma empresa rural no Estado de Goiás, e que supostamente fora grilada. Puxando a cadeia dominial do imóvel chega-se à sua origem, que se deu em tese mediante fraude na procuração em que o legítimo proprietário passa poderes para um terceiro dispor da área. Tudo estaria em perfeita ordem, não fosse a procuração estar datada posteriormente ao óbito do outorgante, donde se poderá concluir no processo judicial pela flagrante grilagem de terra.

Hoje é um particular que figura no pólo ativo da ação. Não fosse o seu compromisso político com o MST em negociar a área com o INCRA, com vistas à constituição de um assentamento, em nada demandaria a atuação da assessoria jurídica popular. O desafio é tecer uma atuação técnica impecável para o sucesso da causa. Se exitosa esse particular poderá vender o imóvel em litígio ao INCRA para o fim já mencionado.

Pensamos que é aqui que entra o peculiar trabalho da assessoria jurídica popular. Com vistas à criação da necessária articulação técnico-jurídica e, sobretudo, política. Exigidas não só para o êxito da ação judicial mas, mormente, para a garantia do compromisso firmado pelo reivindicante em dispor o imóvel para a Reforma Agrária.


Apresenta-se uma correlação dialética entre fazer uso do direito posto e buscar a efetividade do direito não posto. Consigne-se que o reivindicante, descrente na atuação de outros advogados, procurou os acampados solicitando indicação de advogado do MST, oportunidade em que o pacto foi firmado.

Tal pacto não encontra amparo algum na ordem legal vigente. Contudo, dadas as circunstâncias nas quais foi engendrado é de bom grado apostar em sua efetiva execução. Esta, é claro, condicionada ao êxito da causa judicial.

Vislumbra-se uma prática informal, não-oficial, num espaço sociopolítico que tem sua razão de ser na necessidade material dos acampados de serem assentados. Abre-se espaço, ainda, para um particular também viabilizar seus interesses. Estes funcionando como “correia de transmissão” para a efetividade do direito dos oprimidos.

Estamos por descobrir qual teoria crítica do direito amolda-se ao caso que foi colocado. Parece-nos existir estreita relação ao que é preconizado pelo pluralismo jurídico e/ou pelo direito insurgente. Independente de divagação teórica, fato é que a militância na assessoria jurídica popular está sempre a nos aturdir com a complexidade que se revela diuturnamente pela realidade da luta e da vida dos oprimidos.


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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Carta das comunidades quilombolas de Barro Vermelho e Contente

Companheirxs, segue a Carta construída pelas Comunidades Quilombolas de Barro Vermelho e Contente, localizadas no município de Paulistana/PI em processo de resistência e conflito frente as violações de direitos humanos com a instalação da Ferrovia Transnordestina, inserida no PAC. O processo constituem violações de direitos em cadeia, desde a sonegação da consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais prevista na convenção 169 da OIT, bem como, invasão e perturbação da posse, destruição de cercas, barreiros e roças, indenizações irrisórias dentre outras. Solicitamos axs companheirxs das assessorias jurídicas populares, organizações políticas e entidades em defesa de direitos humanos que colaborem na divulgação desta carta que denuncia esse processo de ameaça ao saber e modo de vida quilombola. Contamos com o apoio dxs companheirxs. Att, Coletivo Antônia Flor - assessoria popular das Comunidades Quilombolas de Barro Vermelho e Contente.

Rodrigo Portela

FOTO: Racismo Ambiental

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CARTA ABERTA A SOCIEDADE BRASILEIRA ANTE AS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS PELA FERROVIA TRANSNORDESTINA

Recolhemos na mesma comunhão o trabalho, as lutas, o martírio do Povo Negro de todos os tempos e de todos os lugares. E invocamos sobre a caminhada, a presença amiga dos Santos, das Testemunhas, dos militantes, dos Artistas, e de todos os construtores anônimos da Esperança Negra”.
Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra em Missa dos Quilombos


Nós, Comunidades Quilombolas de Contente e Barro Vermelho, grupos de assessoria jurídica popular, grupos de pesquisas, grupos de extensão, outras organizações e pessoas abaixo assinadas, vimos publicamente manifestar repúdio e indignação, bem como intensificar as denúncias referentes à situação de violação de direitos deflagrada nas comunidades quilombolas de Contente e Barro Vermelho (Paulistana - Piauí) ante a implantação da ferrovia Transnordestina.

Vivenciamos, atualmente, um momento delicado no que se refere à proteção territorial e cultural das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas em nosso país. O curso de um projeto caracterizado como neodesenvolvimentista tem sido levado adiante, com grave desconsideração aos direitos já garantidos destas populações.

É nesse contexto que se insere a ferrovia Nova Transnordestina, obra prevista e financiada no âmbito do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal em parceria com os governos estaduais (Ceará, Piauí, Pernambuco). O desrespeito aos direitos das comunidades quilombolas iniciou-se na concepção do projeto e em seu licenciamento, dado que mesmo com a constatação da presença de comunidades Quilombolas no traçado da obra, não foi elaborado pela empresa, nem exigido pelo órgão ambiental licenciador (IBAMA) o planejamento e diálogo com as comunidades atingidas sobre os impactos da ferrovia, concedendo a licença prévia nº 311 em 23/03/2009 e logo depois a licença de instalação nº 638 em 05/08/2009. Diante da dimensão dos impactos de tal obra, todas as comunidades atingidas tinham o direito à informação e no caso das comunidades quilombolas, além disso, tinham o direito a Consulta Prévia, Livre e Informada, prevista no artigo 6° da Convenção 169, que determina a consulta aos povos e comunidades tradicionais interessados, “sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-las diretamente”.

A violação a tais direitos reverberou em uma sequência de outras violações já vivenciadas no cotidiano das cidades e comunidades mais próximas das obras, tais como deslocamentos forçados, indenizações com valores injustos e irrisórios, invasão e perturbação na posse e propriedade dos atingidos, perda de plantações, rachaduras nas moradias e benfeitorias, alteração e perda do patrimônio arqueológico, cultural e ambiental, destruição nos modos de criar, plantar e produzir, configurando, assim, uma violação ao direito à terra, ao trabalho e à soberania e segurança alimentar. Esse conjunto de violações caracteriza um processo de risco a existência das comunidades quilombolas.

Diante de tais fatos, as comunidades Contente e Barro Vermelho, desde o início vêm denunciando, reivindicando seus direitos, resistindo frente ao ataque ao seu modo de vida. Foram feitas denúncias à 6ª Câmara do MPF, que deram origem a inquéritos civis na Procuradoria da República dos Direitos do Cidadão e no MPF de Picos, bem como foi assinado um Termo de Compromisso entre Transnordestina Ltda e Fundação Cultural Palmares estabelecendo como critério de validação do Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAq) – documento necessário para a concessão da licença ambiental – a sua aprovação pelas comunidades atingidas (importante ressaltar que ao longo do traçado da ferrovia foram identificadas, pela própria TLSA, 14 comunidades quilombolas), em 2012, época em que a obra parou.

Entretanto, a licença ambiental de instalação 638 foi renovada em fevereiro de 2014, quando a Transnordestina ainda não havia começado sequer o diálogo com as comunidades sobre o PBAq (a data da primeira visita de apresentação deste é de junho de 2014, na qual a comunidade rejeitou a proposta e fez exigências, conforme documento da própria TLSA). Desde então as obras retornaram em vários trechos sem aprovação do PBAq pelas comunidades, e em relação as Comunidades de Barro Vermelho e Contente a reunião de validação (chamada assim nos documentos da própria TLSA) vem sendo marcada e desmarcada desde novembro de 2014, causando instabilidade e total descrença das comunidades na efetivação das medidas mitigatórias e compensatórias – que se referem a prejuízos causados há 4 anos e que não foram reparados!

Além disso, a informação fornecida se restringe a um documento de difícil compreensão e a uma cartilha sem a prestação de assessoria adequada, além de que a reunião prevê poucos momentos de fala da própria comunidade, existindo ainda a pressão de que nessa única reunião sejam acordados todos os problemas que a construção da ferrovia e de seu funcionamento causou e causarão às comunidades, o que pode gerar acordos sem a devida avaliação por parte da comunidade, destacando-se assim algumas das inumeráveis problemáticas existentes na maneira de condução e no formato dessa reunião. Diante desses vícios, constata-se que a reunião de validação do PBAq vem sendo promovida sob o signo da pressa e da pressão, e acreditamos que o formato atualmente proposto reforça o tratamento autoritário, verticalizado, violento e desrespeitoso destinados às comunidades de Contente e Barro vermelho em seus processos de participação, autonomia, e decisões coletivas.

É importante ressaltar que em nenhum momento esta reunião pode ser confundida com a Consulta Prévia prevista na Convenção 169 da OIT. A temporalidade e o avanço das obras não permitem considerar esta consulta como “prévia” e seu objeto é extremamente mais restrito que o da verdadeira Consulta Prévia, dado que as comunidades impactadas poderiam opinar sobre todos os aspectos do empreendimento, o que atualmente é impossível diante da materialidade e avanço das obras. Tampouco podemos concordar com o formato proposto, ao desconsiderar que a consulta prévia deve ser um processo participativo, informativo, e que a informação deste processo deva ser prévia, completa, independente e livre, sendo o princípio da boa fé norteador deste processo.

Atentamos ainda à situação peculiar de violência e intimidação vivenciada pelas comunidades de Contente no dia 08 de janeiro de 2015, dois dias antes da (última) data prevista para realização desta reunião de validação do PBAq, em que, a empreiteira responsável pela construção da ferrovia colocou suas máquinas e homens dentro do território quilombola, em clara sinalização do quão as obras avançaram sem respeitar os acordos feitos, bem como dispostos a descumprir leis e violar os territórios, os direitos e o bem-estar das comunidades. Esse intuito da TLSA só não se realizou por conta da resistência da comunidade de Contente, que se colocou no canteiro de obras e não permitiu o recomeço da construção da ferrovia em seu território.

Em episódios recentes, funcionários da TLSA pressionaram as comunidades a aceitarem o início das obras, com falas grosseiras por parte do engenheiro da empresa afirmando que a obra vai acontecer queira a comunidade ou não. As comunidades sentiram-se profundamente desrespeitadas nessa reunião, pois a pressão e grosseria chegaram ao nível de não deixar as pessoas falarem. A esta atitude da empresa, as comunidades responderam em reunião seguinte com carta de reivindicações e com a explanação das violações cometidas pela empresa e dos motivos de não aceitarem a volta das obras sem o cumprimento de toda a carta entregue. Ficou acordada nova reunião (em julho), com presença do MPF, Fundação Cultural Palmares, SEPPIR e INCRA, para a TLSA apresentar planos de ações para cumprimento das exigências. Por outro lado, a reunião de validação do PBAq não tem previsão para ser realizada, ao mesmo tempo em que a TLSA afirma a não necessidade da aprovação para seguir com a obra, violando as normativas sobre licenciamento ambiental e os direitos territoriais quilombolas. Além disso, todos os dias chegam notícias do avanço dos trilhos e do funcionamento da ferrovia, tanto no sentido Piauí, como no sentido.

O momento é crucial para o paradigma com o qual obras como essa são realizadas: o prosseguimento será uma legitimação da ação sem respeito às comunidades quilombolas e comunidades camponesas, será esvaziamento de direitos, processo que enfraquece a ordem democrática de direito para todos, a contrario sensu, o apoio a resistência é contribuir para o fortalecimento de grupos oprimidos que há muito pouco foram visibilizados pela Constituição e que, ainda assim, tem seus direitos sistematicamente esvaziados. Diante deste cenário, conclamamos a sociedade brasileira a se solidarizar, denunciar a grave situação de violação de direitos vivenciada pelas populações tradicionais e quilombolas atingidas pela Transnordestina e apoiar a luta e resistência de Contente e Barro Vermelho.
Assinam,
Comunidade Quilombola Barro Vermelho
Comunidade Quilombola Contente
Associação de Assessoria Técnica Popular em Direitos Humanos – Coletivo Antônia Flor
Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil da Uespi – Coraje
Centro de Assessoria Jurídica Popular de Teresina – Cajuína;
Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Cidadania - DiHuCI/UFPI
Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Comunitária Justiça e Atitude - NAJUC JA.
Comissão Pastoral da Terra – Piauí
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí – CEQOC

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Uma pensata a respeito da relação entre guerra e capitalismo

Hoje, na coluna AJP na Universidade, disponibilizamos uma “pensata” a respeito do que significa, em última instância, o modo de produção capitalista. O texto da paulista Verônica Costa de Albuquerque foi produzido originalmente para a disciplina de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na Cidade de Goiás.

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Capitalismo é guerra

Verônica Costa de Albuquerque
estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG) 

Guerras, elas acontecem há milênios. As primeiras guerras datam de antigas eras, como as guerras púnicas, depois, novas guerras no tempo dos povos egípcios e antigos romanos.

Ocorre que, nos vários sistemas societários, há sempre os mandatários, aqueles que decidem o destino de todo um povo, estes têm em suas mãos o poder e em nome desse poder decidem sobre a vida e morte de todo um povo. Mas têm em suas mãos o poder de ceifar a vida de milhões de pessoas humanas? Em nome de que e para quê?


Kal Marx conceituava essa sede desumana e sanguinária de tirar milhares de vidas inocentes e acumular capital à custa da exploração da força de trabalho de imperialismo; Rosa Luxemburgo já denominou de capitalismo; no Brasil, Darci Ribeiro chamou isso de máquina de moer gente, quando desenvolveu seus estudos sobre a formação do povo brasileiro e sua história sobre os sistemas vigentes no Brasil, a partir dos primórdios do processo de colonização. O fato é que todas estas nomenclaturas têm em comum um objetivo: o domínio da terra, território, suas riquezas naturais e da própria sociedade dos povos e extermínio de culturas, em diferentes formações societárias.

A forma mais usada para exercer este domínio é chamada de guerra, outros dizem conflitos. O que sempre resulta, de uma forma ou outra, no extermínio da vida humana, da vegetação, dos animais e suas diversidades e até deles próprios, os que dominam. Eles estão na condição de humanos, porém, fica sempre a pergunta ao final, que força é esta que se move sempre rumo à destruição de toda humanidade e do próprio planeta que é sua casa, seu hábitat natural?

segunda-feira, 15 de junho de 2015

O idiota sou eu

A sala de aula pode se tornar num campo de batalha, num divã, ou pior, num lugar para catarse.
Num debate sobre a tortura o estudante mais velho da turma justifica seu uso pela eficácia. Constato a divisão de opiniões polarizada quando emergem outras pérolas como "são profissionais altamente treinados pra isso". Eu já havia contado o que sei sobre o "uso moderado da força para fins confissão" nos EUA. Já tinha feito a piada sobre o Capitão Nascimento ser o Jack Bauer brasileiro, que resolvia tudo na porrada. Só cresciam os comentários sobre a possibilidade e até a necessidade do uso da tortura. Estava vivendo meu pior pesadelo. Um jovem professor idealista do combate à tortura desmoralizado pelo discurso da ordem militar.
Foi quando pensei sobre o porquê escolhi ser professor. O que eu pensava sobre profissão e vocação, e todo mundo que eu admirava por viver isto intensamente. Então comecei a divagar com o que lembrava das lições da professora Jeanine Philippi, sobre o conceito de idiota para Hannah Arendt. A cada frase que eu dizia repetia enfaticamente no final:
"- Idiota!".
Seria aquele que pensa que o mundo gira entorno do seu umbigo.
"- 'Fiz, porque recebi ordens'. Idiota!".
No final da aula, o estudante vencedor do debate, que há pouco me olhava com os olhos esbugalhados, aperta minha mão com um muito obrigado para nunca mais voltar.
Luiz Otávio Ribas, Rio de Janeiro, 27 abr 2015
Hannah Arendt bolada

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Direito insurgente e pluralismo jurídico na advocacia popular

Uma análise do Direito em relação ao povos indígenas aprofundando a multiculturalidade e a plurietnicidade é o objetivo deste texto. Importante reflexão para ser feita nesta semana, já que no dia 7 de junho de 1989 a OIT adotava a Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais. Rafael Modesto dos Santos é Bacharel em Direito na UFG e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário. Trata-se de texto da coluna AJP na Universidade, que reúne os resultados da turma de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na Cidade de Goiás.



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Direito insurgente e pluralismo jurídico: a relação do Direito natural indígena e a advocacia popular

Rafael Modesto dos Santos

A insurgência de um pluralismo jurídico após os processos constituintes, e a possibilidade de construção de novas tendências heterogêneas de direitos, vem ao encontro de questões de grande relevância social. Veja a realidade dos Povos Tradicionais, mais especificamente os Povos Indígenas do Brasil, e as suas relações de luta por direitos constitucionais e pela aplicabilidade dessa previsão fundamental depois de grandes conquistas, no período de 1987 a 1988.
A contento das relevantes conquistas dos Povos Indígenas na Constituinte e a efetivação de dois artigos, 231 e 232, na Constituição Federal de 1988, a abrangência desses direitos (tradição, cultura, crença, língua, território etc) ainda pende de avanço. A sua luta hoje não é pela efetivação desses direitos, tão somente, mas também pela sua manutenção. Visto a essência das forças conservadoras que vão de encontro aos direitos conquistados a custo de derramamentos históricos de sangue dos mais diferentes povos e etnias.

Acontece que na cruel realidade dessas minorias seus direitos estão longe de ter íntima relação com as tradições e culturas dos índios. Veja que há de fato uma complexidade social e uma vastidão de possíveis direitos a serem reconhecidos entre os Povos Tradicionais. Essa heterogeneidade que comporta uma gama de direitos é a essência de uma sociedade plural; ou da profundeza do direito insurgente; ou, se preferir, do pluralismo jurídico.
Cabendo à advocacia popular a luta pela efetivação dos direitos indígenas e,  ademais, a luta pela manutenção dos desses direitos ante as forças conservadoras. Cabe também a mesma luta à categoria de defensores de direitos humanos, pela construção do caminho para o reconhecimento estatal do direito plural e, mais, do Estado plural, multicultural e pluriétnico.
A assessoria aos índios é quinhoeira da luta pelo avanço do Estado enquanto multicultural e pluriétnico, e pela efetivação dos direitos como tais. Os exemplos de países latino-americanos como a Bolívia e Equador são demonstrações de que é possível o reconhecimento de um direito já existente. Porém, o Estado brasileiro teima em não reconhecer essa diversidade.
A advocacia popular se encontra nessa fenda histórica de não-reconhecimento e supressão de direitos das minorias. Os índios e suas mais variadas facetas de multi e pluriculturalidade são muitos povos e, por isso, muitas culturas, crenças, tradições e línguas diferentes. A advocacia popular tem o papel de contribuir com essa construção e elaboração de um direito insurgente, de um pluralismo que avança sobre o campo do direito e da justiça distributiva.

Destarte, a insurgência de uma faceta jurídica de caráter plural e multicultural é da essência de uma sociedade que de fato é plural. Apenas faltante para essa o reconhecimento dessa existência. Aí se encontra verdadeiro papel do jurista e da advocacia popular junto às minorias: sejam negros e quilombolas, LGBTS, desempregados, sem terras, índios e qualquer outra minoria que sofre com a brutalidade do Estado homogêneo e juridicamente engessado.

O direito insurgente que emana das forças de resistência das minorias é a essência da contribuição jurídica da advocacia popular. Se o direito nega direitos, a insurgência da multiculturalidade e da plurietnicidade pode ser o elemento para o debate na sociedade à caminho do reconhecimento do Estado enquanto multicultural e pluriétnico, como a forma mais real do direito essencialmente plural.

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Leia também:
Direito insurgente e pluralismo jurídico, Luiz Otávio Ribas, 6 out 2010
AJP/AJUP com povos indígenas?, Assis Oliveira, 9 fev. 2010
Direito e antropologia, Ricardo Pazello, 12 abr. 2011

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Pelo fim do feminicídio e da violência contra a mulher


A Coluna "Direito das Marias" hoje traz a contribuição da companheira Victoria Darling* sobre o debate do fim do feminicídio e da violência contra a mulher na Argentina. Essa semana milhares de mulheres argentinas marcharam ( "Ni una a menos"). O país registra a média de uma morte por feminicídio a cada 31 horas.  Precisamos avançar na América Latina pelo fim do machismo! Alerta, Alerta seu machista, a América Latina vai ser toda Feminista!!




La incomodidad del piropo callejero, la necesidad de correrse de lugar en el ómnibus, el cuidado de las partes íntimas en el metro, la televisión. Las publicidades de productos de limpieza, las ofertas de trabajo en casa por internet, los almanaques en los talleres de autos, las publicidades de cerveza. La broma sobre el gasto de dinero del marido, las películas y sus prototipos de adolescentes ingenuas hiper-sexualizadas, los programas de entretenimientos con escenografía de cuerpos semi-desnudos que bailan como telón de fondo destacando las palabras del –necesariamente hombre- conductor.
La mujer, su cuerpo y sentido del sujeto se han vuelto fetiche y aunque esto no es novedad en la sociedad contemporánea donde incluso las relaciones sociales son consideradas mercancía, algunas se están animando a decir “basta”.

Hasta el año 2012 en Argentina, una mujer era asesinada por un hombre cada 40 horas por el sólo hecho de ser mujer. En 2014, una mujer es asesinada por un hombre cada 30 horas. Las causas aducidas son múltiples, no obstante si analizamos cada caso, podremos dilucidar que la consideración de la mujer como mercancía virtualmente poseída por el hombre se destaca como motor.

Con la consigna de #ni una menos, miles de argentinxs se movilizaron el 3 de junio de 2015 en las plazas públicas de las ciudades más importantes del país para mostrar su rechazo a la violencia de género. Con el objetivo de poner fin a los feminicidios se recuperó la consigna surgida en Ciudad Juárez, Chihuahua, Mexico, donde los asesinatos de mujeres se volvieron noticia cotidiana desde el año 1993. Aquí como allá, la lucha de las mujeres fue adquiriendo fuerza e intensidad, en esta oportunidad, la movilización en Argentina logró el apoyo de organizaciones sociales y medios de comunicación independiente de Brasil, Uruguay y Colombia.

La convocatoria a la marcha partió de activistas, periodistas y artistas sensibilizadxs por la visibilización de casos de mujeres asesinadas por su condición de mujeres. Lo cierto es que si bien en Argentina existe desde 2010 un Plan de acción para la prevención, asistencia y erradicación de la violencia contra las mujeres, que forma parte de la Ley nro. 26.485 de Protección integral a las mujeres, la misma no fue reglamentada en su totalidad ni puesta en práctica en las provincias. Incluso uno de los principales problemas son los jueces/hombres, pocas veces orientados a la efectiva resolución de los casos. Hasta el día de hoy el feminicidio no se juzga por su especificidad, no se cuenta con un registro con datos estadísticos oficiales y las denuncias por violencia son menospreciadas. Se ha evidenciado que cuando una mujer denuncia en una comisaría al hombre que la golpea, la materialización de la protección es demorada y en casos de juicio, las órdenes de restricción no son cumplidas, colocando en mayor riesgo a las víctimas.

La movilización significó la visibilización de un “silencio a voces” que existe desde hace décadas. Las mujeres están animándose a decir YA BASTA y eso debe alcanzar no sólo una materialización jurídica sino también una radical transformación del sentido de la mujer como sujeto político que supera y desconstruye la sumisión y fetichización propia de los medios y la publicidad.

La próxima generación de mujeres será mucho más libre. #ni una menos permitió verlo y sentirlo. 





* Professora na Universidade da Integração Latino-Americana(UNILA) no curso de Ciências Políticas, militante popular.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O movimento geraizeiro e o direito

A coluna AJP na Universidade de hoje traz uma reflexão sobre a relação entre direito e movimentos sociais, mais especificamente entre uma visão alternativa de direito e o movimento geraizeiro, dentro do contexto dos povos e comunidades tradicionais brasileiros, tão ricos e diversos quanto pobre e formal é o fenômeno jurídico. O texto do mineiro Jonielson Ribeiro de Souza foi produzido originalmente para a disciplina de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na Cidade de Goiás, ministrada por Ricardo Prestes Pazello.

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O movimento geraizeiro: busca por alternatividade no Direito ou por um Direito Alternativo?

Jonielson Ribeiro de Souza
Militante do movimento geraizeiro em Minas Gerais, estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)

Segundo Roberto Lyra Filho, um crítico jurídico brasileiro, o Direito não deve se confundir com a lei, pois ele não é algo fixo, uma resposta pronta e acabada, mas um “vir a ser”. Este é um aspecto importantíssimo para entender a luta de diversos povos tradicionais brasileiros pela reapropriação de seus territórios, outrora os mesmos expropriados durante a colonização e ainda hoje. Através das leis hoje existentes, há um frágil respaldo no que tange à garantia também de sua sobrevivência étnica e física, levando vários desses povos a uma luta por alternativas jurídicas para suprir tal lacuna. Dentre estes povos cita-se os geraizeiros.

A Constituição Federal de 1988 avançou em vários aspectos no que tange à garantia dos direitos dos povos tradicionais, inclusive no que se refere à reapropriação de territórios tradicionalmente ocupados pelos mesmos. Porém, de forma específica e direta, cita apenas os povos quilombolas e indígenas, deixando em aberto a referência legal às outras populações tradicionais. A via do Movimento Geraizeiro – uma união de diversas comunidades geraizeiras da microrregião do Alto Rio Pardo (Norte de Minas Gerais) na luta pelo reconhecimento de seus territórios – tem sido a busca por um respaldo jurídico na garantia de proteção oferecida pela Constituição, mas também a de propor a criação de leis ou institutos que o façam a partir de sua particularidade como população tradicional específica.

Assim, percebe-se duas vertentes nesse movimento. Por um lado, há uso alternativo do Direito, entendendo tal expressão no sentido de que há o respeito às decisões já dadas, buscando, no caso, a efetivação das normas legais existentes. Mas também há o desenvolvimento de um Direito Alternativo. Este é de sentido mais amplo que o anterior, visto que se propõe a preencher lacunas do Direito posto, atender especificidades que o já existente não alcança, ou seja, criação de novos direitos. Esta inovação proposta pelo movimento geraizeiro, certamente necessária e presente em outras populações tradicionais, traz à tona a incompletude do Direito existente, e reafirma o entendimento de Lyra Filho, para o qual o meio jurídico só é compreensível num contexto de luta, denominado por ele de “dialética social do direito”.

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Leia também:

O direito do campo no campo do direito, por Aldinei Sebastião Dias Leão
Justiça e política capturadas pelo direito, por Ricardo Prestes Pazello