Defenda a Defensoria Pública!
por Priscilla Placha Sá, professora da UFPR e da PUCPR, membro do Núcleo de Direito Processual Penal do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR e advogada criminal no Paraná
Já se disse muito sobre o lugar que a Defensoria Pública tem no texto constitucional, e Constituição não é só texto: há ali princípios republicanos, cuja concepção vai muito além de qualquer disposição estética. Estes princípios são história, são o insight da democracia, constituem lugares e dão ensejo às marcas do projeto político que se quer ter em um país.
E é nesta Constituição que aparece a tal Defensoria Pública, aquela cujos contornos da coligação igualdade e liberdade não se fizeram sentir em ares paranaenses. E é preciso que se diga já, sem qualquer demérito aqueles bravios Advogados que hoje atuam lá na estrutura precária do Estado, ou nos Núcleos de Prática Jurídica, ou mesmo em ações isoladas, ou dentro de entidades, que não é qualquer Defensoria Pública que o Paraná quer ou merece.
A propósito das ações que se faz como se Defensoria Pública, mesmo lá na própria, é de dizer que (infelizmente, no colapso social que se vive, ante a completa negativa da implementação de direitos sociais para boa parte dos paranaenses) ainda é muito pouco.
Esta Defensoria Pública de que falamos hoje é uma Defensoria Pública como instituição, porque só como instituição é que se vai dialogar no mesmo degrau com os poderes públicos na defesa intransigente daqueles deserdados do pacto social; é ela quem vai atuar coletivamente em nome dos cidadãos; é ela quem vai diminuir a estarrecedora cifra de presos provisórios e de adolescentes apreendidos.
Não é preciso muito – se olhamos para qualquer instituição estabelecida – para dar conta da força que tem o seu lugar como instituição. Chego a me perguntar, mas não posso admitir que a resposta fosse: que há certo temor de uma instituição que se estruture tendo em conta a defesa e a assistência jurídica àqueles que se acostumaram a ficar nas filas para receber apenas migalhas de um Estado que não os reconhece, ou ao menos não os trata, como cidadãos.
Não é por outro motivo que a disposição constitucional estatuiu que as Defensorias Públicas têm que contar com estrutura administrativa, funcional e orçamentária própria, pois é ela quem vai dispor desta estrutura, fazer seu planejamento e dar os encaminhamentos legais e no âmbito dos poderes públicos. Aliás, como fazem exatamente o Ministério Público e o Poder Judiciário. Se a Defensoria Pública custa, não posso imaginar que o Poder Judiciário e o Ministério Público, sejam graciosos, sem nenhum demérito a quem quer que seja.
Muito se discute na história infeliz de uma não Defensoria que seu maior entrave é o orçamento. É só ver, por exemplo, o caloroso debate atual no Paraná; já se devendo esclarecer - e isso é de sabença de qualquer gestor público – que a instituição da carreira não implica já no dispêndio dos valores para instalá-la em sua completude.
Um Poder Executivo e um Poder Legislativo que tenham como prioridade o trato daqueles que não tem voz tampouco acessibilidade ao poder já teriam dado conta em suas contas, fosse ela uma efetiva prioridade de incluí-la nas “contas de chegar” do orçamento público.
O fato é que se conclui, que esta política trabalha com o bordão: dê importância para quem é importante.
Mas é de ressaltar que o custo da não implantação da Defensoria Pública será alto, e também deve ser lido como um alto custo político.
Quantos cargos, aumentos e outros não têm sido votados e encaminhados para a gestão e a inclusão no orçamento?
O que de fato não se pode negar é que a instituição e a estrutura são de todo importante.
Tomemos como exemplo o III Diagnóstico da Defensoria Pública, em que o Estado do Paraná não respondeu (pelo menos é o que consta da publicação oficial) a nenhuma pergunta sobre o orçamento: nem de onde vem atualmente as receitas, nem quais são os salários dos defensores, nem quanto custa manter a defensoria pública. Desconhecemos, parece, o princípio da transparência.
Todavia, em outros momentos é possível ver que vamos muito mal: há somente um único Defensor Público que atende aqui a Vara dos Adolescentes em Conflito com a Lei, e no período analisado (último semestre de 2009) atendeu (pasmem!) a 1.500 termos de apreensão; no mesmo período, o Rio de Janeiro que tem 108 Defensores Públicos apenas para esta área, atendeu 1.050 termos de apreensão.
Neste item duas coisas devem ser frisadas para ver o descalabro que aqui se estabelece: os 1500 devem ser unicamente de Curitiba, pois é sabido que não há estrutura no interior do Estado e mesmo que houvesse seria estranho imaginarmos (com toda a boa vontade do mundo) que ele fosse itinerante. Já no Rio de Janeiro, os 1050 termos são do Estado todo. A propósito de dizer que: no Estado do Paraná, segundo o mesmo Diagnóstico, são 106 pessoas, dentre servidores, defensores e estagiários no total aqui no Paraná. No Rio de Janeiro, em uma única área de atuação são 108.
A coisa começa cedo aqui para quem não é importante: tão logo o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado instalou-se a vara para punir os adolescentes em conflito com a lei (lá na década de 90), mas só há 4 anos é que se criou a Delegacia para apurar crimes contra os adolescentes.
O paradoxo é inevitável e dá conta de uma vocação repressiva inegável de um Estado que só aparece para a população economicamente carente em sua faceta policial.
Na mesma linha, estão as Delegacias de Polícia, que – pior dos que as masmorras da Idade Média (conhecidas de muitos, apenas dos livros de história do direito penal) – detem a maior população de presos provisórios do Brasil e isso em termos absolutos e em condições que são absolutamente degradantes.
São mais de 17.000 pessoas presas aguardando julgamento, em sua grande maioria homens entre 18 e 25 anos, primários, e autores de crimes patrimoniais sem violência. Quando não pela tal Lei Maria da Penha. Diga-se que, lá no Juizado de Violência Doméstica, há somente um Defensor Público, e eu não sei se ele atende à vítima da violência doméstica ou o autor do fato (?!).
Adolescente apreendido, adulto preso, ambos pertencem (se não forem pai e filho) a famílias completamente solapadas pela pobreza de um Estado seletivo que as enfileira nos hospitais, nas portas das escolas, e nos sem-fim ou nos confins dos serviços de assistência e assessoria jurídica gratuita. Essa mesma gente que tem seus parcos salários consumidos por despesas de sobrevivência, que vê seus avós terem suas aposentadorias arrebatadas “benevolentes” serviços de empréstimo.
Sem defesa, sem direitos.
É só dar uma volta aqui na XV mesmo, ou seguir até a Rodoviária Velha; um pouco mais longe chegamos ao Alto Maracanã, Jardim Simone, Vila Sandra, e vamos até o município de Cruz Machado, próximo à União da Vitória onde há elevado índice de cirrose hepática infantil. Se alguém está em dúvida, é exatamente por ingestão de bebida alcoólica, desde a gestação.
Infelizmente os altos dados que ostentamos em termos gerais do IDH são relativos, e amenizam-se pela vida boa que poucos levam, ou por critérios deveras questionáveis.
Não se trata de constranger Vossas Senhorias, mas de ressaltar a premente necessidade de instituir o lugar dentro do sistema político do Estado que tem por determinação constitucional a obrigação de exigir dos poderes públicos uma vida minimamente digna.
A perversidade de argumentos outros soa perversa, se não sádica, para esta gente que não quer ser vista por ninguém. A invisibilidade social é uma das marcas deletérias e vis que podemos destinar aos homens.
Esta gente toda não quer favor, nem caridade.
22 anos é uma vida ou muitas mortes!
São muitas ações prescritas, muitos direitos lesados, danos agora irreparáveis, gente despejada, gente que já se foi e os que aqui ficaram não tiveram como demandar por eles.
O vácuo do lugar destinado à Defensoria Pública não será ocupado por ninguém; somente ela pode erguer-se altiva – com autonomia administrativa, financeira e estrutural – estatuída nos moldes constitucionais.
Estas pessoas todas (as não importantes) têm vez e voz na vocação desta Universidade, cuja história se marca pela sua postura independente e consciente responsabilidade social.
E numa fala conjunta da Reitoria, na manifestação unânime do Conselho Universitário – órgão máximo desta entidade, da Faculdade de Direito, por seu Setorial, pela Pós-Graduação com o Núcleo de Direito Processual Penal, que cuidará do Observatório da Implantação da Defensoria Pública do Estado do Paraná, a Universidade Federal do Paraná conclama toda a comunidade paranaense, entidades, instituições de ensino, professores, acadêmicos, autoridades a apoiarem efetivamente a imediata implantação da Defensoria Pública, dando força a este Ato Público, cujo nome traduz aquilo que pensamos seja o mínimo para iniciarmos uma conversa que se pretenda democrática: DEFENDA A DEFENSORIA PÚBLICA!