terça-feira, 31 de maio de 2011

Vinte anos de Direito Alternativo: Balanço e perspectivas

O Prof. Edmundo Lima de Arruda Junior está organizando Congresso dos Vinte Anos de Direito Alternativo, em Florianópolis, de 26 a 29 de outubro de 2011, no Cesusc, com Conferências, painéis e oficinas. 

As atividades acontecerão todas dentro do Complexo de Ensino Superior de santa Catarina (Cesusc), situado na SC 401, km 10, St Antônio de Lisboa, Florianópolis, durante quatro dias (quarta a sábado), turnos diurno, vespertino e noturno.

Abaixo a íntegra da convocatória enviada pelo professor:
"A idéia básica do congresso é avaliar o MDA,  seu papel nesses XX anos, compreender suas origens, seu crescimento, suas potencialidades, as características desse movimento um tanto voluntarista em seus inícios, organizado por uma vanguarda de operadores do direito,  depois espontâneo  e em crescimento surpreendente entre profissionais práticos do direito.  Também  nas escolas de direito e centros de pós-graduação, entre professores e alunos, o MDA é tema de debates sobre os caminhos possíveis para a dogmática jurídica, em termos éticos e hermenêuticos.
Trata-se de encontro político, embora aberto o espaço para reflexões mais acadêmicas, necessárias para um aprofundamento de nosso movimento. Os temas passam por todas as dimensões dos direitos humanos, em particular com um foco especial na questão da eficácia (ou ineficácia) dos direitos fundamentais, ocasião privilegiada para  comparar experiências com representantes de todos os países presentes. Neste momento uma análise do mundo do trabalho atual e suas implicações para as lutas democráticas, e o papel das pugnas socialistas terão um destaque reflexivo.
Nas conferências teremos a reflexão conceitual mais ampla sobre a natureza do direito moderno nos dias atuais, de complexidade, riscos e intensa sofisticação dos conflitos  e controles sociais. 
Uma grande ênfase será dada aos painéis, nos quais os temas  são propostos pelos partícipes desde já, com uma esperada problematização de temas variados da atualidade,  violência e segurança, questões de gênero, papel dos operadores do direito e das instituições jurídicas (tomadas como intelectuais coletivos), lugar dos cursos jurídicos e do ensino do direito como fonte de direito, informação/tecnologia e democracia, pedofilia, células tronco. A questão da cotas (raciais ou sociais), o lugar do STF,  questões ambientais, bioética,  droradicção, sistema prisional, violência no trânsito, política homoafetiva, direito dos idosos, trabalho escravo e infantil, etc. 
Nos grupos de trabalho estarão abertos os espaço para questões propositivas, mas também para comunicações, teses, etc. Os alunos têm espaço garantido nesses grupos, devendo os trabalhos ser enviados por mail até 10 outubro.
Aguardamos com urgência seus temas, sugestão e nomes para outros, etc. Dentro de alguns dias, confirmados os nomes começaremos a enviar os convites formais para encaminhamentos burocráticos de financiamento junto as suas Instituições.
Abraço fraterno 
Edmundo Lima de  Arruda Jr".

Três colunistas deste blogue já inscreveram-se:
Painel: "Direito e marxismo: insurgência e antinormativismo"
Luiz Otávio Ribas - Professor do Unicuritiba/PR, mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela UFSC;
Moisés Alves Soares - Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela UFSC;
Ricardo Prestes Pazello - Professor da UFPR, mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela UFSC e doutorando em Direito das Relações Sociais pela UFPR.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Nossas Lutas e Conquistas

Artigo enviado pelos editores da página do MST.


A luta pela terra e por Reforma Agrária no Brasil, ao longo de cinco séculos, tem sido marcada por muita luta e resistência, que se intensificou nos últimos anos.
Há, de um lado, milhares de famílias Sem Terra que almejam conquistar um pedaço de chão para a sua sobrevivência. De outro, existe o latifúndio, defendendo sua posse a todo custo e impedindo o cumprimento da Constituição de 1988. Com isso, o campo brasileiro se tornou palco de conflitos quase que cotidianos.
Essa situação acontece somente por conta do modelo que controla a agricultura, baseado na grande propriedade, com utilização de pouca força de trabalho, com a mecanização intensa voltada à produção de monoculturas de alguns produtos para a exportação.
O resultado disso é uma imensa concentração de terras e de renda, excluindo os camponeses de suas terras e provocando o aumento da pobreza no campo. Além disso, cria o êxodo rural, tornando ainda mais complicada a vida nos territórios urbanos - desprovidos de infraestrutura para receber essas populações.
Nesse contexto, o MST vem tentando contribuir com essas famílias na luta por seu pedaço de chão. Por isso, somos atacados por setores conservadores e patrimonialistas da sociedade brasileira, que utilizam vários instrumentos para combater o nosso Movimento e todos aqueles que lutam pela Reforma Agrária. Perseguem quem luta pela plena realização dos direitos sociais garantidos na Constituição e por medidas de melhoria das condições de vida do povo brasileiro, como escola, saúde, trabalho e dignidade.
O presente documento pretende apresentar, de forma breve e objetiva, um panorama da luta pela Reforma Agrária e das conquistas e desafios do nosso Movimento desde sua origem.
Fazemos um panorama da luta pela terra na história do nosso país e da organização do MST. Apresentamos dados sobre a situação do campo, a concentração de terra, as demandas dos trabalhadores rurais Sem Terra e a reação dos latifundiários e do agronegócio.
Neste material, estão disponíveis informações e dados sobre as nossas conquistas, realizações, esforços e projetos nas áreas de educação e produção, além de textos que revelam o reconhecimento da sociedade ao MST, com prêmios e homenagens em nível nacional e internacional.
No capítulo dos anexos, estão as linhas gerais da nossa atuação, como o nosso programa agrário, os nossos desafios e os nossos compromissos com o desenvolvimento nacional, com justiça social e soberania popular.


Leia ainda:
MST: Lutas e conquistas

Estudos em homenagem a Roberto Lyra Filho, em Franca

A Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e o Programa de Pós-Graduação em Direito da UNESP-Franca realizam, entre 9 e 10 de junho próximos, o evento Estudos em homenagem a Roberto Lyra Filho, em reconhecimento necessário à obra do grande jurista crítico brasileiro. Neste 2011, completar-se-ão 25 anos de seu falecimento, no dia 11 de junho.

domingo, 29 de maio de 2011

A vida nua concreta e a autoconsciência latino-americana: reflexão a partir de um poema de resistência

Há momentos em que o melhor é calar-se. Não se calar por não ter nada a dizer, mas porque faltam palavras para se dizer o indizível do dia-a-dia. Às vezes, falta inspiração; por outras, faltam forças. O indivíduo, em sua solidão costumeira, consegue tão-somente superar-se. Superar seu entorno é tarefa impossível. E o que fazer quando queremos transformar o mundo, recriá-lo, fazer caber todos? A solidão, o indivíduo, não são as respostas certas.

Os últimos acontecimentos têm evidenciado, de alguma maneira, isto. E daí me vir à cabeça a concretude da relação resfolegante vida-morte para nós. As mais recentes postagens de Phelipe Bezerra Braga demonstram-no (Mostra o que ninguém vê, de 27 de maio pela manhã, e Mostra o que ninguém vê, de 27 de maio à noite). Também eu e outros temos tocado nesta questão, às vezes inconscientemente. Basta lembrar as postagens sobre o falecimento de Sebastião Bezerra da Silva (Calourada do SAJU-USP e extensão) ou os quatro advogados populares mortos (Lembrando quatro advogados populares assassinados: símbolos de resistência jurídica).

Eu disse "relação resfolegante vida-morte para nós". Mas quem somos este nós? É certo que a relação vida-morte é universal, mas talvez não o sejam a perplexidade e agonia que gera bem como a fundamentalidade que adquire. Talvez, dessa forma, ganhe inteira a crítica ao filósofo d'além-mar: a "vida nua" não é mera abstração ou joguete simbólico de interpretação de um distante fenômeno essencial da vida; para nós, esta vida despida é totalmente concreta, seja porque não mera alegoria ou metáfora, seja porque não imaterial. Mas a questão persiste: o nós!

Vou lançar, agora, uma tese, pouco novidadesca, mas razoavelmente pujante, que concretiza a vida nua, já que negada, e que comunitariza o indivíduo, já que estéril em sua solidão. O exílio prático das "alegorias da derrota" latino-americanas (nem tão alegóricas assim) foi um possível apogeu da autoconsciência continental. E esta se expressou, reiteradamente, por vias poéticas.

Antes de começar a escrever esta postagem, pensei em vários títulos para ela. Percebi que pensar nos títulos era influência da necessidade do impacto, tal e qual o gerado em mim por um poeta desconhecido e que escreveu uma continental canção do exílio. "Longo caminhar", "Rocio do amanhecer", "Golpear-te América", "Uma vida quase inteira vivida na penumbra tumular dos socavões", "Cada promessa de paz é uma mentira", "Morrer sempre", "A vida é um gesto de amor desesperado", "Meu canto é um grito de combate", "Flores de sangue que murcharam", "Lírico fuzil" e "Iluminados corpos que tombaram"; tantos possíveis títulos, verdadeiras manchetes do impossível (ou inaceitável possível) de nosso tempo. Nosso, porque de todos nós, latino-americanos, latinos e americanos, para lembrar o poema.

E está dado que à mente vem a intertextualidade da poesia do tempo de antes e posterior, pois de Castro Alves a José Paulo Paes, de Tiago de Melo a Hamílton Faria, de Cenair Maicá a Chico Buarque, de Araújo Jorge a Ferreira Gular (mesmo que politcamente falecido) ou, ainda, de Manoel Bonfim a Darci Ribeiro, para lembrar apenas de brasileiros, tudo é discurso - e com que eloqüência! - a favor de uma "Canção de amor à América", como a do poeta da resistência Manoel de Andrade, curitibano e de exílio cediço, que escreveu o clássico "Poemas para la libertad" em 1970 e só em 2009 obteve uma sua publicação no Brasil, antecedida, dois anos antes, pela de outro livro, "Cantares".

Mas, como assinalei, tem vezes que é melhor calar, não ter nada a dizer, mas porque faltam palavras para se dizer o indizível. E como já calei pouco, deixo que o poeta diga por mim:



Canção de amor à América (Manoel de Andrade)

Ai América,
que longo caminhar!

Eu venho com o trigo do meu canto,
minha ternura aberta
e o meu espanto;
e desde o fundo de mim e assombrado
e pelos meus lábios de vinho e gaivotas,
te trago o meu cantar de caminhante.

Para ti, amada minha,
para teu corpo de cansaço
e por tua fome
eu trago este meu verso frutecido.

Eu venho com o rocio do amanhecer
sou o cantor da aurora
o que desperta
o que anuncia a vida e a esperança.
Eu sou o mensageiro destes anos
o cantor deste tempo e destas terras
eu sou daqui,
desde a Patagônia até o Rio Grande
e desde aqui alço meu canto para o mundo.

Ai América,
que longo caminhar!

Eu sou como uma ave que passa
apenas um cantor errante,
mas se na minha voz há uma guitarra delirante,
é para golpear-te América,
para levantar teu braço adormecido.

Agora venho cantar-te
e meu canto é como o dia e como a água
para que me entenda sobretudo o homem humilde.
Agora venho cantar-te
mas em teu nome América,
eu só posso cantar com a voz que denuncia.

Eu não venho cantar o esplendor de Machu Picchu
a Grande Cordilheira e a neve eterna;
não venho cantar a esta América de vulcões e arquipélagos
a esta América altiplânica da lhama esbelta e de vicunha;
eu venho em nome de uma América parda, branca e negra,
e desde Arauco a Yucatán,
venho em nome desta América indígena agonizante,
eu venho sobretudo em nome de uma América proletária
em nome do cobre e do estanho ensangüentado.

Eu hoje não vim cantar um continente de paisagens,
não vim falar dos lagos escondidos na montanha
nem dos rios que correm ao fundo dos vales florescidos;
não, eu não vim cantar a este trigo que se nega a quem semeia;
eu venho por uma história mais sincera,
venho falar do homem que vi e ouvi pelos caminhos.

Ai América,
que longo caminhar!

Eu venho falar do camponês
de sua pele seca e sua cor de bronze,
de sua túnica desbotada e o seu colchão de terra,
de sua resignação e seu misterioso silêncio,
de seu grito incontido que em alguma parte se levanta,
de sua fome saciada com o sangue dos massacres.

Eu venho falar do mineiro e sua morte prematura,
de uma vida quase inteira vivida na penumbra tumular dos socavões,
da silicose escavando dia a dia os pulmões dos operários jovens;
eu venho falar das palhiris bolivianas,
dessas desamparadas viúvas do mineiro massacrado ou soterrado,
que buscam no lixo do estanho,
o pão diário dos seus filhos.

Eu não vim para falar do encanto colonial destas cidades,
dos altares espanhóis recobertos com o ouro incaico,
das grandes praças onde se erguem as estátuas magníficas dos libertadores;
venho falar de favelas, barriadas e tugurios,
de povoações calhampas e vilas-misérias,
eu venho falar da tuberculose e do frio,
venho em nome dos meninos sem pão e chocolates.

Eu venho falar por toda voz eu se levanta,
por uma geração reprimida com fuzis,
venho falar das universidades fechadas
e com a marca das tiranias encravadas nas paredes.

Eu venho denunciar falsas revoluções
e o oportuno pacifismo,
venho falar de um tempo de desterros e torturas,
eu venho alertar sobre um terror que cresce uniformado
e sobre estes anos em que cada promessa de paz é uma mentira.

Ai América,
que longo caminhar!

Rumo ao norte
ao sul
a leste ou a oeste,
eu avanço atravessando estas nações.

Oh, caminhar, caminhar
e saber sentir-se um caminhante!
pois é tão triste morrer a cada dia
morrer com os punhos abertos e o coração vazio.
Morrer distante do homem e sua esperança
morrer indiferente ao mundo que morre
morrer sempre
quando a vida é um gesto de amor desesperado.

Oh, caminhar, caminhar!
mas caminhar como caminha o rio e a semente,
conhecendo a mais completa plenitude em seu destino.
Oh, caminhar!
e saber-se um dia fruto.
Caminhar
e sentir-se um dia mar.

Ai, América,
que não exista a dúvida em meu caminho,
que somente me guie este imenso amor que trago,
que apenas esta paixão de justo me enamore.

Fui prisioneiro,
mas outra vez sou pássaro,
outra vez um caminhante,
e volto a abrir a alma com meu canto.

Hoje me detenho aqui...
Levanto minha voz,
minha bandeira de sonhos,
minha fé.
Recolho meu testemunho e me vou.

Eu sou o jogral maldito
e bem-amado.
Meu canto é um grito de combate
e eu não canto por cantar.
Eu parto deixando sempre uma inquietude,
deixando numa senha a certeza de uma aurora.

Eu sou o cantor clandestino e fugitivo,
aquele que ama a solidão imensa dos caminhos.
Passo despercebido de cidade em cidade.
Em algum lugar público eu vou dizer meus versos
e ali conheço amigos e inimigos.
Mas sempre pude encontrar ao grande companheiro,
ao homem novo,
aquele que traz a marca verdadeira,
aquele que se aproxima em silêncio
e como um gesto inconfundível me saúda.

Ai América,
que longo caminhar!

Eu venho amada América,
para iluminar com meu canto este caminho,
te trago meu sonho imenso, latino e americano,
e meu coração descalço e peregrino.
Mas quando sinto meu sangue escorrendo-se nos anos
e que a vida se me acabe antes de ver-te amanhecida;
quando penso que é muito pouco amada minha
o que eu posso dar-te um poema;
ai, quando penso nestas flores de sangue que murcharam,
nestes iluminados corpos que tombaram,
e que talvez não pude fazer por ti quando quisera,
ai, se com o tempo eu descobrir
que este lírico fuzil que trago não dispara,
ai, América,
quem dirá que a intenção que tive foi sincera.

Quito, agosto-70

(Extraído da versão publicada na revista Encontros com a civilização brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, n. 19, janeiro de 1980, p. 7-10, inclusive para pontuação e ortografia).

Ver mais:

- Manoel de Andrade, poeta da resistência;
- Postagens sobre Manoel de Andrade no blogue Banco da Poesia;
- El cantor pelegrino de América, por Enrique Rosas Paravicino.

Pós-escrito: esta reflexão foi construída como fechamento de um ciclo, pois passaremos a reestruturar a periodicidade de textos das colunas Prestes e Luiz Otávio. A Coluna Prestes esta semana completou sete meses, nos quais, ininterruptamente, todo domingo apareceu uma postagem minha para falar de crítica jurídica, marxismo, América Latina, antropologia ou movimentos populares. Depois de trinta domingos (este foi o trigésimo-primeiro), Luiz Otávio Ribas e eu dividiremos o primeiro dia da semana e traremos nossas reflexões a cada quinze dias cada um.

O direito achado na rua também se acha na tevê

O impacto da obra de Roberto Lira Filho é surpreendemente vigoroso entre os críticos do direito e os críticos dos críticos. Gera paixões e ódios. E gera também visibilidade para a assessoria jurídica popular. É o caso do projeto da UnB inspirado pelo velho Lira Filho. Seu poder de difusão é muito grande. Nem a grande mídia pôde escapar a ele (ainda que nas proporções aceitas por ela mesma). Por isso, vimos aqui divulgar o vídeo informativo produzido por grande canal de comunicação divulgando o "Direito achado na rua". Nele, destaque seja feito para os depoimentos de dois de nossos colunistas colaboradores, Lívia Gimenes e Humberto Góes (o Betinho).

"Direito achado na rua", sob a perspectiva do Globo Universidade.


Conferir o blogue O direito achado na rua.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mostra o que ninguém vê




Não queria aqui fazer um desabafo pessoal, mas não há como não me colocar e minhas lágrimas e todo o meu descontetamento em notíciar que mais um militante/agricultor foi assassinado em Roraima. Mais um, mais um, quantos ainda cairão por causa da ambição capitalista.

Adelino Ramos, conhecido como Dinho, sobrevivente do Massacre de Corumbiara, ocorrido em agosto de 1995, foi assassinado nesta sexta, 27 de maio, por volta das 10h00, em Vista Alegre do Abunã, na região da Ponta de Abunã, município de Porto Velho (RO), enquanto vendia as verduras produzidas no acampamento onde vivia. Ele foi morto por um motoqueiro, próximo ao carro da família onde estavam sua esposa e duas filhas.

Dinho vinha denunciando a ação de madeireiros na região da fronteira entre os estados de Acre, Amazônia e Rondônia. Ele e um grupo de trabalhadores reivindicavam uma área nessa região para a criação de um assentamento. No início desse mês, o Ibama iniciou uma operação no local, onde apreendeu madeira e cabeças de gado que estavam em áreas de preservação. Segundo a CPT na região, isso leva a crer que esse tenha sido o motivo de sua morte. Dinho vinha sendo ameaçado há anos e em reunião realizada em julho do ano passado em Manaus (AM), com o ouvidor agrário nacional, Gercino Silva, denunciou as ameaças contra sua vida e o risco que corria. Dinho foi líder do Movimento Camponês de Corumbiara.

Desculpem-me por trazer más notícias.

Mostra o que ninguém vê

A história se repete!
Novamente, choramos e revoltamo-nos:
Direitos Humanos e Justiça são para quem neste país?

Hoje, 24 de maio de 2 011, foram assassinados nossos companheiros, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assentados no Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna – PA. Os dois foram emboscados no meio da estrada por pistoleiros, executados com tiros na cabeça, tendo Zé Claúdio a orelha decepada e levada pelos seus assassinos provavelmente como prova do “serviço realizado”.

Camponeses e líderes dos assentados do Projeto Agroextratista, Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo (estudante do Curso de Pedagogia do Campo UFPA/FETAGRI/PRONERA), foram o exemplo daquilo que defendiam como projeto coletivo de vida digna e integrada à biodiversidade presente na floresta.
*Trecho da Nota assinada por inúmeros Movimentos Sociais após o assassinato.

Hoje prefiro não indicar nenhum filme, nenhum documentário.
Nada causa pode causar maior impacto do que recebermos a notícia de que companheiros nossos de luta foram brutalmente assassinados, por que queriam como nós Um Outro Mundo.

Ontem Quinta-feira, dia 26, cerca de cinco mil pessoas acompanharam o enterro de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo. Isso mostra que o Movimento continua vivo dentro do coração de muitos e que apesar das perdas continuaremos a lutar por/ao lado de todos e todas.

- MARIA DAS BANDEIRAS
Morreste em maio, Maria,
Mas eu te canto no verão
Por que precisas de sol,
E tu nos ajuda.
Não te conheci, nem jamais
ouvi teu nome,
Só sei que amavas recortar bandeiras
Com tua mão doce e velha,
No papel colorido dos mercados.
Mas te chamo Maria
E te proclamo Maria das bandeiras,
Para poder te cantar com voz de vento.

*Poema de Tiago de Melo em Homenagem a Maria.

A Margem: protagonismo estudantil e comunicação

Damos vazão, aqui, a uma interessante iniciativa estudantil: a construção de um jornal protagonizado pela estudantada. Surge do esforço de estudantes da Universidade Federal da Paraíba e tem por intuito apresentar-se como um canal de diálogo acerca do direito em uma perspectiva crítica. Só por isso, vale a pena conferir seu conteúdo. O jornal A margem: um espaço de diálogo e intervenção social é mais um passo dado para se tentar suprir a necessidade da expressão dos críticos do direito e, a nosso ver, se coloca no mesmo sentido do esforço que nosso blogue da AJP segue.


Aqui, o recado dos editores, mostrando sua cédula de identidade:


O Jornal A Margem foi criado no início do ano de 2011 por estudantes do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba e outros colaboradores. A experiência da equipe editorial é acumulada a partir de outros trabalhos com veículos de comunicação no meio universitário.

A ideia do presente projeto vai além de pretensões corporativas: em formato virtual e impresso, A Margem oferece um espaço de construção crítica do saber jurídico que perpassa, nos seus debates e funções, os muros da Universidade.

Tomamos o pressuposto de que “a crítica se constrói com responsabilidade” e, no universo acadêmico, esta tem uma função essencial enquanto paradigma de promoção dialética do conhecimento: a educação (em sentido amplo) deve se valer da transdisciplinariedade de conteúdo e da horizontalidade das relações de aprendizado se se quiser gerar sujeitos verdadeiramente livres na construção de concepções de mundo e agir autônomo.

Essas preocupações são demasiado importantes em relação aos operadores do Direito. Mais do que técnicos, naturalmente aptos a lidar com as perspectivas convencionais do texto legal, ansiamos por sujeitos capazes de compreender sua função política diante de uma sociedade complexa e conflituosa, que recorre cada vez mais às instituições judiciais para resolver problemas de natureza essencialmente política, acompanhada de um Judiciário que também vem assumindo funções bastante diferenciadas.

Nossa pretensão, por fim, é a de viabilizar um veículo de comunicação que esteja além do formato de uma mera revista jurídica, e que, em outro sentido, discuta o Direito sob múltiplas faces, problematizações e funções, contribuindo para incrementar um instrumento pluralista de debates e uma visão democrática da dinâmica dos direitos.

Você pode escrever para a nossa equipe mandando sugestões, criticando, propondo a publicação de uma produção sua, entre diversas outras possibilidades comunicativas.

O código florestal, a propriedade privada e o futuro nacional: charge

Nos últimos dias, assistimos a debates acalorados sobre as alterações flexibilizadoras na legislação específica sobre proteção ambiental, notadamente conhecida como Código Florestal. As esquerdas e os ambientalistas se posicionaram contra, em regra. O problema é dos mais candentes e importantes. Por isso, o blogue Assessoria Jurídica Popular faz coro com os protestos contra referida alteração na legislação e se expressa criticamente como na charge abaixo, de Moa:


Para saber mais:

quinta-feira, 26 de maio de 2011

AJUP: movimento estudantil ou serviço legal?

Responda rápido: a sua entidade de Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP) é o que, movimento estudantil ou serviço legal? Seja qual for sua resposta, ficam as dúvidas: ela é mesmo só movimento estudantil ou só serviço legal? Ou ela pode ser as duas? E o que isto implica em termos práticos?

Toda a vez que alguém diz que participa do movimento estudantil por meio da AJUP talvez não saiba quanto nó coloca na produção teórica sobre assessoria jurídica convencionada, há algum tempo, em certa tipologia (ou categoria de classificação) definindo como serviço legal inovador, dentro da esteira dos serviços legais, sendo que alguns dos principais expoentes são Fernando Hojas Furtado, José Geraldo de Sousa Jr., Joaquim de Arruda Falcão, Celso Campilongo e Vladimir Luz.

A questão aqui levantada não é novidade, foi bastante debatida no ano de 2006, durante o VIII ERENAJU, ocorrido em Fortaleza/CE, quando representantes de AJUP's vinham seguidamente refletindo sobre a identidade social e a adequação tipológia das entidades.

Neste momento histórico, a tipologia almejada por grande parte dos representantes de AJUP's era de movimento estudantil (alguns abrindo linha específica de movimento estudantil alternativo), o que gera algumas reflexões porque entra em conflito ou em complementaridade (depende do ponto de vista que se assuma) com a tipologia de serviço legal, historicamente consolidada.

Amigos do NAJUPAK, numa nostálgica oficina

Pensar AJUP como serviço legal

Em princípio, a definição de serviço legal insere a AJUP na esteira de entidades existentes em diversos locais do mundo, em especial na Europa, América do Norte e América Latina. Em cada um destes locais, os serviços legais tomam corporificação específica baseado em características sócio-históricas que cada país ou região possui, e em suas demandas e problemáticas próprias.

Na América Latina, historicamente se desenvolveram práticas de serviços legais que tem por base a proteção e promoção dos direitos humanos. Joaquim de Arruda Falcão afirma que

“nas duas últimas décadas [a partir da década de 60], a cotidiana violação dos direitos humanos por parte dos regimes políticos autoritários e ditatoriais na América Latina fez surgir advogados e outros profissionais que, prestando serviços legais, protegeram os cidadãos.”

Desta forma, a emergência inaugural dos serviços legais na América Latina deve-se ao recrudescimento dos regimes políticos que afetou os países durante grande parte do segundo cinqüentenário do século XX.

Destaca-se, na análise dos serviços legais deste período, a contribuição dada por Fernando Rojas, o qual, de acordo com Vladimir Luz, traçava as seguintes características para tal fenômeno:

"1) Eran formados sin la intervención del Estado y, a veces, eran críticos de la actuación estatal.

2) El público blanco de los servicios, de sello gratuito, eran poblaciones pobres, mujeres, grupos indígenas, trabajadores rurales u otros sectores sociales oprimidos.

3) Su actuación buscaba el cambio social, la organización comunitaria, la defensa legal y la oferta de cursos de capacitación."

No Brasil, Wladimir Luz especifica a tipologia de Celso Campilongo para o campo dos serviços legais universitários, consistindo naquele composto por entidades divididas entre as enquadradas no modelo inovador – como o Serviço de Apoio Jurídico Gratuito da Universidade Federal da Bahia (SAJU/UFBA) e o Serviço de Apoio Jurídico Gratuito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU/UFRGS) – e as pertencentes ao modelo tradicional – nomeadamente incluídas no rol dos escritórios-modelo.

A AJUP define-se, assim, como serviço legal inovador com nova proposta de intervenção social do saber jurídico acadêmico, encontrando no espaço universitário palco privilegiado para a produção de embates ideológicos contra-hegemônicos por outra educação jurídica e pela luta por projeto de sociedade que valorizasse a participação popular, os direitos humanos e a democracia.


AIDH, em Altamira, no curso para conselheiros tutelares

Pensar AJUP como movimento estudantil

A universidade enquanto espaço original de nossa existência é, também, a terminologia que possibilita a descoberta do estudante como legítimo protagonista do fenômeno AJUP. Esta legitimidade está no centro de qualquer análise que se possa fazer sobre a emergência, permanência e difusão do fenômeno AJUP nas últimas seis décadas, em especial a partir dos anos 90 do século passado, todavia, nem sempre houve vinculação dos sujeitos privilegiados da prática com a organização coletiva que os representa, ao menos formalmente: o movimento estudantil.

As causas para a ausência de referencias objetivas de AJUP como movimento estudantil radicam, a meu ver, em três justificativas: (1) negativa (e mesmo repulsiva) percepção que historicamente os membros de AJUP tem do movimento estudantil, em especial da politicagem e das vinculações político-partidárias, enfoque que vem sendo posto em revisão pelas próprias pessoas que fazem AJUP, sobretudo porque é cada vez mais habitual que os sujeitos que participam de entidades de AJUP também estejam engajados em outros espaços do movimento estudantil universitário, como os Centro Acadêmicos, os Diretórios Centrais dos Estudantes e outras entidades, com vinculação partidária ou não; (2) a primazia da definição tipologica de serviço legal, que enfatiza muito mais a atividade prestada do que os sujeitos que dela participam; e, (3) não compreensão de AJUP como movimento estudantil pelo fato de não incluí-la como movimento social, mas sim como entidade que o assessora.

Em todo caso, é inegável que o protagonismo estudantil na constituição da AJUP é histórico e fundamental. Desde os SAJU/RS e SAJU/BA, fundados na década de 50 e 60 respectivamente, foram sempre os estudantes que tomaram a frente da condução destas entidades. Nisto, enfatiza o professor Armando José Farah:

"O serviço de Assistência Judiciária – SAJU[/RS] sempre teve como característica sua manutenção pelos alunos da Universidade..."

Também Vladimir Luz condensa a analise feita até aqui, enfatizando o motivo da abertura da AJUP para a interdisciplinaridade e extensão (a superação das faltas que o modelo de aprendizagem tradicional impunha) além de seu protagonismo estudantil inerente:

"... la divisa para el surgimiento de otras formas de asesorías jurídicas universitarias estuvo fundada en la superación de las faltas que, en aquel momento, ya se señalaban en el modelo del aprendizaje tradicional. Ese epígrafe surgió junto con el protagonismo de algunos alumnos que hacía tiempo, desde el periodo de la excepción política (1964), ya organizaban servicios legales que fueron paulatinamente rompiendo con los parâmetros del apoyo jurídico tradicional de las facultades de derecho de las universidades federales de Río Grande do Sul y de Bahía."

O que se conclui da articulação de AJUP como movimento estudantil é, por um lado, a valorização dos sujeitos que a mobilizam, os estudantes universitários, prioritariamente dos cursos de Direito, e por outro certa politização do espaço de atuação da AJUP, que acaba por se constituir, internamente nas universidades, como em disputa pela concepção de movimento estudantil e dos modos como ele pode atuar socialmente.

Daí que, para concluir, fico com a idéia de que o referencial teórico de AJUP como serviço legal talvez nunca tenha se popularizado ou sido aceito na prática, e que parte da mobilização das AJUP's pela ressignificação de sua atuação, individual ou em rede, está na necessidade de aproximação com os movimentos sociais, o que pode levar a compreensão de que "ser movimento estudantil" possibilitaria a compreensão de que estamos mais próximos de ser aquilo que desejamos efetivamente.

Encontro de grupos de estudo e pesquisa marxistas - III EPMARX, na UFPE

Fazemos a divulgação de interessante iniciativa dos integrantes do GEMA - Grupo de Estudos Marxistas, da Universidade Federal de Pernambuco. Trata-se de um evento que busca reunir grupos de estudo e pesquisa marxistas. O EPMARX está em sua terceira edição e vai contar com a presença, dentre outros, de Virgínia Fontes, Sérgio Lessa e Gilmar Mauro, além de vários artigos e pesquisas a serem apresentadas.



quarta-feira, 25 de maio de 2011

Assessoria jurídica, um passo na formação dos estudantes de Direito

Publicado na página do MST em 24 de maio de 2011.

Por Luiz Otávio Ribas*
Professor universitário no Unicuritiba (Curitiba-PR)

A luta é pra valer!
O estudante de direito cumpre função essencial em nossa sociedade. Aquele que pensa o Estado e a organização política na perspectiva da sua forma jurídica, também conjuga a teoria sobre as práticas jurídica que surgem no contexto social. Durante o curso de graduação é possível agir para compreender e transformar a teoria e as práticas por meio de atividades de extensão com a assessoria jurídica universitária.
É certo que o estudante necessita encontrar tempo em seus afazeres diários - de assistir aulas, leituras, estágio, trabalhos de pesquisa -, com as reuniões políticas. Como as que preparam atividades de formação, entre os estudantes e com os trabalhadores nas comunidades em que se trabalha. O movimento de assessoria universitária está muito envolvido com projetos de educação popular, com base em Paulo Freire, para proposição de uma nova metodologia para repensar o direito, o Estado e a política.
Nas faculdades brasileiras hoje existem pelo menos dois grupos nacionais de articulação do movimento estudantil: a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU) e a Federação Nacional de Estudantes de Direito (FENED), ambos fundados em 1996. O primeiro dedica-se à articulação dos projetos de educação popular e o segundo à articulação do movimento estudantil de área (que organiza setorialmente a política da União Nacional de Estudantes - UNE), ambos realizam encontros nacionais e regionais para estimular a extensão.
A extensão inspirada na assessoria jurídica universitária é proposta pela RENAJU, que defende uma aplicação da assessoria jurídica popular nas faculdades, centros universitários e universidades em todo o Brasil.
A assessoria jurídica popular, amplamente concebida, consiste no trabalho desenvolvido por advogados populares, estudantes, educadores, militantes dos direitos humanos em geral, entre outros; de assistência, orientação jurídica e/ou educação popular com movimentos sociais; com o objetivo de viabilizar um diálogo sobre os principais problemas enfrentados pelo povo para a realização de direitos fundamentais para uma vida com dignidade; seja por meio dos mecanismos oficiais, institucionais, jurídicos, extrajurídicos, políticos e da conscientização.
É uma prática jurídica insurgente desenvolvida principalmente no Brasil, nas décadas de 1960 até hoje, por advogados, estudantes e militantes de direitos humanos, voltada para a realização de ações para o acesso à justiça, num trabalho que mescla assistência jurídica e atividades de educação popular em direitos humanos, organização comunitária e participação popular, com grupos e movimentos populares.
A extensão com a assessoria jurídica universitária representa um projeto de formação política do educador popular, que pode atuar junto com movimentos populares da cidade e do campo. As demandas dos movimentos precisam ser pensadas nos projetos de pesquisa na universidade, embora os problemas do povo brasileiro ainda precisem dividir espaço num currículo ainda muito dedicado ao estudo patrimonialista do direito.
Os conflitos coletivos precisam ser traduzidos para a linguagem difícil da dogmática jurídica, para ser refletida em argumentação nas muitas ações judiciais que criminalizam muitas lutas legítimas em nosso país. A crítica dos movimentos populares precisa alimentar a teoria crítica do direito, para empoderar teses acadêmicas e protestos de rua.
Na música "O colono", o cantor gaúcho Teixeirinha propõe o estudo numa faculdade, para que com o "Dr" se chegue na roça, se repare lá quanta dificuldade e que se faça algo por nossos colonos. Que este sentido seja apropriado por todos os estudantes de direito do Brasil, principalmente aqueles que hoje estão engajados na militância estudantil e mesmo nos movimentos populares.

Teixeirinha, cantor popular, passo-fundense com o coração.
* Luiz Otávio Ribas, professor universitário no Unicuritiba (Curitiba-PR), pesquisador na área de sociologia jurídica dos temas direito insurgente e assessoria jurídica popular, mestre em "filosofia e teoria do direito" pela UFSC, especialista em "direitos humanos" pela UFRGS/ESMPU, tendo participado como assessor estudantil dos grupos CAJU Sepé Tiaraju (Passo Fundo-RS) e Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (Florianópolis-SC). Contato: https://twitter.com/@luizotavioribas(Twitter).

Assessoria popular nordestina: a Dignitatis

Um dos grandes objetivos do blogue Assessoria Jurídica Popular é tornar possível o diálogo entre os assessores populares brasileiros, apresentando-se como canal privilegiado de comunicação entre eles. Sem a visibilidade, troca de experiências e a ação conjunta dos realizadores da AJP, esta perde sua principal força. Daí a necessidade, sentida por nós, de fixarmos nosso contato para podermos realizar mais do que nossas atividades/saberes locais.

Por isso divulgamos agora o blogue da Dignitatis - Assessoria Técnica Popular, organização popular que reúne, dentre outros, juristas, pedagogos, historiadores, jornalistas e geógrafos no intuito de trabalhar com os movimentos sociais e populares.

Longa vida à assessoria popular no Brasil!

Assim se apresentam os assessores populares da Dignitatis:

A DIGNITATIS - Assessoria Técnica Popular, organização civil sem fins lucrativos, pessoa jurídica de direito privado, tem entre seus objetivos principais prestar assessoria técnica popular aos movimentos sociais que atuam no campo e na cidade, assim como facilitar e articular atividades de formação na área de direitos humanos e cidadania.Enquanto concepção de Assessoria a Dignitatis remonta ao ano de 1995, mas a partir do ano 2003 com maior qualificação dos/as profissionais e o estimulo à participação em outras esferas de intervenção é criada através de registro jurídico a ONG Dignitatis – Assessoria Técnica Popular, ampliando sua atuação para outras áreas correlatas a luta pela promoção, defesa e efetividade dos Direitos Humanos.Atualmente a Dignitatis – Assessoria Técnica Popular conta com profissionais com conhecimento nas áreas do direito, pedagogia, geografia, jornalismo e história, assim como pessoas de outras formações e experiências que atuam nos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.

domingo, 22 de maio de 2011

Marx e o complexo de Dom Casmurro dos marxistas: mais sobre o não-direito em Marx

Apesar de Machado de Assis ter assumido certo conservadorismo político, para seu tempo, parece interessante fazer uma breve analogia lúdica entre seu “Dom Casmurro” e o problema do direito para Marx e a tradição marxista.

No afamado livro de Machado de Assis, paira a dúvida de Bentinho, o protagonista casmurro, acerca da fidelidade de sua esposa e a trama que se desenvolve sobre este sentimento ganha em complexidade porque a suposta traição teria se dado com o melhor amigo de Bento, o admirado Escobar. Afora o fato de se tratar de enredo envolto numa visão de mundo patriarcal e colonial de um Brasil recém-republicano, a analogia pode parecer representativa, na medida em que opera a permuta de personagens: Bentinho, Capitu e Escobar podem ser substituídos por “marxistas”, Marx e “o direito”.

Muito mais do que falar na traição ou não de Capitu, o romance “Dom Casmurro” trata de evidenciar o ciúme de Bentinho com relação à esposa. Daí podermos arriscar uma análise, na esteira aliás da crítica literária nacional, de que o que importa não é o fato em si da infidelidade conjugal, mas sim do sentimento extremo de zelo criado pelo marido. Trocando em miúdos: o problema, aqui, não está no que é visto mas no olho de quem vê.

Uma legião de juristas vem se formando, nas últimas décadas, sob os auspícios da “crítica jurídica”. Com ela caminham para tornar o velho direito – instrumento por excelência das elites – mais, digamos, “popular”. E o fazem lançando mão de vários pincenês (para lembrar os óculos sem haste que caracterizaram a imortal imagem de Machado de Assis). Um destes, sem embargo de dúvida, é o marxismo.

Machado de Assis e seu pincenê favorito

No entanto, é muito difícil conciliar uma aproximação marxista ao direito em uma sociedade sem um horizonte socialista definido. Talvez disso não se apercebam os jovens ou nem tão jovens assim “críticos marxistas do direito” que se formam nas carteiras centenárias das escolas jurídicas nacionais (para me restringir ao Brasil e não ousar vôos mais altos quiçá igualmente plausíveis). Mas é importantíssimo ter isso em vista: por mais que as esquerdas nacionais, em seus redutos, discutam sobre o projeto político que se deve seguir (essencialmente, se o democrático-popular e suas variantes ou se o imediatamente socialista), parece razoavelmente evidente que o socialismo não passa de horizonte e que estamos um tanto longe da propriedade comum dos meios de produção e, assim, distantes de uma transição revolucionária. Quer dizer, uma coisa é a proposição, outra a transição.

Eis que, neste redemoinho político, surgiu-me a jocosa expressão “o complexo de Dom Casmurro” para assinalar a postura dos críticos do direito que se afirmam, teórica e praticamente, em Marx e no marxismo.

Um realmente extenso rol de autores centrais poderia ser registrado para se discutir a relação entre o direito e a proposta marxista: Lênin, Lucacs, Grâmsci, Poulantzas, Bloch e Altusser, para não falar nos juristas soviéticos, seriam apenas os mais representativos deles, no século XX. A meu ver, sempre que problemas políticos como “estado”, “revolução”, “transição” ou “poder” aparecem – e eles sempre aparecem nas reflexões dos marxistas –, em voga está a supracitada relação. E isto para não reforçar temários mais clássicos ainda, como “ideologia”, “relações infra e superestrutura” ou “legitimidade/legalidade”.

Na crítica jurídica mesma, durante os últimos anos, muito se produziu e se pensou sobre o assunto: desde os europeus até os latino-americanos, dentre os quais poderia destacar Roberto Lira Filho ou Óscar Correas.

Mas sem dúvida nenhuma a relação já estava colocada no próprio velho Marx. Reconhecer o encontro da relação já na obra marxiana não significa, entretanto, pacificar a questão; ao contrário, significa torná-la mais polêmica ainda. Concordo inteiramente com a crítica, mesmo porque se trata de uma tranqüila concordância: não há uma teoria do direito em Marx e sequer entre os clássicos subseqüentes do marxismo, Êngels inclusive, ela medrou.

O problema não é este, como sabemos. A questão é saber sobre a possibilidade de se afirmar ou não a positividade do direito em sua obra. Melhor dizendo, significa inquirir sobre a coerência com sua obra da afirmação de uma teoria do direito. Em geral, a resposta é: impossível! Em Marx, o direito assim como o estado não encontram guarida teórica. Mas o que fazer (perguntariam os leninistas) com a realidade posta?

Daí o “complexo de Dom Casmurro” ganhar força: Marx (Capitu) traiu ou não o marxismo (Bentinho) com o direito (Escobar)?

Nunca se saberá, ao menos enquanto perdurarem as forças terrestres que guiam a vida humana, se Marx aprovaria teoricamente ou não o uso tático do direito e, se por acaso sim, de que modo o ratificaria. E isto, na verdade, não importa muito mesmo. Como disse, é mais o cisco no olho que dificulta a visão da realidade do que a realidade mesma, neste caso. É justamente a incerteza marxiana quanto ao direito que impulsiona o marxismo crítico e criativo o qual devemos esculpir; caso contrário, seremos meros papagaios-de-pirata, macaqueadores colonizados. E, friso, não é em nome da criatividade que afasto o horizonte de abolição do “jurídico”: ao revés, esta é uma hipótese das mais pujantes.

Assim é que poderemos ler, com os olhos inchados de hoje, a situação frente a qual Marx se colocou em 1850. Na Alemanha feudal de então era preciso agir de acordo com os momentos históricos pré-democrático, democrático e pós-democrático (revolucionário, portanto):

No interesse do proletariado rural e no seu próprio interesse, os operários têm de opor-se a este plano. Têm de exigir que a propriedade feudal confiscada fique propriedade do Estado e seja transformada em colónias operárias, que o proletariado rural associado explore com todas as vantagens da grande exploração agrícola; desde modo, o princípio da propriedade comum obtém logo uma base sólida, no meio das vacilantes relações de propriedade burguesas. Tal como os democratas com os camponeses, têm os operários de unir-se com o proletariado rural. Além disso, os democratas ou trabalharão directamente para uma República federativa ou, pelo menos, se não puderem evitar uma República una e indivisível, procurarão paralisar o governo central mediante o máximo possível de autonomia e independência para as comunas e províncias. Frente a este plano, os operários têm não só de tentar realizar a República alemã una e indivisível, mas também a mais decidida centralização, nela, do poder nas mãos do Estado. Eles não se devem deixar induzir em erro pelo palavreado sobre a liberdade das comunas, o autogoverno, etc. Num país como a Alemanha, onde estão ainda por remover tantos restos da Idade Média, onde está por quebrar tanto particularismo local e provincial, não se pode tolerar em circunstância alguma que cada aldeia, cada cidade, cada província ponha um novo obstáculo à actividade revolucionária, a qual só do centro pode emanar em toda a sua força. — Não se pode tolerar que se renove o estado de coisas actual, em que os alemães, por um mesmo passo em frente, são obrigados a bater-se separadamente em cada cidade, em cada província. Menos do que tudo pode tolerar-se que, através de uma organização comunal pretensamente livre, se perpetue uma forma de propriedade —, que ainda se situa aquém da propriedade privada moderna e por toda a parte se dissolve necessariamente nesta — a propriedade comunal, e as desavenças dela decorrentes entre comunas pobres e ricas, assim como o direito de cidadania comunal, subsistente, com as suas chicanas contra os operários, ao lado do direito de cidadania estatal. Tal como na França em 1793, o estabelecimento da centralização mais rigorosa é hoje, na Alemanha, a tarefa do partido realmente revolucionário.

A par disso, o trecho final do mesmo escrito de Marx é eloqüente:

Se os operários alemães não podem chegar à dominação e realização dos seus interesses de classe sem passar por todo um desenvolvimento revolucionário prolongado, pelo menos desta vez têm eles a certeza de que o primeiro acto deste drama revolucionário iminente coincide com a vitória directa da sua própria classe em França e é consideravelmente acelerado por aquela.
Mas têm de ser eles próprios a fazer o máximo pela sua vitória final, esclarecendo-se sobre os seus interesses de classe, tomando quanto antes a sua posição de partido autónoma, não se deixando um só instante induzir em erro pelas frases hipócritas dos pequeno-burgueses democratas quanto à organização independente do partido do proletariado. O seu grito de batalha tem de ser: a revolução em permanência (Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas).

Ver também: