quarta-feira, 2 de março de 2011

Calourada do SAJU-SP e extensão

Sobre a universidade e a extensão popular

Por Luiz Otávio Ribas

A convite do SAJU-SP, ontem participei de atividade junto com o professor Marcus Orione e a assessora estudantil Amanda. Mais dezenas de calouros e veteranos que lotaram a sala dos estudantes - território livre da faculdade de direito da USP. Agradeço muito o convite e ao colega Prof. Ivan Furmann, pela parceria de sempre. Abaixo segue o texto de minha apresentação:

"É difícil encontrar motivos para estar na universidade, para ficar, para não ficar, para abandonar, retornar e ser expulso.

Calourada do SAJU-SP: Luiz Otávio, Amanda e Marcus Orione.



Primeiro, é difícil encontrar um motivo para estar na universidade.
O ingresso representa a vitória e a superação, seja de suas habilidades intelectuais, seja de sua conta bancária.
A política de cotas proporciona o acesso a alguns setores da sociedade, especialmente alguns negros e índios. Apesar desta universidade ainda não ter adotado este sistema.
Estes ainda enfrentam a dificuldade de um processo seletivo que os impõem uma superação além do comum, mas que é ressignificada socialmente no senso comum como uma pseudo-vitória.
Fora o preconceito e agressões que eventualmente sofrem dentro da universidade, seja de estudantes, professores ou funcionários.
É preciso inserir conteúdos históricos, antropológicos, entre outros sobre a questão cultural de negros e índios nas faculdades de direito.
O movimento estudantil precisa oferecer apoio a estes, promovendo debates e passeatas.
Na história do direito no Brasil é imperativo resgatar suas contribuições, principalmente no tocante a resistência política e jurídica.

É difícil encontrar um motivo para ficar na universidade.
Os primeiros anos servem como um teste de fogo. São tantos os grupos políticos, de pesquisa, extensão, fora os de entretenimento, que podem significar uma bengala para se apoiar em meio a tanta velharia, empolamento e erudição.
O trabalho das assessorias jurídicas universitárias é de pescar os indignados. Nunca devemos perder nossa capacidade de indignação. A indignação ética é fundamental para um agir crítico com o mundo.
Hoje, eu estou indignado com o assassinato de Sebastião Bezerra da Silva, advogado popular em Tocantins, integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Mesmo com o fim do regime da ditadura militar, seguimos vivendo em uma sociedade em que ousar resistir pode significar correr o risco de morrer.

Por isto, encontre motivos para não ficar na universidade.
As assessorias universitárias desenvolvem atividades de extensão fora do campus.
Um compromisso com a função pedagógica do direito. Trata-se de colocar o conhecimento formal sobre o direito a serviço de comunidades com problemas no acesso aos instrumentos e garantias fundamentais.
Mas também preocupam-se em buscar no entorno das relações sociais do cotidiano a cultura sobre o direito que informam as lutas destes movimentos sociais. Os que estão em busca de terra, de moradia digna, uma vida com dignidade.
Neste sentido é preciso pesquisar estas experiências e buscar relatá-las, registrá-las. As metodologias da pesquisa-ação são aliadas. Um exemplo do que se pode fazer seria um trabalho de pesquisa de relatos de trabalhadores informais nos grandes centros urbanos.

É difícil encontrar motivos para abandonar a universidade.
Admiro aqueles que tem esta coragem. Estudantes que durante um regime autoritário, por exemplo, saíram em busca da realização de uma utopia.
Poderia ser a de relatar a história de Francisco Julião, e as Ligas Camponesas - precursora dos movimentos sociais do campo e de luta pela Reforma Agrária.
Com o objetivo de prestar solidariedade, de formar-se para a vida, de atuar politicamente em algo concreto, real, vivo.
Envolver-se em lutas do interior do Brasil, onde tombou Sebastião no Tocantins, Dorothy no Pará, Chico Mendes no Acre, Rose no Rio Grande do Sul, entre tantos.
Onde houver lutas e necessidade de resistência, lá estará um estudante militante.
Por isto é tão importante o trabalho dos advogados e advogadas populares, que atuando, principalmente, no interior do país, aproximam-se das fronteiras agrícolas e toda a sua violência.
Por isto o direito insurgente é uma idéia tão forte. Uma vez que alia a resistência por meio do positivismo de combate, com a radicalidade de um pluralismo insurgente e popular, em que as lutas políticas também buscam instaurar um novo direito.

É difícil encontrar motivos para voltar para a universidade.
As possibilidades de continuar estudando são cada vez maiores para os formados. Difícil é encontrar onde estudar de maneira crítica. São poucos os programas que possuem linhas de pesquisa que contemplem um olhar sobre a realidade brasileira e latino-americana.
O melhor é buscar formação interdisciplinar, aliando o conhecimento do direito com outras áreas que possam nos proporcionar o estranhamento necessário de nosso objeto de estudo.
Depois de tantas ondas críticas do direito, como o direito achado na rua, o direito alternativo, o pluralismo jurídico e a marolinha do direito insurgente; agora, parece que uma nova onda se aproxima, com a reaproximação de pesquisadores de todo país em torno do tema "direito e movimentos sociais".

É difícil encontrar motivos para retornar.
Muitos tem retornado como professores. O desafio está em ocupar este espaço para aplicar toda a crítica do ensino do direito, depois de anos de estudo e trabalho popular.
Inovar no lugar da sala de aula, criar diálogos sobre os principais problemas do Brasil, como queria Darcy Ribeiro. Falar sobre o direito da rua, como queria Roberto Lyra Filho. Pensar na crítica radical e de extinção do direito, como queria Karl Marx.
Inovar nos espaços de pesquisa e extensão, aplicar a pesquisa-ação, a arte, as metodologias das ciências sociais - as técnicas da história de vida, observação participante, etnografia, entre outras.
Refletir sobre novos desenhos de organização estudantil e lutas concretas: a universidade popular.

Inovar na comunicação, utilizar blogues, listas de discussão, redes sociais etc. Para organizar encontros em todo o Brasil, mini-cursos, oficinas, palestras etc.
Apoiar os movimentos sociais, fazendo a cobertura de suas atividades e mobilizações.
Registrar estas lutas para a história, os textos inéditos, os cadernos, os livros dos assessores populares.

Por fim, encontrar um motivo para ser expulso da universidade.
Como foram expulsos pela tropa de choque da PM de São Paulo os agricultores e outros trabalhadores que ocuparam a sala dos estudantes da Faculdade de Direito da USP, em agosto de 2008. Aqueles que lutam pela reforma agrária querem também o fim do latifúndio na educação superior. Me lembro agora de nossa companheira Lívia Gimenes, que na ocasião de sua formatura escreveu que aprendeu muito mais do lado de fora das arcadas.
Exatamente na mesma sala onde agora estamos, neste primeiro de março de 2011. Eu, para ser expulso, teatralizo poema que escrevi pensando naqueles que tiram seu sustento das ruas de nosso país:

Nas ruas de uma grande cidade brasileira um catador de papel procura no lixo o seu sustento. Ao ver um livro velho, com as páginas amareladas e capa dura vermelha, não hesita em arrancar-lhe as folhas para reciclagem e descartar o material plastificado [rasgo literalmente um livro qualquer]. O comportamento deste homem resume muito do mundo de hoje. Seu ato complexo é repleto de ingenuidade, saber, ignorância e justa raiva. 

A ele é dedicado o trabalho da assessoria jurídica popular."

6 comentários:

  1. Excelente postagem!

    Ao mesmo tempo, um depoimento e um horizonte teórico! Radicalizando com teoria, prática e ludicidade - esta, a síntese dialética daquelas!

    Um grande abraço, inspirado pela iniciativa da estudantada uspiana!

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  2. Luiz, A Lívia é Gimenes e não Lemos.
    Bom texto.

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  3. oi

    Foi mal, Lívia. Obrigado anônimo(a).

    Fico muito feliz que tenham gostado.

    Abraços

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  4. Gosto desse poema. Da mensagem crua que ele traz. Aliás, ele já foi postado aqui, que eu me lembro Seu Ribas.

    Os poemas do blogue andam criando pernas e vozes e ganhando o mundo por aí...

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  5. Nossos amigos do blogue "Direito e desenvolvimento" nos lembram dos ensinamentos de Paulo Freire, noticiando oficina sobre "justa-raiva" no Rio Grande do Norte.
    http://brasiledesenvolvimento.wordpress.com/2011/03/14/licoes-de-cidadania-a-justa-raiva/

    "a minha raiva,
    minha jsuta ira,
    se funda na minha revolta
    em face da negação do direito
    de 'ser mais'..."

    Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia
    http://www.youtube.com/watch?v=6P6aWV2tPYQ&feature=player_embedded

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