quinta-feira, 28 de abril de 2016

Assessoria Jurídica Popular: um importante marco na estrada

As tarefas, motivações e prioridades da Assessoria Jurídica Popular são fruto de uma reflexão que pretende discutir o papel e a importância desse tipo de atividade: essa é a temática abordada na coluna AJP na Universidade de hoje. O texto, mais um elaborado para a disciplina tópica “Assessoria Jurídica Popular”, é de autoria de André Thomazoni Pessoa Silva, graduado em direito pela Universidade Federal do Paraná.

Assessoria Jurídica Popular: um importante marco na estrada

André Thomazoni Pessoa Silva

As crônicas e agudas injustiças sociais que resultam do sistema econômico, político e jurídico vigente em nosso país inevitavelmente conformam violações/negações dos mais diversos direitos daqueles que integram a multidão de despossuídos, ressaltou outrora Jáques Távora Alfonsin. Estes(as), os(as) pobres, buscam suporte onde conseguem, ou seja,  no mais das vezes, nas assessorias jurídicas ditas populares.
Falar em assessoria jurídica popular implica, portanto, falar em acesso à justiça. Este reducionismo, entretanto, é perigoso. Há que se deixar claro que justiça é esta a que se pretende ascender, e reconhecer que as experiências das assessorias jurídicas populares são
muito mais complexas e amplas que a possível (e necessária, parece) assistência jurídica.
Movimentos, grupos sociais diversos, coletividades e grupos excluídos em geral descobririam, em processo histórico de afirmação e (re)conhecimento cheio de percalços - como não poderia deixar de ser -, que suas demandas, lutas e bandeiras não cairiam do céu ou por beneplácito dos generosos representantes da “democracia” institucional.
A Constituição da República e a legislação infraconstitucional são possibilidades (limitadas, contraditórias, contaminadas!). Os excluídos querem, eles precisam exercer seus direitos, e direitos apenas são direitos na medida em que são exigíveis.
Assim, tais atores incorporam ao seu arsenal de luta a disputa judicial por direitos em conjunto às antigas formas de estratégica política desenvolvidas no meio popular organizado. Como bem lembra Leandro Franklin Gorsdorf, movimentos sociais diversos optaram pela estratégica jurídica como um dos instrumentais de efetivação de direitos humanos – ou de garantia de não retrocesso na proteção destes mesmos direitos.
A assessoria jurídica popular, portanto, desponta como a prática reflexiva, dialética, de juristas voltados à problemática do acesso aos direitos, usando da técnica jurídica para tanto (e quando conveniente), monitorando políticas públicas diversas e priorizando a educação popular como norte de atuação e aprendizagem.
Acima de tudo, a assessoria jurídica popular existe em função de e respira do mesmo
ar dos assistidos. Produz acúmulos e atua conjunta e dialeticamente; problematiza o direito, a justiça, o político. Atua, não raro, pela alegalidade. Transcender e transgredir o direito posto são deveres da assessoria jurídica popular, se deseja de fato concretizar reivindicações populares – produtos de sujeitos coletivos de direito que também se tornam fonte de direito, conforme lembra Wolkmer.
Ingrato seria sintetizar a experiência de décadas das assessorias jurídicas populares em parcas linhas. Seu histórico, facetas, possibilidades - sempre em aberto, por óbvio - e classificações são objeto de estudos muito responsáveis, infinitamente mais maduros que este rascunho.
Pode-se, em derradeiro, dizer que o(a) assessor(a) jurídico(a) popular deve ser um marco na estrada para o movimento popular, os assistidos, e para si e seus pares também – por óbvio, posto que todos trilhamos o mesmo caminho.


Nem muito alto,
nem muito largo,
nem imperador,
nem rei.
Você é só um marco de estrada,
que se ergue junto à rodovia.
As pessoas passam
Você indica a direção certa,
e impede que elas se percam.
Você informa a distância
que se precisa ainda percorrer.
Sua tarefa não é pequena e toda gente lembrará sempre de você.

- Ho Chi Minh
            

quinta-feira, 21 de abril de 2016

AJUP, um trabalho pela igualdade

Trazendo mais um texto formulado para a disciplina tópica “Assessoria Jurídica Popular”, ministrada por Ricardo Prestes Pazello no segundo semestre de 2014 da UFPR, nossa discussão da semana, elaborada por Rafaela Zem e Ricardo Vidotto Monteiro, estudantes de direito da UFPR, aborda algumas questões sobre a prática da Assessoria Jurídica Popular, destacando, em especial, como sua atuação volta-se para o enfrentamento das desigualdades estruturais que compõe a nossa sociedade.

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AJUP, um trabalho pela igualdade

Rafaela Zem
Ricardo Vidotto Monteiro

            Vivemos numa sociedade extremamente desigual. O Brasil, entre algumas oscilações, vivencia um crescimento econômico considerável. Atualmente, de acordo com dados do Banco Mundial, nosso país ocupa a 7ª posição das economias mundiais, com um PIB de cerca de 2.396 trilhões de reais. Porém, as consequências de tanto avanço econômico não são percebidas pela maior parte dos brasileiros. Essa desigualdade é evidente quando se observa outro dado estatístico: o Brasil ocupa a 80ª posição em distribuição de renda e possui índices ainda piores quanto ao desenvolvimento humano – IDH, que mede educação, saúde e a expectativa de vida –, estando no 85º lugar no ranking, ficando atrás de países como: Jamaica, Peru, Ucrânia, Venezuela, Cuba, etc.
            Essa triste situação se deve a vários (e, complexos) motivos. Dentre um dos possíveis, percebe-se a prática recorrente de políticas neoliberais extrativistas, que desde o descobrimento – com o colonizador europeu –, até a atualidade, com as multinacionais estrangeiras, vem explorando e violando direitos e garantias fundamentais. Resultando nessa desastrosa desigualdade social, que aprisiona, manipula e domina boa parte da população.
            Na contramão dessa calamidade pública existe a atuação da AJUP (Assessoria Jurídica Popular). Formadas por pessoas que não compartilham da mesma ânsia pelo capital, que pretendem realizar um trabalho popular, de facilitação do diálogo entre os “oprimidos” e a “política”. Trabalham diante da complexidade e sensibilidade, dedicando suas vidas – quase que desenvolvendo um “estilo de vida” próprio – na luta dos interesses dos “desprestigiados”.
            A AJUP, ilustrada de forma muito reducionista, é concebida principalmente sobre três frentes de atuação: assessoria jurídica de movimentos sociais, formação dos advogados e lideranças populares e produção literária.
            Quanto à assessoria jurídica popular atuante em movimentos sociais, o que ocorre não é a simples prestação de uma assistência jurídica (na resolução, jurídica, dos conflitos, colocando o grupo ofendido em situação de passividade – sujeito visto como objeto), e sim a atuação na organização dos movimentos sociais e na Educação Popular, como forma autêntica de sua libertação.
            Outra frente de atuação seria a formação dos advogados populares e líderes populares. O advogado popular deve ter conhecimentos técnicos, sem deixar de lado a compreensão dos movimentos sociais, a fim de alcançar a organização social do grupo assessorado, pois só de forma organizada, a coletividade oprimida resistirá às agressões do Direito (Estado); atuando no campo político, pressionando as Instituições estabelecidas, transformando a realidade, efetivando-se como sujeitos dignos e iguais. 
            A produção literária seria outra forma de desempenho dos trabalhos da AJUP, demonstrando-se fundamental nas delimitações de vulnerabilidades dos movimentos assistidos ou sistematizando as atividades, consequentemente, desenvolvendo-os. A publicação também tem a finalidade de denunciar as violações do Estado, preservar a memória e as lutas populares, bem como a conquista de direitos. Ou seja, é a tentativa de influenciar o Estado a adotar políticas públicas concretas reivindicadas pelos movimentos sociais.
            Assim, percebe-se que a Assessoria Jurídica Popular nasce para combater as relações de poder sobre uma maioria desfavorecida (por exemplo: EMPREGADOR contra empregado, HOMEM sobre a mulher, ou ainda, as discriminações ofertadas contra etnias ou classes sociais desfavorecidas), vigentes em um Estado desigual. Sendo necessário para o advogado popular o engajamento político e a negação ao conforto econômico para colocar seu conhecimento técnico à disposição das classes populares. Logo, pode-se pensar que o advogado popular é o próprio movimento social, não sendo função exclusiva de um Bacharel em Direito, inscrito na OAB, mas de qualquer pessoa que simpatiza com a causa e enfrenta tanta injustiça social presente na realidade brasileira.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

ESTAMOS BEM ARRUMADOS!

Raduan Nassar*

Foto: Instituto Moreira Sales
Ressalvadas exceções de ministros atuais respeitáveis, o STF - Supremo Tribunal Federal -está adormecido, dorminhoco, maculado por sinal pelo seu passado com o regime militar.
Tivesse o STF despertado da letargia, e o processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff não teria sido sequer instaurado, pela desqualificação de quem o conduz. E porque deveria sobretudo ter se detido no exame da tipificação do suposto crime de responsabilidade.
Uma pergunta: por que o mesmo tribunal não julgou até agora o presidente da Câmara dos Deputados? Está lá como réu desde janeiro do ano em curso... Daí que, ressalvadas as respeitáveis exceções, seria até o caso de se afirmar que o STF, que inclui alguns ministros apequenados, propiciou por “omissão” o golpe de domingo/17.04.2016, levado a cabo na Câmara, em grande parte, por uma quadrilha de cleptomaníacos.
Além disso, a Procuradoria Geral da República patrocina claramente pareceres partidarizados, dando cobertura inclusive às derrapagens de um judiciário de primeira instância. Arquivou quatro pedidos de investigação de um tucano, trazendo à lembrança o “engavetador geral da República” da era FHC.
Em maio próximo, assume a presidência do TSE -Tribunal Superior Eleitoral - o questionável e pedante ministro Gilmar Mendes... e, no próximo ano, o excelente Enrique Ricardo Lewandowsky será substituído na presidência do STF pela global Cármem Lúcia...
Estamos bem arrumados!
De fato, como é costume alegarem, ninguém está acima da lei, segundo a Constituição. Mas é preciso que se diga com todas as letras: a magistratura também não está acima da Lei.

* Para conhecer mais sobre o escritor acessar esta entrevista.


quinta-feira, 14 de abril de 2016

A linguagem como elemento determinante da assessoria jurídica popular

Hoje, a coluna AJP na Universidade mantém-se na discussão sobre o Teatro do Oprimido. As autoras, Alice Kelly de Meira Barros e Thays de Carvalho da Silva, ambas estudantes de direito da UFPR, em seu texto – produzido para a tópica “Assessoria Jurídica Popular” –, argumentam que as AJPs têm, no Teatro do Oprimido, importantes lições que devem ser seguidas. Entre elas, como ir além da linguagem jurídica cujos ornamentos impedem seu diálogo com o povo.

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A linguagem como elemento determinante da assessoria jurídica popular

Alice Kelly de Meira Barros
Thays de Carvalho da Silva

A assessoria jurídica popular muito tem a se espelhar na experiência do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal [1], cujos objetivos são, basicamente, a democratização dos meios de produção teatral, o acesso das camadas sociais menos favorecidas ao teatro e a transformação da realidade através do diálogo. Essas técnicas podem refletir positivamente na forma de abordagem dos assessorados.
Não se pode negar que, não raro, os juristas utilizam uma linguagem rebuscada, própria de sua área de atuação, quando dialogam com aqueles que se reportam à assessoria jurídica popular. Isso, no entanto, além de dificultar o enlace entre o mundo jurídico e a realidade dos assessorados, pode soar de forma coercitiva, impositiva e leva-los ao afastamento. É preciso, portanto, estabelecer um diálogo que utilize verbetes e sinais por eles conhecidos, de modo que seja possível uma verdadeira interação.

Assim como se pratica com os envolvidos no Teatro do Oprimido, também os assessorados devem ser estimulados a intervir nas propostas apresentadas pelos assessores jurídicos populares. Considerando que se está a tratar da realidade de uma comunidade, melhor contribuição não há que a dos que a constituem e que estão em contato direto com os problemas apresentados. A assessoria jurídica popular não pode, de maneira alguma, colocar-se como uma entidade superior, como instituição máxima do saber, eis que os protagonistas desse relacionamento devem ser, na verdade, os assessorados.
O Teatro do Oprimido propõe a construção de uma imagem real e uma imagem ideal, a fim de que se possa chegar à imagem de trânsito, que nada mais é do que "um agir de transição" [2]. Assim também pode agir a assessoria jurídica popular: requerer aos assessorados que façam uma exposição de sua realidade, com a totalidade de seus problemas, bem como que apontem como gostariam que, de fato, fosse essa realidade. Após, analisando o paralelo entre a imagem real e a imagem ideal, poderão traçar metas, visando à modificação da realidade concreta, de modo que se torne a realidade ideal almejada.
Outra ideia utilizada por Boal em seu Teatro, também deve ser considerada e adaptada à realidade da assessoria popular: dar abertura aos assessorados para que proponham e executem soluções para os seus problemas [3]. Certamente eles irão se deparar com dificuldades, porém, entenderão que por melhor que seja a ideia, há obstáculos para colocá-la em prática, eis que demanda tempo e articulação. Dessa forma, saberão lidar melhor com as demoras ocorridas ao longo do caminho e até mesmo com as eventuais derrotas. Se não houver essa proximidade com a realidade enfrentada pela assessoria jurídica popular, facilmente surgirão descontentamentos e desistências, permeados pelo descrédito à assessoria jurídica popular.
Um trabalho jurídico popular que leve em consideração as sugestões apresentadas, e que, consequentemente, permita que os assessorados saiam da posição de espectadores e se transformem em participantes de todo o processo de resolução de conflitos, cumpre seu papel fundamental que é, de fato, assessorar e não resolver unilateralmente os problemas apresentados. Uma assessoria jurídica popular não deve dar aos assessorados algo acabado, mas em construção.
Nesse sentido, é aconselhável que a assessoria jurídica popular trabalhe com três Frentes, essenciais para o desenvolvimento de um contexto social mais justo e igualitário, que são: a frente teórica, que realiza estudos acadêmicos, com o objetivo de ampliar o conhecimento, buscando novas formas jurídicas de pensamento; a de educação popular, que promove cursos e oficinas a fim de facilitar o conteúdo teórico para que as próprias comunidades carentes possam compreender o direito em que estão envolvidas; e a judicial, que pleiteia perante os três poderes a materialização das reivindicações das organizações populares, realizando assim, alguns trabalhos jurídicos [4].
Vale ressaltar que o foco da frente teórica é proporcionar um espaço mais aberto, diferente dos escritórios de advocacia tradicionais, considerando a informalidade, o tratamento igualitário e a ampla possibilidade de diálogo, independentemente de hierarquia, permitindo a produção teórica de novos pensamentos jurídicos, "seja como fornecedora de informações, seja como elemento pedagógico que atuaa na facilitação da compreensão do conflito, seja como interlocutora junto aos órgãos incumbidos de executar políticas públicas, e até como defensora na instancia judiciária", dando apoio à formação de um jurista mais ciente das questões sociais em xeque [5].
Nessas condições, conforme a proposta de aproximação, com as ideias do Teatro do Oprimido, resta demonstrado que o trabalho com a comunidade não pode somente se focar na frente jurídica, visto que a essência da assessoria jurídica é possibilitar a facilitação dos conteúdos legais para a população insurgente, utilizando-se, por exemplo, do teatro, que é uma ferramenta de trabalho social, político e ético e que auxilia na transformação da sociedade e do indivíduo em si, já que dá voz aqueles que não sabem de que forma se expressar, demonstrando suas dificuldades e objetivos.

[1] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
[2] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas, 1991, p. 144-147.
[3] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 139.
[4] RIBAS, Luiz Otavio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis: Curso de Pós-Graduaçào (Mestrado) em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. p,68.
[5] RIBAS. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000), 2009. p. 77.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Direito e conjuntura - Cenários possíveis com o fim da "Nova República"


No post anterior, a nova coluna "Direito e conjuntura" procurou traçar um panorama geral (bastante resumido, e por isso mesmo incompleto) da conjuntura política internacional e também nacional, buscando identificar a "essência" do "golpe de Estado de novo tipo" a partir da análise das forças sociais e políticas que confluíram para a edificação da estratégia golpista atualmente em curso no Brasil.

Neste post, a coluna faz um exercício de avaliação das condições jurídico-políticas da conjuntura brasileira no caso de uma eventual consumação do golpe midiático-jurídico-parlamentar. Para isso, busca elementos da história constitucional brasileira para avaliar possíveis desdobramentos que decorreriam do próprio caráter do golpe de Estado em curso. A hipótese aqui é de que as características de cada golpe definem as condições fundamentais do regime político instituído a partir de então.

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4. O "golpe de Estado de novo tipo", se consolidado, representará simbolicamente o fim da Constituição da "Nova República". Mas o que virá depois?
Diego Augusto Diehl

Em toda a história constitucional brasileira, a elaboração de novas Constituições ocorreu após um processo de deslegitimação da Constituição anterior, que tem sempre um ato ou momento simbólico de ruptura:
  • a Constituição Imperial de 1824 foi outorgada por D. Pedro I a partir de um golpe que fechou a Assembleia Constituinte em novembro de 1823;
  • a Constituição Republicana de 1891 foi produzida após o golpe militar que instituiu a República em 1889;
  • a Constituição social de 1934 foi promulgada após a dissolução da ordem constitucional anterior com a chamada “Revolução de 1930” encabeçada por Getúlio Vargas, que logo na sequencia, em 1937, rompeu com a ordem constitucional a partir do golpe do Estado Novo, e outorgou nova “lei fundamental” no mesmo ano;
  • a Constituição democrática de 1946 foi fruto do cenário geopolítico mundial instituído com o fim da 2ª Guerra Mundial no ano anterior, que contribuiu para o esgotamento das condições internas da ditadura do “Estado Novo”;
  • as Constituições ditatoriais de 1967 e 1969 foram outorgadas pelos militares após a ruptura com a ordem constitucional em virtude do golpe de 1º de abril de 1964;
  • a Constituição da “Nova República”, promulgada em 1988, foi o produto do grande “pacto de classes” materializado em 1985 na eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney (que não deixou de ser um “golpe”, neste caso contra o movimento das “Diretas Já”).

Desde essa perspectiva histórica talvez seja mais fácil perceber que não se trata de mero “exagero” falar no fim da CF/1988 no caso de o impeachment da Presidenta da República ocorrer neste momento, sem a presença de crime de responsabilidade cometido em mandato atual, vindo portanto a romper com os preceitos estabelecidos pela Constituição vigente. O golpe midiático-jurídico-parlamentar, se ocorrer, representará mais um momento de ruptura institucional na história do Brasil, e há que se compreender que o próprio sentido social, político e ideológico de cada uma dessas rupturas que ocorreram ao longo da história brasileira ditaram as características do novo regime que viria a seguir: de um golpe republicano produziu-se o regime republicano liberal da “República Velha”; de um golpe fascista produziu-se talvez a mais violenta ditadura que o Brasil já viu no chamado “Estado Novo”; de um golpe encabeçado pelos militares surgiu uma ditadura militar.

O que viria após um golpe midiático-jurídico-parlamentar, que é o que se está gestando hoje? Muito provavelmente, uma ditadura da mídia dominante (reconciliada com o governo e muito bem remunerada por isso, responsável pelo linchamento moral da esquerda e pela definição da agenda política e jurídica nacional), combinada com uma espécie de “ditadura judicial” (na qual tudo e todos estão constantemente sob suspeição e ameaçados por grampos, prisões preventivas repentinas ou “delações premiadas” vindas sabe-se lá de onde), e sacramentada por uma ditadura parlamentar (que buscará elaborar uma nova Constituição anti-democrática e anti-povo sem qualquer tipo de convocação do poder constituinte originário, apenas por meio de emendas à Constituição da “Nova República”, já tão “remendada” após tantos anos de neoliberalismo...).

Estes 3 braços bem articulados conseguiriam promover a criminalização da esquerda, dos movimentos sociais, do povo pobre; a perseguição da imprensa livre e independente do grande poder econômico (sob a pecha pejorativa de “blogueiros sujos”); o acobertamento de ações violentas contra a militância social (o que em outros países latinoamericanos é denominado “guerra suja”); a imposição no plano da cultura e dos costumes de uma agenda neoconservadora ditada pelos grupos evangélicos mais reacionários; entre outras tantas consequencias que quiçá hoje não seja possível de se imaginar, dado que o caráter de ruptura institucional leva à conformação de um novo bloco de forças políticas que pode, assim como ocorrera na ditadura empresarial-militar brasileira, assumir uma lógica própria de funcionamento que acaba saindo de toda forma de controle, de toda dimensão de previsibilidade.

É importante que se lembre que, em 1964, a ruptura jurídico-constitucional promovida pelos militares foi defendida pela mídia hegemônica sob o argumento de que muito rapidamente os civis retornariam ao poder, e a democracia e a ordem constitucional seriam restabelecidas no Brasil. Tudo se tratava de enfrentar o “mal maior” que era a suposta “ameaça comunista”, e contra ela qualquer “mal menor” seria admissível, inclusive a retirada do Presidente da República democraticamente eleito por meios que estavam fora dos preceitos da Constituição vigente. O resultado foi a potencialização de uma determinada corporação profissional (os militares), que acabou ganhando força própria e permaneceu no poder até 1985.

Hoje a tragédia se repete como “farsa”. A tragédia que fora a truculência dos “gorilas” é hoje a “farsa” da nova corporação escolhida pelas classes dominantes para legitimar o golpe: a corporação dos juristas, que vai sendo potencializada e começa a ganhar força própria na sociedade por meio de ferramentas de mobilização social que buscamos identificar em nosso post anterior. Como resultado, essa “corporação” pode também “fugir do controle” das elites dominantes, do mesmo modo como ocorrera no período anterior com os militares. O resultado, nesse caso, seria o fortalecimento dessa espécie de “ditadura judicial”, arbitrada pelo Poder Judiciário e tendo na vanguarda instituições como o Ministério Público e as Polícias Federal, Civis e Militares.

Esse novo tipo de ditadura corresponde a um Estado policialesco, que criminaliza e judicializa a política, cerceia de forma sistemática a atuação dos Parlamentos e da Administração Pública, ignora ou flexibiliza direitos e garantias fundamentais construídos no Ocidente nos últimos 3 séculos (presunção de inocência, direito a intimidade e privacidade, direito de defesa etc), aplica (ou não aplica) sanções jurídicas de forma seletiva para diferentes tipos de conflitos sociais (criminalizando militantes como “terroristas” por um lado, e deixando de apurar casos de violência contra integrantes de movimentos sociais e partidos de esquerda por outro) etc. O cenário em termos ideológicos numa tal conjuntura é de ascenso do fascismo e do ódio contra a esquerda, contra os movimentos sociais, contra os pobres e contra as diversas minorias sociais.

É importante que se compreenda que ainda que tal cenário preocupe sobretudo a estes grupos, também as elites dominantes temem “perder o controle” do processo, podendo vir a ser vitimizada no futuro por essa corporação de juristas empoderados. O exemplo que a “Operação Lava Jato” oferece quanto aos maiores empreiteiros do país pode ser tido como um aviso do que pode vir a ocorrer com muitos outros setores da burguesia brasileira (ainda que não chegue nem perto das atrocidades que se virá a promover contra a militância de esquerda, os pobres etc.).

Em termos constitucionais, o cenário que se desenha no contexto de um golpe bem sucedido é portanto o da flexibilização dos direitos e das garantias constitucionais. Isso pode se dar tanto pela dissolução oficial da Constituição da “Nova República” (tida pelos setores neoliberais como "excessiva" no plano do reconhecimento de direitos trabalhistas e sociais), como pode se dar também pela manutenção estritamente simbólica dessa mesma Constituição mas com a aprovação de um conjunto de emendas constitucionais desfiguradoras, ou mesmo a instituição de uma série de burlas às regras constitucionais estabelecidas (como é o caso das reformas trabalhistas que se pretende implementar a partir da ideia da “autonomia negocial” das categorias profissionais). O resultado em ambos os cenários é no entanto o mesmo: aquele conjunto de direitos e garantias fundamentais da CF/1988, já difíceis de se implementar hoje, deixariam de ter exigibilidade jurídica. Na prática, teríamos uma nova Constituição neoliberal, com muito menos direitos e garantias, submetidas ainda, sistematicamente, a “interpretações” desfigurantes por parte das instituições jurídicas em geral.

O caso europeu também nos ensina que o capitalismo contemporâneo encontrou novos meios jurídicos para passar por cima dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos nas Constituições nacionais: por meio do chamado “direito comunitário” estebelecido pela União Europeia, as decisões da tecnocracia instituída pela “troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) tem mais força jurídica que as decisões das autoridades nacionais e mesmo que a manifestação direta dos cidadãos (vide o caso do referendo grego contra o pagamento da dívida externa). Esse caso, associado a novas formas jurídicas supra-estatais estabelecidas pelas empresas transnacionais e seus “Estados clientes” (caso da lex mercatória) levam ao atual contexto de crise do constitucionalismo moderno. O capitalismo flexível impulsionado hoje busca por diversos modos a dissolução das barreiras jurídicas estabelecidas pelo constitucionalismo desde o séc. XIX para a proteção da classe-que-vive-do-trabalho.

Independente dos modos jurídico-políticos que possam vir a ser assumidos no Brasil para passar por cima dos direitos e garantias fundamentais no caso de um golpe bem sucedido, o que parece claro é que tais medidas têm como principal objetivo resgatar as taxas de lucro dos capitalistas por meio do aumento do desemprego, da redução progressiva do salário mínimo, do corte de diversos direitos trabalhistas (férias, 13º salário, horas extras, jornada de trabalho definida etc), do ataque aos direitos sociais (privatização gradual do SUS e do INSS, precarização ainda maior na educação pública, estrangulamento das políticas sociais, afetando sobretudo os programas de transferência de renda etc), dos cortes orçamentários e congelamento da máquina pública, do enxugamento do Estado por meio de novas rodadas de privatizações, da entrega do petróleo a empresas transnacionais estadunidenses e europeias, entre muitas outras medidas que passariam a ser viabilizadas desde o Poder Executivo e também desde o Parlamento (mais reacionário desde 1964), no caso de um novo governo Temer-Cunha.

Esse cenário de “terra arrasada” não é nem um pouco exagerado (na verdade o “pacote de maldades” aqui citado é apenas exemplificativo), e já tem sido anunciado há tempos pelos diversos representantes das forças golpistas. Quem pensa (como muitos companheiros e companheiras da militância de esquerda) que, do ponto de vista da classe-que-vive-do-trabalho, do povo brasileiro, não haveria grandes diferenças entre um governo Dilma-Lula (no caso de o golpe fracassar) e um governo Temer-Cunha (no caso de o golpe de fato ocorrer) simplesmente não entende nada do que está ocorrendo no Brasil e no mundo neste momento histórico. E infelizmente acabará se tornando também vítima da ascensão do fascismo e do ódio que contamina nossa sociedade hoje. Nesse caso, seu pecado no atual momento histórico terá sido o de haver “lavado as mãos” na batalha do impeachment que está sendo travada nesta semana decisiva (mas ainda não definitiva).

Essa é uma questão que deixaremos para discutir no post final desta análise, que procurará pensar sobre o papel histórico da AJP no atual momento que vivemos no Brasil.

5. E aí, AJP: vai ter golpe ou vai ter luta?

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Direito e conjuntura - A conjuntura política internacional e nacional no contexto do golpe brasileiro


Na 3ª parte do artigo de Diego Diehl intitulado "O Brasil à beira de um golpe de Estado de novo tipo", são analisados alguns elementos centrais da conjuntura geopolítica internacional, e também da conjuntura brasileira que evidenciam um pouco da "essência" dos interesses de classe que movimentam a atual escalada golpista no nosso país. Essas forças golpistas buscam utilizar o Direito como ferramenta de legitimação do golpe midiático-jurídico-parlamentar, como foi visto na parte 2.



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3. Da aparência à essência do “golpe de Estado de novo tipo”: a conjuntura política que movimenta as instituições jurídico-políticas


Qualquer tentativa de analisar a conjuntura da crise brasileira atual que não tome como ponto de partida o cenário geopolítico internacional se equivoca tremendamente (em sua “dialética social do direito”, Lyra Filho falava na “sociedade internacional” como ponto de partida para qualquer análise sócio-jurídica). O Brasil está longe de ser o “país campeão da corrupção” como a narrativa conservadora procura afirmar, ainda que saibamos que o capitalismo brasileiro (como toda formação social capitalista) é marcado de forma estrutural pela “corrupção” (que nada mais é que a violação das normas jurídicas em prol de benefícios pessoais, quase sempre de caráter econômico). É da geopolítica internacional e de sua conjuntura atual que temos necessariamente que partir para compreender a crise brasileira.


3.1. A conjuntura política internacional: reascenso da China, decadência dos EUA e o início da “guerra fria 2.0”


Com a eleição de Lula em 2003, o Brasil começa um lento movimento de (relativo) afastamento da influência geopolítica dos EUA e busca formatar novas parcerias geopolíticas como player autônomo no cenário mundial. O mundo vive hoje o avassalador retorno da maior potência civilizacional da história da Humanidade: a China, civilização mais poderosa dos últimos 3000 anos e que apenas foi submetida a um período de dependência pelos “ocidentais” nos últimos 200 anos. Ao mesmo tempo, vemos hoje a crise – e quiçá a decadência – cada vez mais profunda (em termos econômicos, políticos, ideológicos, culturais etc) da maior potência bélica da história: os EUA.


Na nova inserção internacional do capitalismo brasileiro a partir de 2003, o Brasil volta-se à China, África e América Latina, e isso se reflete na formação dos BRICS. O papel do Brasil nos BRICS tem sido formatado como fornecedor de commodities (basicamente petróleo do pré-sal, minérios, grãos, celulose, carne etc) sobretudo ao capitalismo de Estado da China, o que se reflete em diversos projetos de infra-estrutura que foram financiados pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), em rodadas de concessões e realização de PPPs (parcerias público-privadas) que vão entregando o controle de setores estratégicos da economia brasileira ao capital chinês, substituindo a dependência dos EUA por um novo tipo de dependência (cujas características estão ainda em processo de discussão e não serão analisadas neste texto).


Muitos analistas internacionais (Pepe Escobar por exemplo) já falam em uma “Guerra Fria 2.0”, que será muito mais difícil para o capitalismo ocidental pois agora o “outro lado” é mais estruturado e dinâmico que a antiga União Soviética: a China realizou nos últimos 30 anos as 3 etapas da Revolução Industrial (mecânica, química e informacional) de uma só vez, configurando-se atualmente como a “fábrica do mundo” (crescendo 14% ao ano e reduzindo agora seu crescimento a “apenas” 7%, de forma planejada sob a indução estatal); a Rússia se reunificou em torno de um projeto nacionalista e se vale de todo o poderio bélico da ex-URRS para fazer frente aos EUA como “polícia do mundo” (basta ver os casos da Ucrânia e agora da Síria); o Irã constituiu um nacionalismo islâmico que se mostra como alternativa aos povos árabes diante da política estadunidense de “dividir para dominar”; a Índia afasta-se paulatinamente da influência geopolítica “ocidental” a partir de um projeto também nacionalista que começa a estabelecer parcerias estratégicas com a China; os chamados “governos progressistas” na América Latina se aproximam deste novo bloco geopolítico que emerge no início do séc. XXI.


Nesse cenário, o papel do Brasil e da América Latina em geral é colocado como de grande fornecedor de matérias-primas básicas para as potências hegemônicas que disputam o controle do mundo. Por isso, é de total interesse dos EUA que o Brasil reverta sua orientação geopolítica atual, realinhando-se à velha dependência que marcou desde sempre (1500, ou 1492) a nossa existência enquanto nação colonizada, voltando a ser fornecedora preferencial de commodities às empresas transnacionais do bloco ocidental, dirigido pelos EUA.


No entanto essa mudança de orientação não pode mais se dar por meio de golpes militares como ocorrera no período anterior em toda a América Latina. Os militares saíram de cena e o “golpe de Estado de novo tipo” depende agora de uma outra “corporação” para a sua legitimação: essa corporação é a dos juristas, e o argumento jurídico utilizado é o “combate à corrupção”. Para isso, o Departamento de Estado dos EUA e alguns dos principais think tanks do pensamento jurídico estadunidense (com destaque para a Harvard Law School) realizam cursos, promovem “consultorias” e atuam no sentido de formatar o sistema jurídico brasileiro (normas jurídicas, instituições, formação de agentes etc) para o “combate à corrupção”. São públicas e já conhecidas as informações sobre as parcerias do MPF com as autoridades estadunidenses; que juízes como Sérgio Moro realizaram cursos de formação ofertados por estes centros etc.


Com isso os interesses geopolíticos dos EUA são introduzidos no "campo jurídico" dos países dependentes. A colonialidade do poder e do saber jurídico, no caso do Direito brasileiro, se configuram hoje por meio do seu alinhamento com instituições jurídicas do modelo estadunidense, sobretudo em campos como o Direito Constitucional (praticamente adotando hoje – de forma anti-democrática – o modelo de construção jurisprudencial do Direito por meio do controle de constitucionalidade) e o Direito Penal (que assimilará figuras como o “terrorismo” enquanto tipo penal, instituirá as “delações premiadas”, acordos de leniência de empresas etc). Ademais, o “realismo jurídico” estadunidense ensinará aos juristas brasileiros sobre a necessidade de contato da atuação das instituições jurídicas com a “opinião pública”, para que suas ações de “combate à corrupção” tenham êxito. Isso exige a mobilização (por partes dessas instituições jurídicas e de seus agentes) de redes sociais (fator que se tornou importante desde junho de 2013, como veremos adiante), além de uma atuação em simbiose com a mídia hegemônica, que é o ator central do golpe.


Como foi dito anteriormente, o “golpe de Estado de novo tipo” é um golpe midiático-jurídico-parlamentar. É portanto em primeiríssimo lugar um golpe midiático, pois quem contrói a agenda de legitimação da atuação das instituições jurídico-políticas é a mídia dominante (aquilo que se convencionou chamar de “Partido da Imprensa Golpista” - PiG, alinhado aos interesses geopolíticos dos EUA). Esta mantém uma relação promíscua com órgãos e agentes de Estado, que promovem vazamentos seletivos de informações que vão construindo uma agenda de denúncias que vai minando sistematicamente as bases de apoio do governo, liquidando reputações, legitimando prisões preventivas inconstitucionais, que são utilizadas como elemento de coação psicológica para a realização de “delações premiadas”. Estas, por sua vez, são tomadas como “verdades em si” e argumentos jurídicos suficientes para sustentar acusações que visam dar sustentação legal ao impeachment.


Quem promove portanto internamente, perante a sociedade nacional, o “golpe de Estado de novo tipo” no plano ideológico e de conformação dessa agenda política é a mídia burguesa (em especial a Rede Globo). Os juristas (sobretudo da Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário, e agora também a OAB) contribuem com os argumentos jurídicos que pretendem conferir legitimidade jurídica ao “golpe de Estado de novo tipo”. E os parlamentares valem-se da atuação da mídia e dos argumentos construídos pelos juristas para sacramentar um impeachment já decidido de antemão, mas que precisava de fundamentos jurídicos sólidos para não ser considerado como um golpe de Estado.


Nesse cenário, o Direito se torna a arena central de disputa quanto ao caráter golpista ou constitucional do processo de impeachment em curso. De fato, se houvesse argumentos jurídicos suficientes, não poderíamos denominar o processo em curso como um golpe. Porém, como não há crime de responsabilidade configurado, e como as garantias constitucionais não estão sendo respeitadas neste processo, já podemos dizer de antemão que estamos diante de um “golpe de Estado de novo tipo”, cujas condições sociais internas passaram a ser viabilizadas a partir de junho de 2013.


3.2. A conjuntura política nacional: a implosão da “Nova República” desde junho de 2013 até o processo de impeachment de 2016


As mobilizações de junho de 2013 lançaram o Brasil num novo patamar da luta de classes, colocando em crise um conjunto de fatores que estruturavam o grande consenso das elites brasileiras e que estava materializado na “Nova República”, arquitetada pelas classes dominantes como resultado de uma transição “lenta, segura e gradual” em relação à ditadura empresarial-militar. É preciso em primeiro lugar compreender a arquitetura política (e também jurídica) da “Nova República” para entender então o caráter da crise brasileira atual.


O período ditatorial (1964-1985) teve o papel de atualizar o padrão de dependência da economia e da sociedade brasileira ao imperalismo estadunidense, liquidando com a tentativa de desenvolvimento autônomo de um capitalismo nacional baseado na reforma agrária, no aumento da massa salarial (consolidando um mercado de consumo de massa), na contenção das remessas de lucros ao exterior e no impulso à industrialização e à modernização do Estado brasileiro (que estava em pleno processo de estruturação no governo João Goulart, por meio de seu Ministro do Planejamento, o professor Celso Furtado). Em lugar deste projeto (que nada tinha de “comunista”, como se percebe) foi instituída uma “modernização conservadora”, que apostou na indústria de base (sobretudo petrolífera), no impulso do agronegócio, na financeirização da economia e na atração de multinacionais para o Brasil a partir de benefícios fiscais e da baixa remuneração dos trabalhadores brasileiros (o conceito de “superexploração” de Rui Mauro Marini).


No plano ideológico, a legitimação da ditadura se deu por meio da formação de um grande conglomerado privado de comunicações que funcionava na prática como canal de televisão oficial do governo militar: a Rede Globo de Televisão foi estruturada como uma grande rede nacional a partir de benefícios fiscais concedidos pelo governo, empréstimos a juros favoráveis, concessões não onerosas, ocupações irregulares (porém toleradas) de terrenos públicos e uso não remunerado de antenas e transmissores do sistema nacional de telecomunicações. Com isso, a ditadura promovia não apenas a legitimação do regime, mas também a integração nacional a partir da construção de uma narrativa unificada, ditada por Roberto Marinho.


No entanto, na perspectiva das elites dominantes, mais cedo ou mais tarde os militares teriam que sair de cena e uma nova ordem jurídico-constitucional teria que ser estruturada, sob a direção dos partidos da oposição civil burguesa à ditadura. Essa direção foi dada pelo único partido político de oposição reconhecido pelo governo ditatorial: o MDB, que reuniu diversos caudilhos liberais dos Estados brasileiros em torno de uma complexa federação partidária, sob a direção de grupos distintos como o de Ulysses Guimarães, o de Tancredo Neves, o de Orestes Quercia, além de setores que aderiam ao MDB no fim da ditadura, provenientes do partido oficial do regime (a ARENA, de onde migrou José Sarney e seu grupo político).


A “Nova República”, iniciada em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney para a Presidência e Vice-Presidência da República, tinha os seguintes compromissos fundamentais: convocação de uma assembleia constituinte para a estruturação de um novo sistema constitucional tido como democrático pela sociedade nacional e internacional; garantia da manutenção de compromissos assumidos pela ditadura e de seus interesses por meio da manutenção de Ministros nomeados pela ditadura em postos-chave do Poder Judiciário, dos chamados “Senadores biônicos” e outras fórmulas artificiais estabelecidas pelos militares como condição para “retornar aos quartéis”; manutenção do monopólio das telecomunicações como forma de garantia dos interesses dessas classes dominantes no plano ideológico, sobretudo em virtude dos perigos trazidos pelo reascenso das lutas populares representada pelas greves operárias do ABC paulista, pelo renascimento do movimento camponês e pelo fortalecimento do movimento popular, da teologia da libertação e das comunidades eclesiais de base.


A chamada “Constituição Cidadã” de Ulysses Guimarães é portanto o grande pacto jurídico-político fundamental que estrutura as bases da “Nova República”. Por mais que seja, em toda a história constitucional brasileira, uma das leis fundamentais mais democráticas, legítimas e progressistas que já se teve, a CF/1988 traz consigo todas as contradições do contexto da “Nova República”, que teve e segue tendo hoje como partido dirigente o PMDB. Desde o início da “Nova República”, os 2 únicos momentos em que o PMDB não foi governo no plano federal foram no período Collor (que terminou com o impeachment) e nos 2 primeiros anos do governo Lula (que só não terminou em impeachment na famosa “crise do mensalão” porque, para sobreviver, Lula negociou a entrada do PMDB no governo, trocando cargos e verbas públicas em Ministérios e empresas estatais em troca de apoio político no Congresso Nacional).


Desde o fim da crise política do “Mensalão” (com a entrada do PMDB no governo) e a reeleição de Lula em 2006, parecia que o clima de estabilidade política seria duradouro. O Brasil viveu nesse período sua efêmera “era de ouro”, com a implementação do PAC, a alta do preço das commodities no mercado internacional, o forte crescimento do PIB (puxado sobretudo pelo consumo interno, especialmente no contexto da rápida recuperação em relação à crise econômica de 2008) etc. Porém rapidamente o cenário começa a mudar, e o momento simbólico que inicia o processo de corrosão das bases políticas da “Nova República” será, sem sombra de dúvidas, as mobilizações de junho de 2013.


As jornadas de junho de 2013 começaram como pequenas mobilizações da chamada “oposição de esquerda”, além da esquerda anarquista e autonomista. Enquanto a oposição de esquerda (sobretudo PSOL e PSTU) impulsionava as mobilizações contra os gastos promovidos pelo governo federal com megaeventos como a Copa das Confederações (dentro dos Comitês Populares da Copa), o movimento anarquista e autonomista impulsionava os protestos contra os aumentos de passagens de ônibus por meio do Movimento Passe Livre (MPL). Como os aumentos de tarifas ocorreram em praticamente todas as capitais brasileiras no início de junho de 2013, ambas as lutas acabaram confluindo num momento em que o Brasil se tornava o centro das atenções na imprensa internacional em virtude do início da Copa das Confederações.


Apesar de significativas, as mobilizações não eram no entanto massivas nesse primeiro momento. A mídia dominante, como sempre, tratava de rotular a militância como “baderneira” e se posicionava contra os protestos. No entanto, como que num “passe de mágica”, de um dia para outro 2 novos fatores surgem e serão decisivos para a grande mobilização que viria em seguida: 1º o surgimento de novas pautas que passaram a mobilizar sobretudo setores da juventude de classe média e da pequena burguesia, chegando até alguns setores da juventude beneficiada por programas como o PROUNI, mobilizados às ruas por pautas ligadas ao combate à corrupção (sobretudo uma misteriosa “PEC 37”, sobre a qual voltarei na sequência); e 2º uma mudança de atitude da mídia, que passou a apoiar as manifestações e a realizar coberturas abrangentes, em tempo real, buscando estimular a participação da juventude e direcionar sua revolta contra o governo federal.


Esse novo momento é aquele que produziu toda a massificação das “jornadas de junho”, e é o momento mais conhecido desse processo. Quem esteve nas ruas neste período sabe bem que a mobilização estava longe de ter um conjunto definido de bandeiras de luta, um programa de reivindicações ou qualquer liderança que tivesse a legitimidade para negociar pautas que representassem resultados concretos daquelas manifestações. Junho de 2013 foi um momento de catarse da juventude brasileira, insatisfeita com os avanços insuficientes ocorridos no Brasil no período “lulista”, porém sem uma consciência política e histórica formadas para além dos discursos convencionais da mídia e das redes sociais.


Um ator que pode ser considerado decisivo para a mobilização da juventude em junho de 2013, mas que até hoje não havia sido devidamente caracterizado como força política, como “fator real de poder” que emergiu no atual período histórico, é o Ministério Público. É notório a todos aqueles que participaram das jornadas de junho de 2013 que pautas até então completamente desconhecidas, como a famigerada “PEC 37” (que pretendia retirar os poderes constitucionais de investigação criminal do Ministério Público), levaram uma grande quantidade de jovens da classe média às ruas mobilizada pelo tema do “combate à corrupção”. Como isso foi possível?


Certamente, tal agenda não foi estabelecida por “geração espontânea”. Ainda há que se confirmar os modos como tal processo se deu, mas parece cada vez mais forte a evidência de que grupos internos do Ministério Público (e especialmente do Ministerio Público Federal), passaram a construir ferramentas de mobilização política e instituição de redes de influência, de modo que suas agendas corporativas próprias passassem a reverberar na sociedade. E a principal ferramenta de mobilização utilizada foram as redes sociais. Como resultado, a PEC 37 foi imediatamente arquivada no Congresso Nacional, e o Ministério Público compreendeu que a mobilização da “opinião pública” era uma ferramenta fundamental que deveria ser explorada de forma concomitante às ações jurídicas propriamente ditas (algo que nós da AJP já sabemos há muito tempo e fazemos a partir das mobilizações dos movimentos sociais).


Diante da crise de junho de 2013, a presidenta Dilma Roussef veio a público com 5 propostas para atender uma pequena mas importante parte das reivindicações das ruas. Uma delas, certamente a mais estrutural e estratégica de todas, era a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a realização de uma profunda reforma política, dado que a CF/1988 (não por acaso) atribui de forma exclusiva ao Congresso Nacional a competência normativa sobre o tema. O resultado foi que, em menos de 24 horas, diante das pressões e chantagens do PMDB (sobretudo o ultimato do vice-presidente Michel Temer), a proposta teve que ser descartada, pois afetava de forma estrutural as bases políticas da “Nova República”.


Diferente portanto de análises que afirmam que junho de 2013 representou uma crítica ao “lulismo”, na verdade essas mobilizações colocaram na agenda política nacional algo muito mais profundo: trata-se da dissolução dos elementos estruturais da chamada “Nova República”. Diferente do que muitos analistas acreditam, a “Nova República” não se refere apenas àquele período de transição até um novo regime constitucional caracterizado pelo governo Sarney. A “Nova República” iniciada em 1985 perdura até hoje, e são seus fundamentos centrais que estão em crise desde junho de 2013.


A “Nova República” estabeleceu seus fundamentos na CF/1988, sendo alguns de seus elementos centrais:


  • a manutenção de uma economia capitalista, garantida pelas instituições jurídico-políticas que protegem a propriedade privada e monopolista dos meios de produção;
  • a manutenção de uma economia dependente, impedindo que o Estado atuasse de forma direta em determinados setores da economia nacional, como fizera anteriormente Getúlio Vargas ao criar empresas estatais estratégicas (como a Petrobrás, CSN, Fábrica Nacional de Motores etc). Tudo o que a CF/88 autoriza é o papel “regulamentador” ou “fiscalizador” do Estado, mas que não pode “competir” em atividades econômicas pois isto geraria “desequilíbrios” (segundo os economistas neoliberais) na economia nacional. Com isso, o principal agente de promoção do desenvolvimento econômico numa economia dependente como o Brasil, que é o próprio Estado, passou a ser proibido de se valer de diversas ferramentas de atuação, condenando o Brasil a passar por um lento mas sistemático processo de desindustrialização desde o início da “Nova República”;
  • a manutenção dos privilégios corporativos atribuídos a instituições provenientes da ditadura e que não passaram por processos internos de democratização, como o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal, as Polícias Civis e Militares, as Forças Armadas etc. Essa medida resultou numa espécie de “pacto” destas instituições com as forças políticas dominantes, que puderam governar o país durante todo o período seguinte sem serem acossadas por investigações, denúncias e responsabilização jurídica por irregularidades que ocorrem de forma estrutural em todos os âmbitos da Administração Pública (municipal, estadual, distrital e federal);
  • A instituição de uma democracia de “baixa intensidade”, limitada quase que exclusivamente à representação política e à competição entre os partidos políticos sem qualquer limite estabelecido à influência do poder econômico e midiático nas eleições;
  • A manutenção do oligopólio dos meios de comunicação;
  • A afirmação de um conjunto amplo de direitos fundamentais para legitimar a Constituição da "Nova República", mas que não confere ferramentas institucionais para “tirá-los do papel” (ex: o direito a reforma agrária existe na CF88, mas não pode ser realizado pois há o dever de indenizar os proprietários, o que inviabiliza a política pública no plano orçamentário).


Muitos outros elementos poderiam ser destacados como estruturantes da Constituição da “Nova República”, cujas contradições decorrem de suas próprias bases políticas, que se encontram atualmente numa crise que, muito provavelmente, é terminal. Qualquer que seja o desfecho da atual crise brasileira, é certo que aquele grande “consenso social” que estruturara a “Nova República” (da qual também participaram os trabalhadores, gostemos disso ou não) está esgotado, e seu resultado será, de uma forma ou de outra, o fim da Constitução da “Nova República”. Vejamos brevemente as razões dessa conclusão:


  • caso o impeachment seja derrotado, a maior parte do PMDB se encontrará na oposição ao governo Dilma e seguirá atuando junto com as forças sociais e políticas golpistas para desgastar o governo e o PT com o intuito de formar um novo bloco político de orientação neoliberal, com vistas a vencer a próxima eleição presidencial e com isso implementar um conjunto de medidas neoliberais que representam, na prática, o fim da maior parte dos direitos e garantias fundamentais da CF/88 (que são elementos do pacto de classes instaurado pela “Nova República”);
  • caso o impeachment ocorra, simbolicamente ter-se-á o golpe definitivo contra a CF/88, e a implementação imediata desse conjunto de medidas neoliberais que representam, na prática, o fim de tais direitos e garantias fundamentais.


Dado que a classe trabalhadora brasileira (que bem ou mal foi representada durante todo o período da “Nova República” por Lula e pelo PT) dá sinais de que não aceitará a destruição deste conjunto de direitos e garantias fundamentais que lhe atraíram para o “pacto de classes” instaurado pela “Nova República”, o resultado é que neste momento, taticamente, sua atuação ocorrerá no sentido de exigir a manutenção destes direitos previstos na CF/1988. No entanto, assim como tal Carta já não mais interessa ao principal partido da “Nova República” (o PMDB), tampouco interessará à massa trabalhadora no longo prazo a manutenção de suas bases fundamentais, por seus próprios limites estruturais. E isso se torna mais evidente a partir do momento em que os movimentos sociais defendem a realização de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política, ou agora com propostas que começam a ganhar força de convocação de uma nova Assembleia Constituinte geral, que proporcione romper com as amarras sob as quais estávamos submetidos até então.


É evidente que existem muitos riscos no processo que está em curso neste momento. O fim da Constituição da “Nova República” pode levar a uma nova conformação social, jurídica e política que não é necessariamente melhor que as condições que tínhamos até este momento. No entanto, de nada adianta neste momento se lamentar ou defender um "pacto social" que se esgotou. No atual momento de crise, todas as “ilusões constitucionalistas” (lembrando o termo utilizado por Lenin) terão que ser deixadas de lado. Direito é “política concentrada”, e são os cenários políticos da luta de classes que devem ser analisados.


É o que pretendemos fazer no próximo post:


4. O "golpe de Estado de novo tipo", se consolidado, representará simbolicamente o fim da Constituição da "Nova República". Mas o que virá depois?


5. E aí, AJP: vai ter golpe ou vai ter luta?

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Teatro do Oprimido e Assessoria Jurídica Popular: duas maneiras alternativas de ver e tocar a realidade

Na coluna AJP na Universidade desta semana, lemos o texto de Ana Cristina Follmann, graduada em direito na UFPR. Nessa contribuição, que foi escrita para a tópica “Assessoria Jurídica Popular”, continuamos debatendo a temática do Teatro do Oprimido, mas, desta vez, com um enfoque que tenta aproximar e apontar as semelhanças entre a proposta de Augusto Boal e das Assessorias Jurídicas Populares: em especial na busca da libertação por meio da ação dialógica.

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Teatro do Oprimido e Assessoria Jurídica Popular: duas maneiras alternativas de ver e tocar a realidade

Ana Cristina Follmann

Metodologia desenvolvida por Augusto Boal no início da segunda metade do século XX, o Teatro do Oprimido busca utilizar-se da arte para trazer à tona discussões e trabalhos políticos e sociais, procurando atuar como ferramenta da transformação social.
Das pesquisas teatrais realizadas durante seu exílio consequente do regime militar que assolava o país, Augusto Boal procurou desenvolver uma espécie de teatro em que se desse a transformação do espectador em sujeito ativo, para que assim aquele pudesse passar do papel de consumidor do bem cultural para o de produtor de cultura.
Estimula, portanto, "a troca de experiências entre atores e espectadores, através da intervenção direta na ação teatral, buscando a análise e a compreensão da estrutura representada e a busca de meios concretos para ações efetivas que levem á transformação daquela realidade"' [1].


A partir de situações construídas com base em problemáticas vivenciadas por grupos socialmente oprimidos, o expectador-ator deve, a partir de suas experiências e da realidade observada e vivida, apresentar soluções.
Desta maneira, o teatrólogo inovou na maneira de se ver e de se fazer teatro, transformando indivíduos em sujeitos ativos que possuem a capacidade de repensar seu papel como cidadãos, tomando-se sujeitos em busca da justiça social.
 
O Teatro do Oprimido é uma poética para liberação. Todos estão livres para experimentar as mais diversas possibilidades dramáticas. Mas não se esgota na dramaturgia. O TO, em todas as suas formas, busca sempre a transformação da sociedade para a libertação dos oprimidos. [2]

Pode-se concluir que nada mais é do que educação popular, encorajando o sujeito a assumir posicionamentos e promover ações sobre o meio no qual se insere, visto como um "ensaio geral da Revolução, devendo terminar sempre na construção de um modelo de ação futura". [3]
A Assessoria Jurídica Popular, por sua vez, procura se inserir em novos espaços, principalmente aqueles que foram renegados, ao longo do tempo, aqueles que se vem à margem do direito: do sistema jurídico e da tutela de seus próprios direitos. Estes, portanto, são os oprimidos.
Ao se inserir, porém, aqueles que estão promovendo a Assessoria Jurídica Popular não procuram simplesmente dar soluções, levar respostas prontas, mas perceber a realidade daquele espaço, ouvir e não somente ensinar, mas aprender.

"A assessoria contra a massificação e a dominação concebe que o trabalho popular é uma arte de lidar com gente, não uma ciência, que se aprende com a prática. Como vícios próprios da massificação elege para elucidação: despersonalizar e descaracterizar a demanda popular, em nome do aparelhismo do partido, da igreja ou da classe (...)" [4]

Desta forma, promove-se a troca de conhecimentos, sem imposições, permitindo que a comunidade exponha suas demandas e seja possibilitada a solucioná-las.
Deve-se ter claro que o militante deve estar imbuído no "respeito para com as populações imersas nos processos sociais que se deseja estudar", o qual "se expressa particularmente através da devolução do conhecimento aos setores-chave da classe popular (...) devolver às massas com maior clareza e de forma sistematizada o conhecimento que delas recolheu difusamente”.
Conclui-se, portanto, que há grande semelhança na forma de atuar dos núcleos de Assessoria Jurídica Popular e dos grupos que utilizam as técnicas do Teatro do Oprimido, uma vez ambos buscam a emancipação do ser, sem que haja nas relações desenvolvidas a promoção de um sujeito que detém o conhecimento e o passa numa relação unilateral, mas busca a promoção da igualdade material dentro da relação, através da construção conjunta.

[1] SANTOS, Bárbara. Teatro do Oprimido. Centro do Teatro Oprimido.
[2] MOURA, Aliyne Dayse Macedo de. Direito e Arte: A utilização do Teatro do Oprimido por parte das Assessorias Jurídicas Universitárias Populares. 2012, p. 16.
[3] CRUZ, Joana. O que é o teatro do oprimido?
[4] RIBAS, Luís Otávio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis, 2009. P. 71.
[5] BONILLA, Victor D; CASTILLO, Gonzalo; BORDA, Orlando Fals; LIBREROS, Augusto. Causa popular, ciência popular. Uma metodologia do conhecimento científico através da ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Repensando a pesquisa militante. São Paulo: Brasiliense, 1999. P. 130-157.

Referências Bibliográficas:
BONILLA, Victor D; CASTILLO, Gonzalo; BORDA, Orlando Fals; LIBREROS, Augusto. Causa popular, ciência popular. Uma metodologia do conhecimento científico através da ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Repensando a pesquisa militante. São Paulo: Brasiliense, 1999.
CRUZ, Joana. O que é o teatro do oprimido? Disponível online <http://oprima.wordpress.com/o-que-e-o-oprimaiabout/›.
MOURA, Allyne Dayse Macedo de. Direito e Arte: A utilização do Teatro do Oprimido por parte das Assessorias Jurídicas Universitárias Populares. 2012. Disponível online <http://www.idb-fdul.com/uploadecl/files/2012_07_4181_4207.pdf›.
RIBAS, Luís Otávio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis, 2009.

SANTOS, Bárbara. Teatro do Oprimido. Centro do Teatro Oprimido. Disponível online: <http://ctorio.org.brinovosite/arvore-do-to/teatro-do-oprimido/›.