sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Bordando a Resistencia



            Vásquez menciona ao reflexionar sobre a práxis, dos seus diferentes níveis. Destaco a necessidade de pensar o tipo de práxis em que se cumpre mais plenamente a autoemancipação. De que estamos a falar então? Se temos claro toda a falência de um sistema com crises cíclicas, com um modelo social absolutamente desigual, parece claro, quase óbvio, sermos orientados ao desejo da revolução. Sem dúvida para muitos de nós tal desejo é atividade cotidiana, logo a revolução é essencialmente uma atividade criadora e transformadora. Assim, para Vásquez, o desafio está posto em como passar da consciência comum para a filosófica. Sejamos radicais, vamos a essência: CRIATIVIDADE.
            Essa provocação está no sentido de porquê sempre encontramos as formas para afirmar uma linha política dizendo reinventar as coisas, mas seguindo pelas mesmas práticas: marchas, comissões, atos de rua, panfleto, nota. Em dados, quanto atingimos com as famosas falas corta-batatas[1]? Está claro que o nosso desafio não se situa apenas em criar um partido (o famoso partidão do Lênin), é necessário repassar as nossas formas.
            As Arpilleras enquanto documento têxtil, representativo de um universo de desigualdades, costuradas por mulheres oprimidas na sociedade, tem sido um bom exemplo para repensarmos nossa atuação. Muitas vezes elas não veem acompanhada de muitas explanações, tampouco geram muitos comentários posteriores. Em geral, o ambiente é tomado de um profundo silêncio, o qual - tenho acreditado sinceramente- se chama reflexão. É a forma mais clara de fazer as pessoas vivenciarem a alteridade, e da internalização da vivência. São os olhos olhando a mesma realidade cotidiana de boa parte do povo brasileiro: opressão!
            E esse é apenas um lado da peça. Atrás dele, junto com os bolsinhos vãos rostos, sujeitas, que ao observar todo esse universo por detrás da juta se apropriam de suas vidas roubadas pelo patriarcado. Decidem pôr fim a relacionamentos abusivos, aos abusos das empresas transnacionais, denunciar a negligencia do Estado do Bem-Estar Social, as falácias dos direitos humanos.
            Essas são as marcas da resistência latino-americana, do povo sem pernas, mas que caminha. Daquelas que seguiriam sendo negligenciadas em suas próprias organizações, lares, relações, e que agora decidem cruzar o país, o mundo para expor seu trabalho. Não é um manifesto, uma tese tão próprio dos congressos das esquerdas, são apenas tecidos, lãs, fios. O inegável é que são eles que tem mudado vidas e ganhado milhões nessa luta. E sem sombras de dúvida construindo unidade. Quiças a negligencia em reconhecer advenha da falta de um marco teórico em gênero masculino.
            Resistencia se constrói concretamente, não com abstrações teóricas. Resgatando Amílcar Cabral é no empodeiramento das classes subalternas, no seu protagonismo, e na luta de classes que nossa revolução triunfará. Diante disso, há todo uma potência no trabalho com as Arpilleras por ser um instrumento de sensibilização de influenciar parcelas da pequena burguesia, causando conflitos de classe.
            Em momentos históricos como o que vivemos, falar em novas formas, outras linguagens gênero, raça, pode representar um carimbo de pós-modernidade, em outras análises, próprias do binarismo antes de 1989, um selo esquerdista.  E assim sem compreender nosso capitalismo dependente, o recorte de gênero e raça, passaram-se quase 100 anos e não fomos capaz de construir outros outonos como o dos russos de 17, com as nossas cores.

             
 Coluna Direito das Marias
Por Tchenna Maso



[1] Falas corta-batatas: São falas típicas de uma linguagem da esquerda em que se repete jargões soltos de maneira curta e direta formando uma cadencia, a qual estendida por 20 min, se torna um poderoso sonífero.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Diana Melo Pereira As lutas do MMC pelo direito a uma vida sem violência

MELO PEREIRA, Diana. Sem porta-voz na rua, sem dono em casa: as lutas do movimento de mulheres camponesas (MMC Brasil) pelo direito a uma vida sem violência. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2015.


RESUMO
Ao contrário do que vem sendo comumente trabalhado a respeito da temática da violência contra a mulher, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC Brasil), tem trabalhado uma visão mais ampla sobre a percepção da questão: tem defendido a necessidade do relacioname nto entre opressões de sexo e classe social, no que diz respeito ao enfrentamento à violência. Compreendendo as ligações entre capitalismo e patriarcado, desenham sua atuação na luta pelo direito a uma vida sem violência para as mulheres no campo, de forma articulada, combatendo a ambos. Questionam o modo de produção capitalista no campo, em especial, o agronegócio e uso de agrotóxicos e transgênicos, refletindo o quanto esse modelo está articulado com o patriarcado, oprimindo as mulheres e impedindo uma possibilidade de libertação de todas e todos. A partir da teoria feminista, questionamos quem é a camponesa e a nova mulher que o movimento propõe. Com apoio nas teorias materialistas que discutem a divisão sexual do trabalho e a coextensividade das relações de classe e sexo, discutimos a respeito das relações entre capitalismo e patriarcado. Finalmente, a partir da teoria de Lyra Filho da dialética social do Direito, trabalhamos o surgimento e as lutas do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC Brasil), em principal, suas ações em tensionamento ao sistema para transformação do direito estatal, a partir de sua compreensão sobre o que é violência contra as mulheres.
Palavras-chave: Movimento de Mulheres Camponesas, violência contra a mulher, O Direito Achado na Rua.

ABSTRACT
Contrary to the common approach to the subject of violence against women, the movement of peasant women (Movimento de Mulheres Camponesas) – MMC Brasil takes the issue from a much open view: it defends the need for the comprehension of the relationship between sexual and social class oppressions when confronting violence. By understand ing the relation s h ip between capitalism and patriarchal society, the movement bases its action for a life without violence for rural women on articulately combating both of them. It questions the capitalist way of production in the land, with emphasis on the use of agricultural toxicants and genetic modified organisms, reflecting on to what extend this model articulates with patriarchy, oppresses women and closes the possibilities for the liberation of both women and men. From the perspective of the feminist theory, we question who is the peasant woman, and who is the new woman the movement proposes. Under the light of the materialistic theories that discuss the sexual division of labor and the co-extension of the relationship between class and sex, we discuss on the relationship between capitalism and patriarchy. Finally, from Lyra Filho’s dialectical theory of Law, we discuss the development and fights of MMC Brasil, specially its actions in confrontation to the system for a change in the State law, through its comprehension of what violence against women is.

Keywords: Women Peasent Movement, violence against women, “law found in the streets”.

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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

7 de setembro: falta independência, ainda, para muita gente


Jacques Távora Alfonsin


 Dia 7 de setembro vão desfilar de novo, festivamente, pelas principais ruas e avenidas do país, esquadrões de soldados das forças armadas,  tanques, carros de combate, canhões e cavalos. Exibe-se um tipo de armamento vencido no tempo e feito obsoleto para qualquer guerra, ficando a cargo das bandeiras coloridas a missão de provocar, assim mesmo, um bem discutível orgulho cívico, fundado apenas na força das armas.
 Um outro  tipo de marcha bem menos vistosa e com muito menos gente também sai neste dia. Reúne um povo  que testemunha onde a independência ainda não chegou e para a qual todo aquele aparato bélico do outro desfile não tem nenhuma serventia.  É o chamado “Grito dos Excluídos”, este ano exibindo como tema, de modo extremamente oportuno para o momento “A vida em primeiro lugar.” Um cartaz com a foto do Papa Francisco, publica uma das suas frases, repetidas em sucessivos encontros com os movimentos populares: “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês em terra, nem trabalhador sem direitos.”


 Para o povo excluído não basta a aparência formal de um Estado de Direito e de uma democracia, ainda notoriamente oligárquica, na qual o poder econômico ainda “fala do trono”, como Dom Pedro I fez na abertura da assembleia constituinte de 1824, e mostra todos os dias porque, onde, como, quando e quanto manda. Isso é uma farsa de independência.
Dois exemplos recentes dão prova desse fato. O primeiro demonstrativo de que a soberania do país sobre o seu território, em nossa  faixa de fronteira, se dobra diante do interesse econômico latifundiário. O projeto de lei ado é o substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei 2742/03, de autoria do deputado Luis Carlos Heinze, do PP – o mesmo que em fevereiro deste ano disse que quilombolas, índios e homossexuais são “tudo o que não presta” – garante prorrogação de concessões de terra de fronteira, feitas ilegal  e inconstitucionalmente  no passado, a quem as possui atualmente.
Pois é essa mesma multidão que “não presta”, a excluída, em defesa de quem caminha todos os anos, paralelamente ao desfile militar, representada pelo “grito”, agora já em sua 21ª realização, denunciando as causas e os efeitos de a nossa independência ainda se encontrar política, econômica e socialmente ausente nas suas vidas, inclusive por projetos de lei dessa espécie.
O deputado expressou tudo quanto a Constituição Federal determina em sentido contrário, pretendendo garantir, às duras penas, como condição de vida, dignidade humana e cidadania para todas/os e não só para as elites, entre elas, a das/os latifundiárias/os que ele defende com tanto empenho.
Se o seu projeto prorroga a usurpação da nossa faixa de fronteira, (mesmo sabendo-se quanta terra grilada ainda existe por ali) uma outra iniciativa da bancada do boi, integrada pelo mesmo parlamentar, conseguiu restabelecer, de fato, a submissão da sociedade e do Estado a quem explora trabalho escravo, coisa legalmente proibida no país desde 1888…
Como nesse espaço já se comentou anteriormente, o Incra baixara uma Instrução normativa 83/2015, para detectar onde está sendo explorado o trabalho escravo em propriedades rurais. Além de crime, de acordo com o artigo 149 do Código Penal, a comprovação dessa ignomínia serve também para atestar o descumprimento, por parte do proprietário e do imóvel onde ela é flagrada, da função social inerente a todo o direito de propriedade.
Isso está expresso no artigo 186, inciso III da Constituição Federal. Lá está dito que “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: III: observância das disposições que regulam as relações de trabalho”.
Embora seja impensável que a escravidão possa ser incluída em “disposições que regulam as relações de trabalho” e o INCRA, mais não tenha feito do que obedecer ao disposto na Constituição Federal, baixando a tal  Instrução 83, a Advocacia Geral da União, a pedido do Ministro Mercadante – nisso atendendo reivindicação da bancada do boi –  acaba de cassar – outra não pode ser a palavra – qualquer efeito à mesma.
Entre os muitos golpes (palavra muito na moda no Brasil de hoje) sofridos pela reforma agrária, esse é um dos mais perniciosos. De qual democracia e de qual Estado democrático de direito foi procurar legitimação esse ato da Advocacia Geral da União (escravidão para ser punida não precisaria nem de lei) não se sabe, mas ele confere certidão mais do que lamentável à uma crítica do nosso Direito Constitucional feita por Paulo Bonavides, demonstrativa  da incapacidade política do Poder Público, quando em causa direitos capazes de afetar interesses das elites. Ela é manifestamente despida de qualquer eficácia quando a letra da Constituição pretenda ser respeitada por quem continua fora das garantias generosas por ela previstas em favor daquela fração de povo como a representada no “grito dos excluídos”:
“O direito procura fórmulas transformadoras com que alterar o status quo que fossiliza o País no imobilismo das correntes conservadoras, no estatuto político das oligarquias, no privilégio das camadas dominantes. Estas sempre refratárias ao progresso e à mudança sempre fizeram da constituição o ornamento do poder, a vaidade institucional, o texto luxuosamente encadernado e esquecido nas estantes da oligarquia, a lei com a qual nunca os chefes presidenciais efetivamente governaram o País nem a sociedade conscientemente conviveu.”
Desta vez, pelo menos a ABRA e outras organizações favoráveis à reforma agrária, não querem se deixar atropelar pelas inconstitucionalidades presentes, tanto no projeto de lei 2742/2003, quanto na revogação dos efeitos da Instrução Normativa Incra 83/2015.
A Acesso Cidadania e Direitos Humanos, com sede no Rio Grande do Sul, vai requerer à Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, na semana que vem, algumas providências legais que entende cabíveis serem tomadas pelo Ministério Público, contrárias tanto ao tal projeto quanto à sustentação jurídica daquela Instrução.
Vai argumentar tanto em favor do reconhecimento das inconstitucionalidades lá presentes, quanto ter ouvido o grito dos excluídos, juntando-se ao empoderamento ético-político-jurídico de outras organizações populares de defesa dos direitos humanos, advogadas/os populares, ONGs, sindicatos, pastorais, que estiverem inconformadas/os com as violações de direito presentes naquelas duas iniciativas da bancada do boi. Desde já, qualquer delas pode aderir a um tal propósito, assim se manifestando no site pela Acesso mantido no Facebook.

Voltaire tinha razão. Vencido tanto tempo desde o que ele disse,  constrange dizer quanto continua atual a sua advertência: “Não é admissível que uns tenham nascido de sela às costas e outros de  esporas aos pés.”