sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Notícias do Encontro da Renap

Está ocorrendo em Fortaleza o 15o Encontro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares.


Acompanhamos as notícias pelo "Portal do Mar", blogue do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará.

Repercutimos notícia da Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Justiça:


Ministério da Justiça participa de encontro
de advogados populares

Com o apoio do Ministério da Justiça, será realizado em Fortaleza (CE) o 15º Encontro Nacional da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).  O evento – entre 28 de setembro e 2 de outubro – reunirá defensores dos direitos humanos, e dos movimentos sociais de todo o país para discutir como aprimorar as ações em defesa da coletividade e o funcionamento do Sistema de Justiça brasileiro. O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, participará da abertura do evento, às 19 horas desta quarta-feira (28/9).

O encontro da Renap será um espaço para discussões voltadas ao fortalecimento da advocacia popular e da assessoria jurídica popular. Os advogados populares trabalham muitas vezes voluntariamente na defesa de causas de populações socialmente excluídas, como índios, quilombolas, trabalhadores rurais e pessoas em situação de rua. A Renap conta com cerca de 700 membros que atuam em prol da efetivação de direitos sociais e direitos humanos. 

Os debates do encontro contribuirão para orientar a política legislativa da Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) do Ministério da Justiça para efetivação dos direitos sociais previstos na Constituição Federal. Tais como igualdade, educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância.

“É uma oportunidade única para identificar os principais problemas enfrentados pelos trabalhadores, sobretudo aqueles organizados em movimentos que lutam por terra, moradia, trabalho e cidadania, na busca pela concretização de seus direitos e garantias”, explica o secretário Marivaldo Pereira.

O evento reunirá cerca de 150 pessoas e receberá trabalhos científicos nas áreas correlatas. Na oportunidade, será firmada parceria entre a Renap e a SAL para a criação de uma rede para viabilizar a participação popular no processo legislativo, de modo a enriquecer os debates em torno de novos códigos e de novos projetos de lei. A ideia é agregar a experiência prática acumulada na defesa da população mais pobre em todas as regiões do país.


Serviço:
15º Encontro Nacional da Renap
Data: 28 de setembro a 2 de outubro de 2011
Local: Centro Frei Humberto – Rua Paulo Firmeza, 455, São João do Tauape. Fortaleza, Ceará.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Alienação

Este é um texto sobre alienação do professor Antônio Alberto Machado, livre-docente pela UNESP-Franca e orientador do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo, já publicado em seu blogue pessoal e agora aqui divulgado.

Alienação

Pode-se dizer que a doutrina de Marx se mostrou equivocada em algumas das suas previsões. De fato, ao contrário do que dizia o autor de O capital, a classe proletária não é mais a única classe capaz de realizar a revolução, não há sinais de que o direito e o Estado possam desaparecer um dia, e as massas nunca revelaram qualquer capacidade de superar a própria alienação.

Contudo, não se pode negar que, apesar de alguns equívocos, Marx legou um importante arsenal de conceitos e categorias sem os quais não seria possível compreender a lógica e o funcionamento da sociedade moderna capitalista. Estão entre esses conceitos básicos a noção de dialética, de processo de trabalho, de materialismo histórico, de relações de produção, de mais valia, práxis e alienação. Ao contrário do que pensam aqueles que apressadamente proclamam a “morte do marxismo” – e proclamam essa “morte” mais por preconceito ideológico do que propriamente por pressa -, muitas das categorias marxistas são mesmo indispensáveis para se entender a realidade contemporânea.

Uma dessas importantes categorias do marxismo é o conceito de alienação. O filósofo alemão dizia que ela tem origem, fundamentalmente, em duas causas estruturais, quais sejam, a expropriação dos meios de produção e o consumo exagerado.

Segundo Marx, o homem é um ser que produz necessariamente, isto é, a produção de coisas e objetos é uma dimensão necessária do homem, faz parte da sua condição existencial. Assim, o homem produz objetos, produz as suas próprias condições materiais de vida e, com isso, produz a si mesmo. Está sempre produzindo: objetos, conhecimento, arte, cultura, ciência… Mas, no instante em que passa a predominar o princípio da propriedade privada dos meios de produção, o homem produtor acaba afastado (alienado) de sua própria obra, pois ela se transforma em mercadoria apropriada por outrem, ou seja, apropriada por aquele que controla o processo produtivo.

A alienação (afastamento ou estranhamento) ocorre, portanto, no momento em que o homem perde o domínio sobre as coisas que ele próprio criou. Nessa hora, ele acaba subjugado por essas coisas que produziu, já que elas vão proporcionar o lucro àquele que detém a propriedade dos meios de produção, que controla o processo produtivo e que, por isso, controla também a força de trabalho do homem criador, dominando-o.

O outro fator de alienação, ainda segundo Marx, é o consumo intenso. A expansão deste último é uma exigência da própria produção, ou seja, o aumento da produção depende também do aumento do consumo. Com isso, a sociedade capitalista se vê obrigada a criar um consumo artificial, criando necessidades artificiais para continuar produzindo. Aqui o homem se vê novamente subjugado pelas coisas que produziu, consumindo-as apenas pela necessidade de consumir, e não porque elas tenham um valor real de uso ou porque possam atender a uma necessidade real.

Os tempos atuais, com o brutal desenvovimento das tecnologias, deram plena razão a Marx quanto ao problema da alienação humana pelo consumo expandido. Os produtos (mercadorias) são consumidos e descartados com uma velocidade incrivelmente vertiginosa; o homem está a cada dia mais deslumbrado com as novas bugigangas do mercado; o consumo é desesperado; os artefatos eletrônicos então, se transformaram no novo ópio da humanidade. Chega a ser patética a dependência das pessoas em relação aos produtos da era digital! É chocante ver a infantilização do homem com os seus brinquedinhos eletrônicos na mão em toda parte! Aliás, o próprio Marx, numa de suas incontáveis previsões acertadas, já afirmava que a tecnologia viria mesmo para dominar o homem e destruir a natureza.

A alienação humana, enfim, deita as suas raízes no ato de produzir e no ato de consumir. Como superar essa contradição profunda em que está mergulhada a sociedade moderna de consumo? Como realizar a emancipação humana que é, no fundo, o resultado de um processo de desalienação? Não há nenhuma resposta para tais questões no âmbito da modernidade capitalista. E não se vê também nenhuma utopia que, neste momento, pudesse encarregar-se das respostas a essas contradições do capital.

Os dicionários definem alienação como perda e separação. Assim, aquele que aliena, que vende alguma coisa, separa-se da coisa vendida, isto é, perde a coisa alienada; aquele que se aliena, separa-se da sua própria consciência social, ou seja, perde a higidez psíquica. A alienação generalizada é uma “perda coletiva”, sintoma talvez de uma sociedade perdida, separada de si mesma.


Mais em: Blogue do Machado

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Latinoamérica - Calle 13


Soy, Soy lo que dejaron, soy toda la sobra de lo que se robaron. Un pueblo escondido en la cima, mi piel es de cuero por eso aguanta cualquier clima. Soy una fábrica de humo, mano de obra campesina para tu consumo Frente de frio en el medio del verano, el amor en los tiempos del cólera, mi hermano. El sol que nace y el día que muere, con los mejores atardeceres. Soy el desarrollo en carne viva, un discurso político sin saliva. Las caras más bonitas que he conocido, soy la fotografía de un desaparecido. Soy la sangre dentro de tus venas, soy un pedazo de tierra que vale la pena. soy una canasta con frijoles , soy Maradona contra Inglaterra anotándote dos goles. Soy lo que sostiene mi bandera, la espina dorsal del planeta es mi cordillera. Soy lo que me enseño mi padre, el que no quiere a su patria no quiere a su madre. Soy América latina, un pueblo sin piernas pero que camina.  Tú no puedes comprar al viento. Tú no puedes comprar al sol. Tú no puedes comprar la lluvia. Tú no puedes comprar el calor. Tú no puedes comprar las nubes. Tú no puedes comprar los colores. Tú no puedes comprar mi alegría. Tú no puedes comprar mis dolores.  Tengo los lagos, tengo los ríos. Tengo mis dientes pa` cuando me sonrío. La nieve que maquilla mis montañas. Tengo el sol que me seca  y la lluvia que me baña. Un desierto embriagado con bellos de un trago de pulque. Para cantar con los coyotes, todo lo que necesito. Tengo mis pulmones respirando azul clarito. La altura que sofoca. Soy las muelas de mi boca mascando coca. El otoño con sus hojas desmalladas. Los versos escritos bajo la noche estrellada. Una viña repleta de uvas. Un cañaveral bajo el sol en cuba. Soy el mar Caribe que vigila las casitas, Haciendo rituales de agua bendita. El viento que peina mi cabello. Soy todos los santos que cuelgan de mi cuello. El jugo de mi lucha no es artificial, Porque el abono de mi tierra es natural.  Tú no puedes comprar al viento. Tú no puedes comprar al sol. Tú no puedes comprar la lluvia. Tú no puedes comprar el calor. Tú no puedes comprar las nubes. Tú no puedes comprar los colores. Tú no puedes comprar mi alegría. Tú no puedes comprar mis dolores.  Você não pode comprar o vento Você não pode comprar o sol Você não pode comprar chuva Você não pode comprar o calor Você não pode comprar as nuvens Você não pode comprar as cores Você não pode comprar minha felicidade Você não pode comprar minha tristeza  Tú no puedes comprar al sol. Tú no puedes comprar la lluvia. (Vamos dibujando el camino, vamos caminando) No puedes comprar mi vida. MI TIERRA NO SE VENDE.  Trabajo en bruto pero con orgullo, Aquí se comparte, lo mío es tuyo. Este pueblo no se ahoga con marullos, Y si se derrumba yo lo reconstruyo. Tampoco pestañeo cuando te miro, Para q te acuerdes de mi apellido. La operación cóndor invadiendo mi nido, ¡Perdono pero nunca olvido!  (Vamos caminando) Aquí se respira lucha. (Vamos caminando) Yo canto porque se escucha.  Aquí estamos de pie ¡Que viva Latinoamérica!  No puedes comprar mi vida.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Programação do Encontro Nacional da RENAP



XV ENCONTRO NACIONAL DA RENAP
Fortaleza, Ceará.

PROGRAMAÇÃO

Dia 28 de setembro- Noite

Abertura- Debate sobre Conjuntura
Coordenação da Mesa : RENAP – CE
Marivaldo Pereira (SAL- Ministério da Justiça )
Elmano Freitas ( Secretaria de Educação)
Epitácio Macário (UECE)
João Paulo Rodrigues (MST)


Dia 29 de setembro

Manhã- 9h00
Tema : O Estado Socioambiental e a consideração de novos sujeitos para a realização dos direitos humanos
Coordenação da Mesa : RENAP – RN
Palestrantes: João Alfredo Telles Melo- RENAP-CE (Faculdade de Direito da FA7)
Henri Acserald- IPPUR/UFRJ
Cristiane Faustino – Instituto Terramar

11h00- GT´s.

12h30 – Almoço.

Tarde- 14h00
Tema : Os desafios da Reforma Agrária: da ocupação à desapropriação.
Coordenação da Mesa : Noaldo Meireles (PB)
Palestrantes :
Júnior Fidélis – Procuradoria Federal Especializada /INCRA Nacional
Cláudia Favacho- Juíza da Vara Agrária de Marabá
José Batista Afonso – Advogado da CPT/PA

16h15 – 16h30 – INTERVALO

16h30 – Oficinas e Grupos de Estudo.
- Oficina sobre Terras Públicas – Pedro Diamantino- AATR.
- Oficina sobre a descriminalização do aborto – AMB/FCM .
GE 01- DESAFIOS E MEMÓRIA DA RENAP : Apresentação da história da RENAP, apresentação de peças/decisões judiciais, análise sobre Relatórios e outras formas de divulgação sobre violações de Direitos Humanos e os desafios no cotidiano da advocacia popular.
GE 02 - ENSINO JURÍDICO POPULAR : A questão da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão; Projetos intra e extra muros; Diálogo sobre a experiência do PRONERA.

19h00 - Jantar

 20h00 – 21h00 – Reunião das Assessorias Jurídicas a Comunidades Quilombolas e Indígenas – Mediação e convocação : Terra de Direitos, Dignitatis e AATR.


Dia 30 de setembro

Manhã 9h00
O PNDH 3, acesso à justiça e a assessoria jurídica em direitos humanos
Coordenação: RENAP/PA
Domingos Sávio Dresh da Silveira (Ouvidor Nacional dos Direitos Humanos)
Darci Frigo (Coordenador Executivo – Terra de Direitos)

10h30
Tema : A Cartografia Social e a importância da ação interdisciplinar para a realização dos direitos humanos : Grupos Étnicos/Raciais , populações tradicionais e territorialidade.
Coordenação da Mesa : Patrick Mariano ( Ministério da Justiça – SAL)
Palestrantes:
Jeovah Meireles – Geografia UFC
Raquel Rigotto – Medicina UFC (Núcleo Tramas)
Arydmar Gaioso- CESC-UEMA

14h00 - Espaço urbano, cenário das lutas sociais
Coordenação da Mesa : RENAP - RS
Palestrantes:
Gustavo Magnata- GAJOP
Leonardo Sá- LEV/UFC
Aton Fon- RENAP-SP

16h00 – GT´s

16h30 – Oficinas e GE´s
- Oficina – Atingidos por Barragem- MAB- Luciana Ramos
- Oficina - Sistema de Proteção aos Direitos Humanos e mecanismos nacionais – Domingos Dresh ( Ouvidor da SDH – PR)

GE 3- ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR
G.E 4 O DIREITO E OS MOVIMENTOS

19 horas- Ato político sobre a questão da Anistia e Comissão da Verdade.
Lançamento Oficial do Site da Renap

20:30- Atividade Cultural.


Dia 01 de outubro
9 horas da manhã
Os desafios políticos da Justiça - a democratização do sistema de Justiça e do processo legislativo.
Coordenação : Flávia Carlet ( Secretária Especial de Direitos Humanos).
Palestrantes :
Antonio Escrivão Filho ( Terra de Direitos – Bsb)
André Castro ( Anadep)
Gabriel Sampaio ( Ministério da Justiça –Secretaria de Assuntos Legislativos)

 Tarde- 14 horas- Plenária Final -
Desafios para Renap-
Coordenação – RENAP – CE
Problematização- Clóves Araújo- AATR, Ney Strozake e Érika Nascimento

GTs e depois Plenária

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Dandara




Por Miguel Lanzellotti Baldez

Conheci Dandara e enriqueci minha vida no pouco tempo de convívio com aquela gente que se constrói como se estivesse criando um novo mundo. Foi a minha primeira reflexão, ao me deparar logo à entrada da comunidade com o mapa, ou planta da área mostrando em seu traçado a presença técnica de arquiteto ou engenheiro, em suma alguém que compreendera o sentido da cultura e da solidariedade e percebera que o seu conhecimento era fruto da expropriação histórica da classe trabalhadora destinada a abastecer, desde a revolução burguesa, os fundos do capital, e o devolvera em Dandara.

Importante assinalar, no campo das minhas reflexões, a divisão dos homens na chamada modernidade entre o homem inspirado no modelo da burguesia, titular absoluto de todos os direitos, e consagrado nas leis civis do ocidente, e o homem cuja subjetividade, seu reconhecimento como pessoa, fora limitado à necessidade de levar ao mercado a única mercadoria que lhe deixaram, sua força de trabalho. Pois este homem, em luta permanente pela vida em permanentes confrontos nas fábricas, conquistando duramente seus escassos e limitados direitos, banido e degradado pelo capital, só vai reencontrar-se consigo mesmo quando, escapando do encapsulamento jurídico em que o meteram e individualizaram, se descobre no outro... e no outro... E vai assim, de companheiro a companheiro, identificando-se em cada um dos seus iguais até despontar no coletivo.

Este o homem e esta a mulher que encontrei em Dandara, proteção de histórica crença e nome da avenida central da nova vila.  Mas não só vila. Cidade, estado, um dos muitos anúncios ou promessas felizmente espalhados Brasil afora, e prova de que uma outra sociedade é possível. Que nasça da solidariedade e que, por isso, certamente construirá uma nova igualdade. Concreta, econômica e social, e não apenas uma igualdade perante a lei, que, embora impositiva, é só uma abstração...

Em Dandara também encontrei uma outra igreja. Atuante, de mangas arregaçadas e inspirada no caráter democrático do Concilio Vaticano II e na Teologia da Libertação, sempre do lado dos moradores e mostrando que a construção da própria vida, abrindo ruas e levantando as casas da coletividade, pode ser a reza que leva a Deus. A religião deixando de ser, como disse Marx, “o suspiro da criatura oprimida” para tranformar-se na alma da nova criatura, como entre outros, essa brava gente de Dandara, forte mas ainda ameaçada em suas necessidades fundamentais.

E quais são essas necessidade fundamentais? Sem dúvida, alimentar-se e morar.

A inspiração em Dandara é profícua, principalmente quando o grande inimigo vem de fora. Como em Palmares, aquela federação de quilombos, onde a altivez do negro construiu um forte estado de resistência à violência do branco, hoje, aqui, os moradores deste renovado quilombo, hão de convocar e reunir para a resistência os resíduos democráticos construídos no tempo histórico deste Brasil ainda sofridamente Pindorama, mas dando sinais de uma vida transformada, como diz o poeta, “em festa trabalho e pão”.

Está aí, como exemplo maior, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, importante sujeito coletivo cuja luta efetiva o torna parceiro e companheiro de Dandara, e outros tantos movimentos libertários emergentes dentro ou fora do Brasil. Estão aí, na luta pela terra, como o MNLP e o Conselho Popular no Rio, estão aí importantes setores universitários onde alguns professores, não muitos é verdade, já sentiram nos enfrentamentos de classe a emergência de um novo direito, concreto e emancipatório das camadas subalternas da sociedade.

Resta uma pequena mas definitiva observação em torno do direito burguês, esse direito de acolhida e consolidação no Brasil pela classe que, entre nós, detem o poder graças ao mecanismo da representação. Assim, o trabalhador trabalha, o capitalista lucra e amplia o seu capital e os políticos, através do Estado, administram os interesses do capital, mantendo o trabalhador, através do controle salarial, submisso ao capitalista.

Vale pensarmos juntos na alimentação e na moradia, são duas necessidades de vida, necessidades éticas. Pois o direito, ao apropriar-se delas, transforma-as em mercadorias. Sob o controle deste direito, a satisfação tanto de uma quanto de outra destas necessidades essenciais exige um pagamento, o preço imposto pelo capital.

O meu voto aos companheiros de Dandara: resistam companheiros, organizando-se politicamente, resistam para manter a terra que ocupam e onde construíram em democrático projeto de cidade, solidária e igualitária.

domingo, 18 de setembro de 2011

Crítica da ecologia política

Na última semana, Michael Löwy fez, em Curitiba, uma série de conferências sobre ecossocialismo e a crise capitalista atual. Sob a inspiração da presença deste importante nome brasileiro do marxismo mundial, a Coluna Prestes de hoje vem tentar trazer à tona a discussão da “crítica da ecologia política”.

Löwy, cientista social de formação, foi para a Europa na década de 1960, onde se doutorou sob a orientação de um dos expoentes franceses do marxismo do século XX, Lucien Goldman, e onde consolidou sua carreira acadêmica no Centro Social de Pesquisa Científica, em Paris.

Não obstante, desenvolveu militância política em França e passou a ser uma referência internacionalista, em especial por sua preocupação para com a América Latina.

Sua obra recebe a marca do estudo do marxismo e seus principais representantes e também de fortes reflexões sobre estética e experiências políticas contemporâneas, sendo que, entre suas últimas formulações, está o ecossocialismo, que recoloca em discussão o problema do modo de produção capitalista e a possibilidade de vida na terra.

Um Carlos e um José Carlos

Löwy assume como critério de análise e desenvolvimento do marxismo a chave interpretativa “revolução”. O critério revolucionário serve-lhe para apresentar a força do marxismo, o que faz com que se apresente, sua proposta, dentro da melhor linhagem legada por Carlos Marx. No entanto, partindo de Marx não podemos aportar em outro lugar que não o estabelecido pela geopolítica moderna. Por isso, a partir de Marx Löwy redignifica a estatura teórico-prática de José Carlos Mariátegui e sua leitura periférica do marxismo no primeiro meado do século XX.

Em verdade, Löwy coloca-se nas margens do marxismo: preocupando-se em discutir Bênjamin ou Lucacs, Goldman ou Grâmsci, Mariátegui ou Che, consegue arquitetar uma proposta teórica que desdogmatiza uma das mais insurgentes interpretações gestadas pelas estruturas e subjetividades derivadas do capitalismo: o socialismo e sua consequente revolução.

Dessa forma, sua aparição no contexto da construção do marxismo novecentista renova este última e permite uma peculiar leitura periférica inserta no seio do centro do mundo. Eis que torna-se possível de modo diatópico (porque diatopia significa os entre-lugares) e diacrônico (porque diacronia são os entre-tempos) o casamento de Marx com Mariátegui – o marxismo latino-americano.

De Fucuiama a Fucuxima

Esta união latino-americana para o marxismo propicia e exige uma compreensão ampliada, desde os lugares em que se desdobra, do capitalismo. Uma mirada sobre o tempo presente é mais do que necessidade, pois factualidade. Para enfrentar esta imprescindível existência, torna-se preciso um conjunto de ferramentas que se aproximem, o mais possível, das verdades que a história impõe ao quotidiano (e digo-o sem qualquer receio de imprecações pós-modernistas).

O discurso do “fim da história” foi esculpido de maneira incrivelmente determinista e mais assustadoramente ainda bem aceito pelas classes dirigentes nacionais e internacionais durante a década de 1990, notadamente no ocidente. No entanto, um conjunto de oposições a esta ideologia fatalista surgiu logo quando de sua formulação e teve seu ápice no final da década de 2000.

Greves, revoltas, insurgências e dissidências houve durante todos os anos de 1990. Infelizmente, os meios de comunicação não os documentaram bem. Mas frente a fatos de grande amplitude nem mesmo os lacaios publicitários do capital puderam se omitir: para não falar no Fórum Social Mundial ou nos governos de esquerda da América Latina (inegavelmente polêmicos), fiquemos com a crise econômica alardeada em 2008 e seus reflexos.

Pois bem, astuciosamente, o mesmo discurso do “fim da história” que cravava uma estaca no peito do tempo e determinava, cegava os olhos de todos para os efeitos mais pérfidos de seu soberano hipercoroado. O capitalismo chegava, na década de 1990, ao auge das possibilidades de exploração do homem e da natureza, inaugurando a dimensão super-humana do homem: pela primeira vez, o homem, em sua desumanização, poderia destruir o mundo no qual ele faz sentido. Daí que ecologia não se torna mais apenas um problema das “ciências da natureza” para se apresentar como uma questão de política.

A poluição gerada pela industrialização, o aquecimento global e todas as demais manchetes catastróficas que imprensa do capital tem de noticiar diariamente faz com que o fim da história seja a possibilidade, bombasticamente autoconsciente, do fim da vida na Terra.

A partir da conjugação marxiano-mariateguiana, Michael Löwy, por exemplo, consegue construir um ecossocialismo que tem por missão denunciar todos esses aspectos e dizer que a obra de Fucuiama nunca fez tanto sentido, ainda que às avessas: serviu de “marco teórico” para o desastre de Fucuxima – a prova cabal de que a razão humana, regida pelo capital, é uma razão aparente e destinada a, irracionalmente, favorecer uma minguada população do planeta, parcela esta igualmente ameaçada de extinção ecológica.

Os desafios práticos da crítica da ecologia política

Löwy é quem nos diz: “socialismo ou barbárie” se tivermos sorte! Agora, trata-se de socialismo ou extinção da vida!

A destruição ecológica é a conseqüência mais radical – e necessária – do modo de produção capitalista. Nestes termos, é discutível a possibilidade de reapropriação de sua base tecnológica em prol de uma “nova” sociedade. Na realidade, este debate recoloca em questão a irreapropriabilidade de tantas e tantas construções institucionais do capitalismo: a tecnologia, a educação, o direito, o estado.

De qualquer forma, a denúncia, quase “catastrofista”, efetuada pelo ecossocialismo não pode levar à inanição do apocalíptico fim do mundo. Antes, deve levar à ação consciente da dialética totalidade-exterioridade. A partir de uma compreensão ética da vida humana – o socialismo – deve-se operar uma razão objetiva sobre a realidade – a totalidade.

Contemporaneamente, a resistência – nossa palavra-chave – com relação à crítica da ecologia política se encontra nos campos e florestas. A partir de movimentos sociais populares de camponeses e comunidades tradicionais, a ponta de lança desta crítica se apresenta. E ainda que tenhamos reticências quanto à exequibilidade de sua capacidade para as transformações estruturais, é esta ponta de lança que se afia, esperando para que o cabo desta lança, hoje ainda virtual, tome corpo – as classes trabalhadoras urbanas.

Em termos práticos, temos de enfrentar vários desafios. Eu arriscaria a dizer que, desde uma perspectiva das batalhas populares, precisamos fazer finca-pés em lutas como a reforma agrária, a agroecologia, as energias limpas e a oposição aos transgênicos e aos agrotóxicos; ou a nacionalização da indústria, a coletivização do transporte e o passe livre, a autogestão fabril e o consumo consciente. Como se pode ver, no campo e na cidade, frente ao latifúndio e às multinacionais, já muito o que se fazer.

Por isso que, em um contexto como o brasileiro, a crítica da ecologia política passa também por uma crítica do projeto neoliberal-desenvolvimentista hoje vigente e erroneamente dicotomizado.

A financeirização e liberalização da economia, junto de medidas de precarização, flexibilização, terceirização e privatização andam, passo a passo, com o consumismo, o agroindustrialismo, o exportacionismo e o produtivismo. Afinal de contas, esta é a fase superior do capitalismo, em suas formas nacionais específicas e em contínuo aperfeiçoamento.

A crítica à filosofia política dos “mega” tem de se alinhar à crítica da economia política hiperliberalizante. Filosofia política dos “mega” para brincar com aquilo que se apresenta bastante em voga: megaeventos, megaprojetos, megabaites, megatons, megatérios – sem esquecer dos meganhas, o braço repressivo e musculoso do estado fiscal.

E, num todo, a crítica da ecologia política, já que, no horizonte sugerido por Löwy, apenas esta nos aponta para um novo modo de vida, revolucionariamente possível, ainda que de difícil acesso. Sua construção, o ecossocialismo.

sábado, 17 de setembro de 2011

O Direito Alternativo - Revista do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA)



Parceiras e parceiros,

A primeira edição da Revista O Direito Alternativo foi publicada! Nesta edição, temos a reunião de artigos de membros do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA), da UNESP, de várias gerações, desde de ontem, passando pelo hoje, e aportando no agora. A proposta, entretanto, é abrir para atores e atrizes também engajados com a nossa proposta por um direito mais humano e libertário. A Revista foi lançada na abertura do V SIMPÓSIO DE DIREITO ALTERNATIVO DE FRANCA: REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE O DIREITO A PARTIR DA BARRANCA DO RIO GRANDE, evento este que teve também a importante participação de grupos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP), Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (FDRP), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade de Brasília (UnB), Turma Especial da Reforma Agrária da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Contamos com a colaboração de companheiros e companheiras nesta importante batalha que é o campo das ideias, da teoria, da filosofia que nos ajudam a engajar nossa atuação, dando unidade e força à luta.

Estão todos convidados a participarem da segunda edição da Revista, sendo que já estamos recebendo novos artigos.


São os votos do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA), da UNESP de Franca.


Segue abaixo o sumário desta edição:


Vol. 1, No 1 (2011)

Direito, Política e Direitos Humanos

Apresentação

Editorial
Antônio Alberto Machado

O Direito & sua Concha
Camila Ribeiro Desinde, Ísis Táboas Menezes Zornoff Dias, Mira Antunes Diniz, Mozart Augusto Mariano Machado, Sankey Teixeira Montevechio


Artigos

O absurdo dos direitos humanos: reflexões a partir de Albert Camus
Caio Jesus Granduque José

Ciência, genoma e direitos humanos: reflexões na perspectiva de uma bioética da libertação
Juliana Araújo Lemos da Silva Machado

Introdução à dialética do Direito Esclarecido
Mozart Augusto Mariano Machado

Sobre o trabalho e os direitos humanos
Antonio Sergio Escrivão Filho

Política dos direitos humanos e teoria constitucional
Fabiana Cristina Severi

A realidade constitucional brasileira e o processo de constitucionalização simbólica
Athanis Molas Rodrigues

O sistema de controle social do direito do trabalho: notas preliminares
Danilo Uler Corregliano

O poder simbólico do discurso jurídico: emancipação e regulação no caminho da modernidade
Igor de Oliveira

O ser que responde
Helena de Assis Mota

Quando o outro fala: uma crítica feminista a Roberto Aguiar
Natalia Silveira de Carvalho

"Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir meu sexo?": a afirmação histórica dos direitos das mulheres
Ísis Táboas

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Laboratório de Cartografias Insurgentes

Divulgamos programação do Laboratório de Cartografias Insurgentes, que está ocorrendo no Rio de Janeiro-RJ nesta semana.

O que é o Laboratório de Cartografias Insurgentes?

O Laboratório de Cartografias Insurgentes é um encontro para a produção de mapas políticos que reunirá movimentos contra as remoções e despejos que vêm acontecendo na cidade do Rio de Janeiro. Tais remoções e despejos têm ocorrido na esteira da “reorganização” da cidade visando os mega-eventos que acontecem nos próximos anos (e os que já ocorreram) e a emergência de uma nova forma de governança global das cidades.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Michael Löwy, na UFPR


A Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná assistirá a um dos mais importantes depoimentos do marxismo contemporâneo, na próxima sexta-feira, 16 de setembro de 2011, às 9h. Michael Löwy fala sobre Ecossocialismo e a crise global. Estaremos lá!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

"Luta pelos direitos do trabalho é hoje vital diante da crise cabal do capitalismo", entrevista com Ricardo Antunes

Em entrevista ao Correio da Cidadania, o formulador da noção de "classe-que-vive-do-trabalho" põe sob sua mira os direitos trabalhistas - e as pautas do mundo do trabalho - num momento em que a insurgência popular se destaca. A crise inescapável pela qual passa o capitalismo merece nossa atenção redobrada e nossa ação organizada. Ricardo Antunes vem ressaltar justamente isso.


sábado, 10 de setembro de 2011

[Campanha] Outro(s) 11/9's


Segue abaixo Vídeo do Coletivo Krisis  que serve pra refletir e relembrar o outro 11 de setembro que não é mencionado pela mídia corporativa.


[Campanha] Outro(s) 11/9's


sexta-feira, 9 de setembro de 2011



Uma homenagem ao parceiro militante do MTST Edson Francisco, que recentemente sofreu atentado contra a vida em sua própria residência, num momento de descanso.

Em memória de três heróis latino-americanos: Emiliano Zapata, Ernesto Che Guevara e Carlos Marighella, cujas atitudes ecoam como ideias pungentes em nossos corações.

Eis meu voto de fé a estes e outros parceiros de luta:






Ainda que me acabassem as armas,
Haveria as flores e eu as utilizaria na batalha.

Mesmo que me tirassem os sentidos,
Não deixaria de saber por meio dos meus instintos.

Seria-lhes uma voz que ecoa
Ainda que me deixassem deserto,
Aprisionado em celas,
Escondido em exílios,
Mutilado em estacas,
Esquecido nos livros
E assassinado para a história.

Meus olhos continuarão abertos durante toda a guerra travada,
Mesmo que me torturem por alguns segundos, por minutos, horas, dias, vidas...

Continuaria indignado e incomodado
Ainda que me concedessem o eterno perdão pelos erros da humanidade.

Choraria
Ainda que não me restassem lágrimas.

Choraria
Ainda que me faltasse o amor,
Ainda que me faltasse a quem amar
E alguém por quem chorar.

Eu lutaria com as flores,
E assim golpearia as maldades,
Com tiros, com socos, com as bombas,
As ideológicas e as biológicas,
Com discursos, com a ciência,
Com meu trabalho e minha fé.

E, se fosse preciso, eu lutaria com as flores.

Eu sinto as dores dos torturados de todas as épocas,
Mas não cedo. Ainda que me dêem o choque.
Ainda que me façam inalar fumaça e tentem me afogar.
Mesmo que partam os meus ossos,
Mesmo que me destruam a capacidade de acreditar em tudo o que é humano,
Frágil, belo, sensível, saudável, construtivo, positivo.

Ainda que me cometessem o crime de arrancar a voz,
Eu seria um grito. Um grito de lágrimas, de flores e sentidos.

Eu indigno e incomodo
Porque não perdoei nenhum de vocês.

Entendam que a dialética permanecerá,
E mesmo que não queiramos, seremos a obra de seus resultados.

Vocês aceitarão a constância do eterno movimento transformador,
Ainda que não acreditem em nenhuma dessas palavras,
Mesmo que eu tenha que repeti-las de inúmeras formas distintas.

Revoltemo-nos.

Encontro da RENAP, em Fortaleza


Tornamos pública, aqui, a chamada de resumos para participação no Encontro Nacional da RENAP, a se realizar entre os dias 28 de setembro e 02 de outubro de 2011, em Fortaleza, no Ceará. Este ano o encontro terá por objetivo estreitar os vínculos entre teoria e prática da advocacia popular, a partir de "grupos de estudo" dedicados a: a) desafio e memória da RENAP; b) educação jurídica popular; c) advocacia popular e assessoria jurídica popular; e d) o direito e os movimentos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Atentado contra militante do MTST no Distrito Federal


Durante a noite do dia 6 de setembro, dois homens armados invadiram a
casa de Edson Francisco, membro da coordenação nacional do MTST em
Brazlândia – DF.

Os homens arrombaram o portão, entraram na casa e dispararam vários tiros contra Edson que conseguiu fugir sem ferimentos graves.

Desconhecemos a origem desse atentado, mas temos clareza de que isso é parte da intensa criminalização sofrida pelos Movimentos Populares em todo o Brasil.

Edson já havia sido ameaçado por algumas vezes, após o desfecho da ocupação Gildo Rocha, que resultou numa grande vitória do MTST contra o governo distrital.

Além disso, militantes do MTST em outras partes do país estão sendo ameaçados de morte constantemente. Os casos de Minas Gerais e Amazonas são os mais recentes.

No último dia 26 de agosto, uma comissão do Movimento foi recebida pelo Ministério dos Direitos Humanos que se comprometeu a analisar os casos, mas até agora nenhuma medida concreta foi tomada.

Essa nota é uma denúncia contra a criminalização que agora passou das ameaças e foi à realidade. Serve como um apelo aos companheiros de luta e aos diversos meios de comunicação para que divulguem a grave situação dos lutadores populares no Brasil.

Mas antes de tudo essa nota é um Grito. É o início de uma resposta.
Pois, se acham que o MTST irá recuar diante disso, enganaram-se redondamente. Sabemos contra quem lutamos e o que queremos. Nossa luta continua e irá se intensificar por todo o Brasil. Não é por acaso que nossa bandeira é vermelha!

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – Coordenação Nacional

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Dois anos do blogue da assessoria jurídica popular

Neste mês de agosto comemoramos dois anos de existência. Para registrar este momento fizemos esta postagem coletiva, que vai assinada pel@s seguintes companheir@s, e muit@s outr@s assessor@s populares de todo o Brasil!

Por André Mendes, Assis Oliveira, Diego Diehl, Lucas Vieira, Humberto Goes, Luiz Otávio Ribas, Ricardo Prestes Pazello, Roberta Cunha, Ivan Furmann.

Textos para fazer assessoria jurídica popular

A lista é variada, a idéia é pensar a assessoria jurídica não apenas como uma atividade educativa ou jurídica, mas uma atividade que pense também o Brasil como um todo. A ordem dos livros é alfabética e não de importância. A lista poderia ser maior, com certeza sugestões serão muito bem vindas.

"20 teses sobre política", de Enrique Dussel

"Adeus ao trabalho", de Ricardo Antunes

"O amor do censor: ensaio sobre a ordem dogmática", de Pierre Legendre

"Assessoria jurídica popular no Brasil", de Vladimir de Carvalho Luz

“Cidadania no Brasil: o longo caminho”, de José Murilo de Carvalho

"Como trabalhar com o povo", de Clódovis Boff

"A Constituição inacabada", de Florestan Fernandes

"Crise da advocacia no Brasil", de Roberto Aguiar

“A crítica da razão indolente”, de Boaventura de Sousa Santos

"Crítica da razão tupiniquim", de Roberto Gomes

“Cultura com aspas”, de Manuela Carneiro da Cunha

"De pernas pro ar: uma escola do mundo ao avesso", de Eduardo Galeano

"El derecho como arma de liberación en América Latina", de Jesús Antonio de la Torre Rangel

"A desobediência civil", de Henry David Thoreau

"O despertar da Águia", de Leonardo Boff

 "Dialética da dependência", de Rui Mauro Marini

 "O direito e a ascensão do capitalismo", de Michael Tigar e Madeleine Levy

"Direito e justiça: a função social do judiciário", de José Eduardo Faria

“Direito moderno e mudança social: ensaios de sociologia jurídica”, de Edmundo Lima de Arruda Junior

“O direito que se ensina errado”, de Roberto Lyra Filho

"Educação como prática para a liberdade", de Paulo Freire

"Educação popular: maioridade e conciliação”, de Hugo Lovisolo

“Extensão ou comunicação, de Paulo Freire

"Filosofia da libertação", de Enrique Dussel

"A guerra civil na França", de Carlos Marx

"Histórias de cronópios e de famas", de Júlio Cortázar

“La idea de america latina: la herida colonial y la opción decolonial”, de Walter Mignolo

"A importância do direito no Brasil hoje", de Agostinho Ramalho Marques Neto

"Os intelectuais e a organização da cultura", de Antonio Gramsci

“The Interaction between Lawyers and Grass Roots Social Movements in Brazil”, de Stephen Meili

"Introdução crítica ao direito", de Michel Miaille

"Justiça popular, dualidade de poderes e estratégia socialista", de Boaventura de Sousa Santos

“O Manifesto comunista”, de Karl Marx

“O Manifesto do surrealismo jurídico”, de Luis Alberto Warat

"Manifestos para uma ecologia do desejo", de Luis Alberto Warat

"Microfísica do Poder", de Michel Foucault

"Micropolítica: cartografias do desejo", de Felix Guatarri e Suely Rolnik

"A mosca azul", de Frei Betto

“Para analisar uma prática de educação popular”, de Beatriz Costa

"Pedagogia da autonomia", de Paulo Freire

"Pedagogia da tolerância", de Paulo Freire

“Pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire

“Pela mão de Alice”, de Boaventura de Sousa Santos

"Pesquisa participante", organizado por Carlos Rodrigues Brandão

“Pobreza e cidadania”, de Vera Silva Telles

“Por que estudar Direito, hoje?”, de Roberto Lyra Filho

"O povo brasileiro", de Darci Ribeiro

"O que é direito", de Roberto Lira Filho

"Reflexões sobre as revoluções interrompidas", de Florestan Fernandes

"A (re) invenção dos Direitos Humanos", Joaquin Herrera Flores

"A revolução brasileira", de Caio Prado Junior

"A rua grita Dionísio: direitos humanos da alteridade, surrealismo e cartografia", Luis Alberto Warat

“O saber local”, de Clifford Geertz

"Sentimento de mundo", de Carlos Drummond de Andrade

"O sistema jurídico e o socialismo: ou como a burguesia suporta a ilegalidade", de Miguel Pressburger

"Teatro do oprimido", de Augusto Boal

"Teoria crítica do direito", de Luiz Fernando Coelho

"Teoria geral do direito e marxismo", de Eugênio Pachucânis

“A universidade necessária”, de Darcy Ribeiro

“As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano

Contribuam com sugestões nas postagens, vamos inaugurar uma nova seção com indicações de textos, músicas, poemas, dinâmicas de grupo etc.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Carta aberta aos estudantes e acadêmicos do Brasil



Parceiras e parceiros de luta,

Hoje me permiti vestir um cocar, embora seja branco. Hoje me permiti sentir a dor do trabalhador brasileiro, embora meu pai e minha mãe, também trabalhadores, tenham sonhado e realizado a vida de um pequeno-burguês a seu filho primogênito. Hoje me permiti me revoltar, embora a vida me ensine, constantemente, a ser bem comportado. Vestindo cocar, tocando a dor do popular e me revoltando, escrevi uma carta destinada a todos os estudantes e acadêmicos deste país (imediatamente) lindo e (historicamente) usurpado, a partir de minha experiência na Universidade Estadual Paulista (UNESP), no campus de Franca/SP. São palavras de um apaixonado, tocado da loucura que só o amor pela luta é capaz de realizar.

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Carta aberta aos estudantes e acadêmicos do Brasil


Todos nós já sonhamos um dia em chegar ao lugar onde agora nos encontramos. Mas o cheiro que vem dos pilares que sustentam os prédios de nossa Universidade não é universal. Alguns atores insensatos arrancaram da Universidade o que necessariamente nos é universal: o amor, a luta, a transformação, a contradição. Arrancaram de nossa comunidade aquilo que deveria caracterizar-lhe: o popular, o regional, o que é tipicamente francano, mineiro ou paulista, ou uma mescla engraçada e escancarada disso tudo. Arrancaram-nos a realidade do povo paulista e do povo brasileiro, trancafiando-nos com livros e teorias imbecis, que sozinhos, não dizem nada.

Sem o real, o que somos? Sem aquilo que podemos tocar; sem o calor do sol que nos queima a pele; sem o horrível odor da vinhaça atirada ao canavial para lembrarmos o drama dos cortadores de cana; sem relações verdadeiramente afetivas, criativas e inteligentes, que nos instigam a curiosidade pelo novo e mexem com a nossa estrutura; sem os beijos perpassados pelo sedutor sabor das poesias; sem as cores, dos insetos, das flores e das pinturas, todas obras de arte de atores cotidianos; sem a política, a discussão, a contestação, a luta, a dialética, as trocas, as negociações, e todas estas abstrações paupáveis – sem o aquilo que nos torna humanos, o que nos resta?

Certos atores insensatos permitiram a nossa entrada triunfal pelo palácio acadêmico da hipocrisia, sob uma condição: que nos travestíssemos de seres inanimados. Deveríamos nos aceitar burgueses, por tradição familiar; mas mais que isso, deveríamos manter-nos burgueses, muito embora esta palavra inspire, certas vezes, uma comodidade revoltante até para o próprio burguês. Poderíamos permanecer aqui, desde que não nos pintássemos de negro, de vermelho, de amarelo, de verde, de azul. Desde que estivéssemos bem vestidos, desde que tivéssemos conta poupança, Registro Geral e Título de Eleitor. Tendo passado e não agindo no presente, prometeram-nos que aqui encontraríamos o futuro.

Entretanto, o podre futuro que o sistema vigente insiste em nos meter guela-abaixo como o melhor de todos, esse futuro pintado com muito dinheiro, sucesso, técnica e viagens, todo esse futuro corrompido pelo fútil, pelo débil, pelo egoísta, esse futuro fétido que veste os mais pobres com a mortalha de mais miséria – esse futuro não é uma imposição, mas uma escolha. E não nos esqueçamos: quem faz uma escolha deve assumir as suas consequências.

Mas nós, nós que sentimos, nós que sentimos falta, nós que queremos mais, que estamos aprisionados pelas barreiras da burocracia e das convenções sociais, nós que fomos vítimas da moral, dos bons costumes, da polícia, da ditadura – nós somos loucos, porque o sistema nos fez sentir. E sendo loucos, não aceitamos a loucura aniquiladora do sistema.

Já é o tempo de resgatarmos a parcela de amor que o sistema nos arrancou. É chegada a hora do espasmo, da revolta. É chegada a chance de admitirmos a ausência de personalidade que adquirimos nestes anos todos. Estamos fedengosos, inertes, imobilizados, reprodutores, mecanicistas, frígidos e sem um pingo de criatividade. Somos atores ou ventríloquos? Somos a elite intelectual do país ou, em realidade, um bando de marionetes da verdadeira intelectualidade corruptora?

É a hora de esbarrarmos nas limitações cotidianas de nossas relações. É a hora do xingamento criativo, da crítica artística, da manobra política, da ação consciente, do livro queimado, do contato com a dor e o sofrimento. É a hora de subir no palanque, de subir na carteira, de afrontar as verdades inverossímeis de professores retrógrados. É a hora de conhecer o chão que se pisa, o povo que se convive, a luta que é lutada. É a hora para a gíria, para a favela, para o popular, para o resgate do que se perdeu e foi usurpado da história política e cultural do Brasil.

A história, com todas as suas vicissitudes, passa, e nós, acúmulo de forças contraprodutivas, vomitamos, embebedados, as nossas futilidades, as nossas vergonhas, as satisfações mercadologicamente carnais que chamamos de amores. A história corre... Mas há uma meia dúzia de sujeitos, que todos achavam serem loucos, falarem bobeiras, perpetrarem escatologias. Uma meia dúzia de sujeitos que insistia naquilo que era palpável, na crítica pontual, no trabalho de base, na solidariedade, na força de um partido político, na luta, na responsabilidade histórica. Essas pessoas, puts, esses caras falavam que eram um “ator social”, que possuíam uma tal de responsabilidade histórica, que deveriam lutar pela abertura dos arquivos da ditadura, pouco importando tivessem vivido, ou não, a dor da tortura. Diziam-se ser, na verdade, a própria idéia que seguiam e que lhes transpirava do corpo e da alma.

Tinha algo neles que parecia uma unidade, algo emergente e urgente, que lhes transbordava a pele, que lhes integrava o suor e o sangue. Não sei porque, gradativamente, fui sendo cativado por estes sujeitos. Tornei-me louco como eles. Passei a gritar, a arrancar a roupa, a negar com ou sem fundamento, a conhecer o diferente, a tocar o real, sentir o cheiro da vinhaça e descobrir que os bóias-frias me inspiravam uma dor e um sentimento que eu achava que não me pertenciam. E um dia, estranho e lindo, escolhi sentir essa dor. Foram os sujeitos: eles me levaram a experiências que inevitavelmente me transformaram.

É porque a filosofia não se realiza, é o real que filosofa. A realidade me cativou. Cativará a todos nós. Aproximemo-nos dos loucos. Estão escondidos em suas tavernas discutindo os rumos do país. Ninguém os ouve e, no entanto, o futuro é a sua chegada, a sua morada. Mudarão o país, mudarão a história, mudarão a Universidade, todos eles – porque decidiram mudar a si próprios. Aproveitemos essa estada nauseabunda durante o curso de graduação: caso encontremos algum louco, e ele nos enlouqueça, terá valido a pena.

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Meu nome é Athanis, mas podem me chamar de Grego. Aprendi nas salas de aula da Universidade que deveria fazer diferente de tudo aquilo que tentaram me ensinar. Sou assessor jurídico da revolta e, como meus pares, minha luta é para transformar a vida em poesia. E esta é minha carta de boas-vindas pelo privilégio de poder contribuir com esta luta coletiva junto de vocês, fazendo minha opção política na luta de classes. Meus cumprimentos pelo privilégio de estar mais próximo de seus corações, assim como vocês estão mais próximas e próximos do meu.

domingo, 4 de setembro de 2011

A revolução brasileira: cosmogonia de nossa ação cultural para a libertação

Hoje, economizarei palavras. Trata-se de uma verdadeira economia política da comunicação. Tem dias que precisamos falar, com longas frases e velhas palavras. Aqui, não: redondilhas e o novo se exasperarão! Há quem diga que vivemos em um país tranqüilo de povo pacífico. Nada mais equívoco. Basta olharmos para nosso inconsciente e vermos as veias abertas de nossa insurgência. Por isso, o poema abaixo - crivado com o gosto dos cambucás de nossa história, uma longa travessia que representa nosso legado de ação cultural para a libertação destinado às novas gerações. No poema, torto como nossa história, irmanam-se e conjugam-se a filosofia da insurgência com as experiências rebeldes desta mesma filosofia. Para o fronte!

A REVOLUÇÃO BRASILEIRA
cosmogonia de nossa ação cultural para a libertação

Ricardo Prestes Pazello


Com o braço de Palmares
República de quilombos
Insurretos militares
No exemplo de Porongos

Resistência, força crítica
De caingangues e xavantes
Nas batalhas guaraníticas
E de tantos retirantes



Nas colônias anarquistas
Libertários que improperam
Falanstérios utopistas
Descontentes proliferam

Grevistas de todo gênero
Farrapos e Julianas
De motins menos efêmeros
O poder, guerras cabanas

A revolta dos posseiros
Um acordo Contestado
Zoada de cangaceiros
Equador confederado



Sangue d'ouro em Carajás
Guerrilheiros no Araguaia
Cova grande onde jaz
O exército da Praia

Movimento combatente
Justo timbre do protesto
Conjurado, inconfidente
Num conflito manifesto

A disputa balaiada
O levante de Canudos
E as massas arrastadas
Jenipapo nos entrudos

Na Coluna em longa marcha
E nas Ligas Camponesas
Covardia não se acha
Sim, trabalho; não, tristeza


Seja em Trombas, em Formoso
Porecatu, Caparaó
É o povo, belo e ditoso,
Fazendo uma luta só

Na Intentona comunista
No projeto popular
O horizonte socialista
Uma estrela a nos guiar

Conspiram as nossas gentes
Tal malês em rebelião
Dentre outros INSURGENTES
Tudo foi revolução
...
Tudo é revolução!


sábado, 3 de setembro de 2011

Revista Direito & Sensibilidade

Foi lançada a Revista Direito & Sensibilidade, fruto do I Encontro Nacional de Estudantes de Direito Extensionistas - I ENEDEX. A revista pretende reunir artigos científicos dos mais diversos projetos de extensão em direito do país a fim de fomentar reflexão e debates acerca das práticas e das teorias da extensão.

"A rua grita. A rua grita e não é escutada pelos juízes, advogados, teóricos do Direito, professores (...) temos que reaprender a escutar a rua enquanto produtora do novo."
Luis Alberto Warat - homenageado do Vol. 1, No 1, 2011


Íntegra do primeiro volume.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O toque de classe nas mobilizações em Teresina


Por Lourival de Carvalho

Quando nós, estudantes, saímos às ruas em defesa dos nossos interesses, bem como dos interesses dos/as trabalhadores/as que, nocauteados/as, ficam em seus trabalhos ou em casa, afirma a grande mídia que nos falta elegância ao bradarmos alto pela aparente quietude política das ruas de Teresina (e do Brasil).

Faltam-nos indumentárias pomposas, vozes singelas, olhares comedidos, pele branca e perfume intacto. Não, não temos isso. Somos malcheirosos, queimados pelo sol forte e temos os pés rachados. Somos feios, violentos, falamos alto e não temos compostura, enfatiza a mída. Os cabelos das mulheres não estão feitos, pelo contrário. Elas transpiram, gritam e agem feito homens. Que inaceitável, que absurdo!

Choca-nos o patrimônio privado - que deveria ser público - sendo esfacelado pelas ruas. A construção para. O lixo é queimado. O dia mal começa, e nós, os mentores da baderna, já estamos lá, atrapalhando o tráfego, o público e o sábado, como diria Chico Buarque.

Por entenderem que somos resistentes, que temos a pele grossa, embrutecida, enviam-nos um enxame de policiais para esporar a nossa pele e degradar os nossos olhos que insistem em se manter ávidos. Arrastam a nossa dignidade pelo asfalto. Carregamos dores, sonhos, indignação, beleza e raladuras na pele e na alma. Ainda assim, resistimos. Eles anunciam, em seguida, que há um batalhão requintado, elegantemente fardado e especializado para manter, através da mais implacável repressão, a (des)ordem privatizada.

Do alto de sua pirâmide, eles notam que há algo estranho aqui embaixo, entre nós. Observam que há um brilho incomum nos nossos olhos, que a nossa anatomia se retorce numa sintonia ímpar. Ficam estupefatos ao ver que descobrimos que aquele sinal fechado era falso, que nunca existiu. Sabem que temos ouvidos aguçados, que conseguimos escutar as vozes de dor espalhadas pelos grotões pobres, pelas ruas tortuosas da cidade. O nosso movimento sanguíneo segue vivaz, é mais intenso. Inquietos com tamanha insurreição, eles nos chamam de subversivos violentos, nojentos, vândalos, moleques, imorais, semeadores da desordem.

Há um estigma fácil (e eficaz) que costuma associar o crime aos favelados, negros, não-brancos e descamisados. Mas, por outro lado, fazem com que esqueçamos que a violência é dada vertical e diuturnamente. Quantos assaltos um indivíduo pobre, desempregado/a, sem qualquer perspectiva para o dia, mês ou ano, deve fazer para transitar pela cidade durante o mês? A mídia não mostra, mas é essa a conjuntura socioeconômica que temos.

O aumento da tarifa de ônibus é um ato de violência. Somos desumanizados sistematicamente dentro dos ônibus precários, na exploração do nosso trabalho, nas escolas e universidades, dentre tantos outros espaços. Aos poucos, descobrimos que a via apresentada não é una, e que outros caminhos são possíveis.

Nesse sentido, as nossas mobilizações contra este aumento abusivo, injusto e violento do valor da tarifa de ônibus em Teresina são legítimas. Sabemos que a nossa luta é sistêmica e, por isso, toda e qualquer insurgência é momento para questionarmos o que temos posto.

Aos que não creem, saibam que há sim um toque de classe em nosso movimento, no entanto ela não cheira à elite, e sim a povo.

Lourival de Carvalho é Membro do Fórum Estadual em Defesa do Transporte Público e do projeto Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil - CORAJE/UESPI.

Pimenta no olho do estudante
Por Raimundo Neto e Lucas Vieira

Hoje eu inalei uma parada ali que me deixou com os olhos vermelhinhos, vermelhinhos. Não, não é o que você está pensando. Foi o spray de pimenta – tido como arma ‘não letal’ – utilizado nessa segunda pela Tropa de Choque de Teresina, numa manifestação contra o aumento da passagem dos ônibus pra $2,10. O spray de pimenta age de forma inflamatória e lacrimogênea, atingindo as mucosas dos olhos, nariz e boca, provocando irritação profunda, tosse e outros efeitos colaterais. E olha, dissipa no ar que é uma beleza.


Durante as várias intervenções da polícia sobre os manifestantes, pude ver velhinhas, crianças, mãe com recém nascido no colo e outras pessoas que aparentemente não tinham nada haver com o movimento, correndo para fugir do fiel amigo das Tropas de Choque. Vi também um ponto de ônibus com umas 25 pessoas apenas esperando sua condução dissipar por completo em menos de 20 segundos, devido a uma única borrifada do spray por um dos policiais.

Esse mesmo ponto de ônibus que, iguais a muitos outros nessa cidade, já vi diversas vezes bem mais de 25 pessoas se apertando, se espremendo pra procurar um rastro de sombra que seja. Em uma cidade, muitas vezes insuportavelmente ensolarada e calorenta, essas paradas de ônibus parecem uma piada. Mas piada mesmo, um verdadeiro deboche é o próprio sistema de ônibus: alto custo, sem integração, não cumpre a demanda. Todos os dias pessoas são oprimidas, tratadas como coisas nesses ônibus e na sua espera.

Tanto desrespeito gera uma raiva. Uma justa-raiva, digamos assim. A raiva que, de tão grande, arde. Arde! E ardendo assim, tolhidas e tolhidos do seu direito de ir vir, do seu direito de ter acesso aos (poucos) serviços que a sociedade oferece, essas pessoas resolvem gritar, manifestar, protestar na esperança de que suas vidas não sejam ainda mais golpeadas pelos interesses de patrões e empresários.

Mas não é uma esperança que espera, é uma esperança que leva ao agir, inspirados nos exemplos das mais diversas lutas que, por conta delas, fez com que ao longo do tempo, os governos, as polícias a temessem. Assim, utilizam de várias formas de pressão para que que suas vidas possam mudar um pouco, serem tratados como verdadeiros humanos e um dia, de fato, poderem, autonomamente, dar direção a suas vidas.

Mas o que arde mesmo, o que arde é ver que toda essa opressão pode ser ainda maior, e que ao simples direito de protestar, somos recebidos com spray de pimenta. Pimenta, uma especiaria, um tempero há muito utilizado na culinária mundial, sendo utilizado para uma repressão que, com certeza, não iremos engolir. Não vamos escolher o tempero em que seremos devorados. Não vamos deixar ser devorados.

Raimundo Neto F é integrante do Coletivo Enecos Piauí – Uespi
Lucas Vieira é Bacharel em Direito – Uespi, Teresina – Piauí