Hoje, a coluna AJP na
Universidade mantém-se na discussão sobre o Teatro do Oprimido. As autoras,
Alice Kelly de Meira Barros e Thays de Carvalho da Silva, ambas estudantes de
direito da UFPR, em seu texto – produzido para a tópica “Assessoria Jurídica Popular”
–, argumentam que as AJPs têm, no Teatro do Oprimido, importantes lições que
devem ser seguidas. Entre elas, como ir além da linguagem jurídica cujos
ornamentos impedem seu diálogo com o povo.
***
A linguagem como elemento determinante da assessoria
jurídica popular
Alice Kelly de Meira
Barros
Thays de Carvalho da
Silva
A assessoria jurídica
popular muito tem a se espelhar na
experiência do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal [1], cujos objetivos
são, basicamente, a democratização dos meios de produção teatral, o acesso das
camadas sociais menos favorecidas ao teatro e a transformação da realidade
através do diálogo. Essas técnicas podem refletir positivamente na forma de
abordagem dos assessorados.
Não se pode negar que,
não raro, os juristas utilizam uma linguagem rebuscada, própria de sua área de
atuação, quando dialogam com aqueles que se reportam à assessoria jurídica
popular. Isso, no entanto, além de dificultar o enlace entre o mundo jurídico e
a realidade dos assessorados, pode soar de forma coercitiva, impositiva e
leva-los ao afastamento. É preciso, portanto, estabelecer um diálogo que
utilize verbetes e sinais por eles conhecidos, de modo que seja possível uma
verdadeira interação.
Assim como se pratica
com os envolvidos no Teatro do Oprimido, também os assessorados devem ser
estimulados a intervir nas propostas apresentadas pelos assessores jurídicos
populares. Considerando que se está a tratar da realidade de uma comunidade,
melhor contribuição não há que a dos que a constituem e que estão em contato
direto com os problemas apresentados. A assessoria jurídica popular não pode,
de maneira alguma, colocar-se como uma entidade superior, como instituição
máxima do saber, eis que os protagonistas desse relacionamento devem ser, na
verdade, os assessorados.
O Teatro do Oprimido
propõe a construção de uma imagem real e uma imagem ideal, a fim de que se
possa chegar à imagem de trânsito, que nada mais é do que "um agir de
transição" [2]. Assim também pode agir a assessoria jurídica popular: requerer
aos assessorados que façam uma exposição de sua realidade, com a totalidade de
seus problemas, bem como que apontem como gostariam que, de fato, fosse essa
realidade. Após, analisando o paralelo entre a imagem real e a imagem ideal,
poderão traçar metas, visando à modificação da realidade concreta, de modo que
se torne a realidade ideal almejada.
Outra ideia utilizada
por Boal em seu Teatro, também deve ser considerada e adaptada à realidade da
assessoria popular: dar abertura aos assessorados para que proponham e executem
soluções para os seus problemas [3]. Certamente eles irão se deparar com
dificuldades, porém, entenderão que por melhor que seja a ideia, há obstáculos
para colocá-la em prática, eis que demanda tempo e articulação. Dessa forma, saberão
lidar melhor com as demoras ocorridas ao longo do caminho e até mesmo com as
eventuais derrotas. Se não houver essa proximidade com a realidade enfrentada
pela assessoria jurídica popular, facilmente surgirão descontentamentos e
desistências, permeados pelo descrédito à assessoria jurídica popular.
Um trabalho jurídico
popular que leve em consideração as sugestões apresentadas, e que,
consequentemente, permita que os assessorados saiam da posição de espectadores
e se transformem em participantes de todo o processo de resolução de conflitos,
cumpre seu papel fundamental que é, de fato, assessorar e não resolver
unilateralmente os problemas apresentados. Uma assessoria jurídica popular não
deve dar aos assessorados algo acabado, mas em construção.
Nesse sentido, é
aconselhável que a assessoria jurídica popular trabalhe com três Frentes,
essenciais para o desenvolvimento de um contexto social mais justo e
igualitário, que são: a frente teórica, que realiza estudos acadêmicos, com o
objetivo de ampliar o conhecimento, buscando novas formas jurídicas de
pensamento; a de educação popular, que promove cursos e oficinas a fim de
facilitar o conteúdo teórico para que as próprias comunidades carentes possam
compreender o direito em que estão envolvidas; e a judicial, que pleiteia
perante os três poderes a materialização das reivindicações das organizações
populares, realizando assim, alguns trabalhos jurídicos [4].
Vale ressaltar que o
foco da frente teórica é proporcionar um espaço mais aberto, diferente dos escritórios
de advocacia tradicionais, considerando a informalidade, o tratamento
igualitário e a ampla possibilidade de diálogo, independentemente de
hierarquia, permitindo a produção teórica de novos pensamentos jurídicos,
"seja como fornecedora de informações, seja como elemento pedagógico que
atuaa na facilitação da compreensão do conflito, seja como interlocutora junto
aos órgãos incumbidos de executar políticas públicas, e até como defensora na
instancia judiciária", dando apoio à formação de um jurista mais ciente
das questões sociais em xeque [5].
Nessas condições,
conforme a proposta de aproximação, com as ideias do Teatro do Oprimido, resta
demonstrado que o trabalho com a comunidade não pode somente se focar na frente
jurídica, visto que a essência da assessoria jurídica é possibilitar a
facilitação dos conteúdos legais para a população insurgente, utilizando-se,
por exemplo, do teatro, que é uma ferramenta de trabalho social, político e
ético e que auxilia na transformação da sociedade e do indivíduo em si, já que
dá voz aqueles que não sabem de que forma se expressar, demonstrando suas
dificuldades e objetivos.
[1] BOAL, Augusto.
Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991.
[2] BOAL, Augusto. Teatro
do oprimido e outras poéticas políticas, 1991, p. 144-147.
[3] BOAL, Augusto.
Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991. p. 139.
[4] RIBAS, Luiz Otavio.
Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos
populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis: Curso
de Pós-Graduaçào (Mestrado) em Direito da Universidade Federal de Santa
Catarina, 2009. p,68.
[5] RIBAS. Direito
insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares
em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000), 2009. p. 77.
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