quinta-feira, 14 de abril de 2016

A linguagem como elemento determinante da assessoria jurídica popular

Hoje, a coluna AJP na Universidade mantém-se na discussão sobre o Teatro do Oprimido. As autoras, Alice Kelly de Meira Barros e Thays de Carvalho da Silva, ambas estudantes de direito da UFPR, em seu texto – produzido para a tópica “Assessoria Jurídica Popular” –, argumentam que as AJPs têm, no Teatro do Oprimido, importantes lições que devem ser seguidas. Entre elas, como ir além da linguagem jurídica cujos ornamentos impedem seu diálogo com o povo.

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A linguagem como elemento determinante da assessoria jurídica popular

Alice Kelly de Meira Barros
Thays de Carvalho da Silva

A assessoria jurídica popular muito tem a se espelhar na experiência do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal [1], cujos objetivos são, basicamente, a democratização dos meios de produção teatral, o acesso das camadas sociais menos favorecidas ao teatro e a transformação da realidade através do diálogo. Essas técnicas podem refletir positivamente na forma de abordagem dos assessorados.
Não se pode negar que, não raro, os juristas utilizam uma linguagem rebuscada, própria de sua área de atuação, quando dialogam com aqueles que se reportam à assessoria jurídica popular. Isso, no entanto, além de dificultar o enlace entre o mundo jurídico e a realidade dos assessorados, pode soar de forma coercitiva, impositiva e leva-los ao afastamento. É preciso, portanto, estabelecer um diálogo que utilize verbetes e sinais por eles conhecidos, de modo que seja possível uma verdadeira interação.

Assim como se pratica com os envolvidos no Teatro do Oprimido, também os assessorados devem ser estimulados a intervir nas propostas apresentadas pelos assessores jurídicos populares. Considerando que se está a tratar da realidade de uma comunidade, melhor contribuição não há que a dos que a constituem e que estão em contato direto com os problemas apresentados. A assessoria jurídica popular não pode, de maneira alguma, colocar-se como uma entidade superior, como instituição máxima do saber, eis que os protagonistas desse relacionamento devem ser, na verdade, os assessorados.
O Teatro do Oprimido propõe a construção de uma imagem real e uma imagem ideal, a fim de que se possa chegar à imagem de trânsito, que nada mais é do que "um agir de transição" [2]. Assim também pode agir a assessoria jurídica popular: requerer aos assessorados que façam uma exposição de sua realidade, com a totalidade de seus problemas, bem como que apontem como gostariam que, de fato, fosse essa realidade. Após, analisando o paralelo entre a imagem real e a imagem ideal, poderão traçar metas, visando à modificação da realidade concreta, de modo que se torne a realidade ideal almejada.
Outra ideia utilizada por Boal em seu Teatro, também deve ser considerada e adaptada à realidade da assessoria popular: dar abertura aos assessorados para que proponham e executem soluções para os seus problemas [3]. Certamente eles irão se deparar com dificuldades, porém, entenderão que por melhor que seja a ideia, há obstáculos para colocá-la em prática, eis que demanda tempo e articulação. Dessa forma, saberão lidar melhor com as demoras ocorridas ao longo do caminho e até mesmo com as eventuais derrotas. Se não houver essa proximidade com a realidade enfrentada pela assessoria jurídica popular, facilmente surgirão descontentamentos e desistências, permeados pelo descrédito à assessoria jurídica popular.
Um trabalho jurídico popular que leve em consideração as sugestões apresentadas, e que, consequentemente, permita que os assessorados saiam da posição de espectadores e se transformem em participantes de todo o processo de resolução de conflitos, cumpre seu papel fundamental que é, de fato, assessorar e não resolver unilateralmente os problemas apresentados. Uma assessoria jurídica popular não deve dar aos assessorados algo acabado, mas em construção.
Nesse sentido, é aconselhável que a assessoria jurídica popular trabalhe com três Frentes, essenciais para o desenvolvimento de um contexto social mais justo e igualitário, que são: a frente teórica, que realiza estudos acadêmicos, com o objetivo de ampliar o conhecimento, buscando novas formas jurídicas de pensamento; a de educação popular, que promove cursos e oficinas a fim de facilitar o conteúdo teórico para que as próprias comunidades carentes possam compreender o direito em que estão envolvidas; e a judicial, que pleiteia perante os três poderes a materialização das reivindicações das organizações populares, realizando assim, alguns trabalhos jurídicos [4].
Vale ressaltar que o foco da frente teórica é proporcionar um espaço mais aberto, diferente dos escritórios de advocacia tradicionais, considerando a informalidade, o tratamento igualitário e a ampla possibilidade de diálogo, independentemente de hierarquia, permitindo a produção teórica de novos pensamentos jurídicos, "seja como fornecedora de informações, seja como elemento pedagógico que atuaa na facilitação da compreensão do conflito, seja como interlocutora junto aos órgãos incumbidos de executar políticas públicas, e até como defensora na instancia judiciária", dando apoio à formação de um jurista mais ciente das questões sociais em xeque [5].
Nessas condições, conforme a proposta de aproximação, com as ideias do Teatro do Oprimido, resta demonstrado que o trabalho com a comunidade não pode somente se focar na frente jurídica, visto que a essência da assessoria jurídica é possibilitar a facilitação dos conteúdos legais para a população insurgente, utilizando-se, por exemplo, do teatro, que é uma ferramenta de trabalho social, político e ético e que auxilia na transformação da sociedade e do indivíduo em si, já que dá voz aqueles que não sabem de que forma se expressar, demonstrando suas dificuldades e objetivos.

[1] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
[2] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas, 1991, p. 144-147.
[3] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 139.
[4] RIBAS, Luiz Otavio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis: Curso de Pós-Graduaçào (Mestrado) em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. p,68.
[5] RIBAS. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000), 2009. p. 77.

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