sexta-feira, 16 de abril de 2010

Jornalismo da maioria, ouro de poucos

Por Jorge André e Lucas Vieira

Você sabe
O que eu quero dizer
não tá escrito nos outdoors
Por mais que a gente grite
O silêncio é sempre maior
Humberto Gessinger

É emblemático, para a construção da imagem do governo cubano como negativo, limitador das liberdades individuais e opressor de direitos humanos como a democracia, que um jornalista faça greve de fome. Logo, desdobram-se argumentos de que o socialismo é ruim para o mundo atual, e, mais ainda, que é autoritário, ditatorial.
O que não se questiona na grande imprensa é se o mundo construído além dessa ilha da América Central é garantia de um quadro oposto a isso. E, principalmente, se é melhor do que a teorização – e práticas – socialistas.
Como acreditar que uma sociedade onde o lucro tem grande importância; a diversidade de raças e sexualidades é veladamente tolhida; a democracia é concedida de uns para outros como um presente, e regida por limites dos países dominantes; como ela pode ser tão melhor para os seres humanos? É progresso? É desejada?
O jornalista, e o jornalismo que o apóia, funda sua atividade, predominantemente, na crença em um progresso. Mas a troco de quê? Da exaltação dos lucros fantásticos, por exemplo, que os royalties do pré-sal trarão a uns poucos brasileiros – que poderão sonhar com os padrões do multibilionário Eike Batista, reverenciado como um grande empreendedor?
Aqueles que saíram às ruas, aos gritos de "O petróleo é nosso!", talvez sejam os menos beneficiados por essas grandes somas de dinheiro. Serviram mais de fontes para compor a matéria jornalística, e sensibilizar a opinião pública para que se manifeste contra a "desigual" repartição das fatias do bolo. Ou, pelo menos, para que "a voz do povo" legitime as práticas que tenderem a não partilhar o lucro.
É de se esperar que estes mesmos agitadores apareçam nas ruas, clamando pela melhor distribuição de rendas, quando perceberem que as condições de vida não melhoraram, e o petróleo virou ouro de poucos.
A imprensa majoritária, que entende democracia como liberdade ampla e irrestrita de expressão, esquece de dar voz aos que certamente também precisam. É impossível não comunicar, diria o teórico. Mas é possível não repercutir da forma que se espera.
Cuba é um país socialista diante de uma quantidade enorme de capitalismos – plurais, sim, mas todos calcados no triunfo das elites sobre os menos favorecidos. Será que o país não merece uma oportunidade de ter uma imagem mais bem construída? O filósofo Michel Foucault disse que o poder não é uma manifestação somente negativa, pois se assim o for, não se sustenta. Cuba deve ter aspectos positivos na sua forma de governo.
Não que agora devam ser defendidas práticas violentas de repressão, ou se reduzir o mundo à polarização capitalismo-socialismo da época da Guerra Fria. Nem vale dizer que o governo castrista só trouxe o bem para aquela ilha. Mas a impressão que se tira do combate feito a esse país é que há uma necessidade de varrer qualquer sombra dos "derrotados" da face da Terra. Mais ainda: que no resto do mundo repressões como essas não existem, o que é uma omissão grave.
Outros também vivem à margem de uma cobertura jornalística mais apurada. O Movimento dos Sem-Terra, por exemplo, aparece aos olhos da opinião pública como "um bando de baderneiros" que "completa um quarto de século zombando da lei", como diria reportagem da Revista VEJA, em 28 de janeiro de 2010.
O que é desconsiderado, em boa parte dos casos, é que o movimento não se restringe a ações violentas, irrefletidas, como grande parcela da mídia quer colocar. Tais ações são, na maioria dos casos, as formas de (ex)pressão que esses trabalhadores têm para reivindicar a reforma agrária, ou ao menos serem ouvidos.
Se não se trata de sacralizar ou aplaudir todas as ações do movimento (reduzi-lo a bom ou mau, em vez de considerá-lo um importante agente social), é preciso que se tenha uma percepção geral de como ele se constitui.
O MST é formado por uma pluralidade de pessoas, e essa é apenas uma de suas faces. Há pessoas lutando por condições mais dignas de vida, por um pedaço de terra, não somente para si, mas para toda uma coletividade.
A partir desta perspectiva é que se pode julgar e/ou entender, sem maniqueísmos, a derrubada de pés de laranja nas terras griladas da Cutrale promovida pelo movimento, por exemplo. Nesse caso, apesar do choque causado pelas imagens, não foram (bem) questionadas as razões do ato; ele apenas foi tachado de arbitrário, irracional.
Essas reflexões são apenas um ponto de partida para se analisar o fazer jornalístico. Não se deve naturalizar as opiniões da maioria como se fossem verdades absolutas, a única versão possível dos acontecimentos.
É preciso sacudir os tapetes, revelar os fatos que ocorrem não só por uma perspectiva dominante, mas perceber que há muitos elementos que podem compor uma notícia. Assim, pode-se pensar em uma imprensa que respeite mesmo a diversidade , marca do mundo contemporâneo, e que se comprometa de verdade com os anseios do povo.

Jorge André Paulino da Silva
Estudante de Comunicação Social -Jornalismo da UFPI (Federal do Piauí) e de Direito da UESPI (Estadual do Piauí), membro do projeto CORAJE (Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil) e do Coletivo M.E.U (Movimento dos Estudantes da UESPI)

Lucas Vieira
Estudante de Ciências Sociais da UFPI e de Direito da UESPI, membro do CORAJE e do M.E.U

2 comentários:

  1. Estou gostando da empolgação do Jorge e do Lucas!

    Vou fazer um comentário bem geral desse assunto que em muitas partes se alinham com meu pensamento:

    (1)Nem preciso falar que são mais do que necessários esses momentos de reavaliação de verdades midiáticas. E é mais interessante, ainda, como combatem o maniqueísmo por um lado e o reafirmam por outro. Alegam a pluralidade de opiniões, ideias, modos de vida, mas só no que os contempla. E olhe que esse é um erro que devemos nos vigiar em não cometer, também.
    Além disso, é sempre com cautela que devemos tomar conhecimento de certos fatos, seja a respeito de qual sistema econômico-social for.

    (2)Generalizações são sempre perigosas, venham de onde vierem. E mais cruéis se tornam quando atigem e geram graves consequências a quem sempre foi imposto o pior dos destinos.

    O restante das minhas impressões/preocupações eu gostaria de expor aos autores pessoalmente em breve. Mas principalmente ouvi-los.


    Continuem assim, "garotos jovens"!hehehe!

    Xeru!

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  2. Após a leitura deste cuidadoso texto, cuidando de Cuba e do MST desdemonizando-os, me veio à mente o final do livro de ARMAND MATTELART, "A cultura como empresa multinacional" cuja conclusão se intitula "A morte de Superman":

    "As forças que derrotarão o Superman não serão, com todo certeza, os computadores ambivalentes e os raios lêiser, rebentos pacíficos do arsenal bélico da IBM e da Litton, colocados a serviço mercantil de 'todos os povos'. A única maneira de findar com o 'protetor dos fracos' e de cancelar o mito do fim da ideologia e da neutralidade científica consiste em possibilitar o surgimento de uma ciência e de uma tecnologia a partir das próprias massas, que lhes permita determinar seu próprio futuro. Somente estas ciência e tecnologia surgidas a partir das necessidades de sua mobilização consciente e organizada tornarão obsoletas as cadeias idealizadas e fabricadas 'para as massas' pelos tecnocratas do império com o objetivo de alcançar a 'mass-production' dos bens de sua sociedade particular" (MATTELART, Armand. "La cultura como empresa multinacional". Buenos Aires: Galerna, 1974, p. 165).

    MATTELART foi um membro belga do governo ALLENDE, no Chile, e um tenaz crítico das políticas imperialistas para os meios de comunicação. Vale a pena ler seu livro já clássico, escrito com Ariel Dorfman: "Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo".

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