Por Ana Lia Almeida
Ocupação é o estado de se apoderar de algo, tomando posse de uma coisa ou de um lugar. O ato de ocupar diz respeito a “fazer uso de”, e todos nós ocupamos diversas coisas e lugares no mundo: a casa em que moramos, a sala em que trabalhamos, a Igreja que freqüentamos, a associação de bairro em dia de reunião. Lugares e coisas têm funções, e ocupa-los é um meio de fazer com que sua função seja cumprida.
Uma casa vazia não cumpre com sua função de moradia, do mesmo modo que a ocupação da sala é condição para que o trabalho se realize. Numa Igreja desocupada não pode haver casamento nem missas, e do mesmo tipo de disfunção padece uma associação de bairro cujos moradores não conseguem se reunir.
Um dos grandes problemas das ocupações, contudo, estão relacionados à separação que nossa sociedade faz entre propriedade e posse, ou seja, o direito formal de “ser dono de” e a condição efetiva de “tomar posse” de algo, ocupando um lugar ou uma coisa e fazendo cumprir com sua função. A propósito, segundo a Constituição Federal, o direito de propriedade só é assegurado em nosso país se esta cumprir com a sua função social, o que significar ter produtividade, respeitar as leis trabalhistas e ambientais.
Pensemos no exemplo de um livro. Quem compra um livro e não o lê tem menos propriedade da estória que o mesmo conta do que alguém que não é seu dono, porém o leu. Aquele que o leu fez cumprir a função do livro de perpetuar a sua estória.
Ocupar a História, por sua vez, tem a ver com a condição de sermos sujeitos, de nos colocarmos ativamente diante da vida, com seus lugares e suas coisas, suas injustiças que combatemos e esperanças que lutamos para cultivar.
O dia 17 de abril entrou na História em 1996, por causa do problema das ocupações, dos sujeitos, das injustiças e das esperanças. Há 14 anos atrás, um massacre chocou o Brasil: a Polícia Militar do Pará assassinou 19 sem-terras durante um protesto em que 1.500 pessoas marchavam pela celeridade da Reforma Agrária. O triste episódio ficou conhecido como “A chacina de Eldorado dos Carajás”, e esta data foi legalmente instituída como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária (Lei n°10.469 de 2002).
Em memória a essas pessoas, assassinadas pelo mesmo Estado que deveria efetivar o seu direito a um pedaço de chão para cultivar alimentos, o MST costuma realizar diversas ocupações de terras e órgãos públicos no mês de abril. O período é conhecido e estigmatizado por muitos como “Abril Vermelho”, em alusão à cor da bandeira do MST.
Vermelho é o sangue que comumente é derramado nas ocupações que lutam por terra e justiça social. Mas vermelha também é a cor da vida, do sangue que corre nas veias de todas as pessoas do mundo. Vendo deste ângulo, a cor vermelha e a condição de ocupar são elementos comuns a todos nós. Um mundo vivo, humano, ocupado pela justiça, é a sua bandeira também? Pense nisso nesse mês de abril.
Gostei muito do seu texto, Ana. Um convite para (re)pensarmos as atividades que o MST desenvolve. A despeito de parcela expressiva da mídia e da sociedade taxarem o movimento de "baderna", de "bando de impunes", em verdade eles lutam por um pedaço de terra. Terra da qual os que podem pagar já dispõem, mas não se dispõem a repartir.
ResponderExcluirAchei interessante, também, porque, apesar de muitos dos que desenvolvem as ideias de assessoria jurídica pautarem as questões relativas ao MST, alguns de nós (como eu) não sabiam realmente o significado pejorativo da expressão "Abril Vermelho". Esse esclarecimento não só é necessário como é um convite àqueles que não discutem MST. Bela introdução!
É muito fácil estigmatizar o que não sou eu. Eu estou sujeita a ser aquela que aprisiona o outro num conceito que o afasta de mim. É bem menos problemático para minha vida cotidiana adotar essa postura, tomando para mim opinões pré-fabricadas a respeito de problemas que necessitam de algum tempo para uma reflexão mais séria, e que vai além do tempo do intervalo comercial. Preciso me conceder esse tempo para não me tornar mais conivente ainda (ninguém escapa) com algo tão pavoroso.
ResponderExcluirÉ um exercício que não tem fim.
E mais uma vez, obrigada pelo texto da Ana, Ribas!
Abraço!