domingo, 28 de março de 2010

O teatro e o ensino do direito (1)

Augusto Boal e as peças do direito

A assessoria jurídica popular significa uma nova proposta metodológica para o ensino do direito.
A arte, em suas mais diversas manifestações, é uma porta de entrada sem retorno para o assessor popular.
Aquele que se envolve em um projeto de assessoria com arte não poderá mais pensar o direito da mesma maneira.
O teatro é uma das ferramentas mais poderosas da educação popular, pois revela a realização da máxima "conquistar corações e mentes".

Augusto Boal, um dos grandes mestres do teatro popular brasileiro e mundial, traz uma frase fundamental para pensar a atividade de assessoria popular pela arte: "Todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou em praça pública para milhares de espectadores. Em qualquer lugar [.. ] até mesmo dentro dos teatros"

O ensino do direito formal está repleto de rituais de passagem e encenações. Para começar, trago alguns exemplos do cotidiano das faculdades de direito, e de conhecimento geral da nação: o trote, a aula expositiva, a vestimenta formal, a leitura da lei, a monitoria, a simulação do tribunal do júri, a prática no escritório modelo, o atendimento a clientes, a formatura.

Cada um deste exemplos desperta uma reflexão diferente. Ficarei com dois exemplo, os outros podemos debater nos comentários ou em outras postagens.

O trote é um ritual clássico, cada vez mais combatido, pela sua violência e ausência de significado. Afinal, o costume hoje não é algo muito diferente da origem deste ritual. Repetem-se experiências de constrangimento, difamação, e outras barbaridades. Aqueles que buscam ressignificá-lo são verdadeiros artistas.

A sala de aula do professor tradicional com o privilégio da aula expositiva não dialogada é uma encenação clássica. Alguns passam a faculdade toda vendo a mesma peça, o mesmo intérprete falador e os mesmos "espectadores". Estes sem ter a consciência que também participam da peça. O professor da aula expositiva não dialogada ensaiou seu discurso na década passada, ou até retrasada, e o repete desde então.

Em breve voltaremos com mais divagações sobre o teatro do ensino do direito, ou nunca mais.

12 comentários:

  1. Esse assunto muito me interessa, Ribas. Acho que vou aprender coisas interessantes com esse tema por aqui( que na verdade engloba vários).

    Engraçado que "teatro" sempre foi minha metáfora particular favorita na graduação para ironizar algumas aulas que eu tinha. Mas acho que a de um amigo era melhor, saindo um pouco do teatro, mas ainda na arte: aulas kafkanianas.

    Abraço!

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  2. O direito e o teatro possuem muitas semelhanças como muito bem apontado no post, embora reconheça que na prática nossas “aulas de direito” não se aproximam nem um pouco de um espetáculo artístico. O teatro possui a capacidade de emocionar, despertar sentimentos, lançar um olhar reflexivo sobre os atos humanos. Será que o ensino jurídico atualmente contém algumas destas características? Creio que não. O ensino ficou massificado reprodutor de doutrina jurídica de manual, que muitas vezes ensaia uma certa sofisticação teórica mas que no fundo não passa de uma fraude intelectual. Essa doutrinação não resolve os problemas de nossa sociedade e não desperta em ninguém a mais leve sensibilidade, a necessária reflexão e nem o olhar crítico. Esse é o teatro que é praticado em nossas salas de aula. O teatro do horror! A massificação do ensino jurídico criou esse teatro, no qual reina o “pacto da mediocridade”, onde professores fazem de conta que “ensinam o direito” e os alunos fingem que “aprendem o direito”. Acho que a melhor representação teatral que todos sonham um dia ver é aquela em que o ensino jurídico respeite a liberdade de pensamento, a pluralidade, começando pela própria concepção de direito e onde os alunos sejam voz ativa e participem como atores e não meros espectadores. Uma educação em que o melhor esteja ao alcance de todos. E não como hoje observamos no ensino jurídico do país onde o pior está ao alcance de todos. Abaixo a este teatro de horrores!

    Simplicio Leite

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  3. Simplício é o "dono" da expressão "aulas kafkanianas".

    Bem-vindo,amigo!

    :)

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  4. Para quem quer ter uma noção de até onde pode chegar a barbárie com que é tratada nossa educação basta lembrar da entrevista concedida para o ESPECIAL DO DIA DO PROFESSOR do jornal Folha Dirigida pelo JUIZ DE DIREITO aposentado e fundador da Universidade Estácio de Sá, maior Universidade particular da América Latina.

    Eis alguns trechos da entrevista:

    Para quem quer ter uma noção de até onde pode chegar a barbárie com que é tratada nossa educação basta lembrar da entrevista concedida para o ESPECIAL DO DIA DO PROFESSOR do jornal Folha Dirigida pelo JUIZ DE DIREITO aposentado e fundador da Universidade Estácio de Sá, maior Universidade particular da América Latina.

    Eis alguns trechos da entrevista:

    FOLHA DIRIGIDA: O que levou o senhor a transferir seu campo de interesse da Justiça para a Educação?

    JOÃO UCHÔA: Eu não me interessei pela educação e nem acho que eu seja uma pessoa muito interessada em educação. Eu sou interessado na Estácio de Sá, isso é que é importante. Estou interessado no Brasil? Não, não estou interessado no Brasil. Na cidadania? Também não. Na solidariedade? Também não. Estou interessado na Estácio de Sá.

    FOLHA DIRIGIDA: A Estácio de Sá não é cidadã, não é solidária, não é brasileira?

    JOÃO UCHÔA: A Estácio de Sá é uma instituição que quer dar o melhor ensino possível às pessoas, para elas fazerem desse ensino o uso que quiserem. Isso é a Estácio de Sá.

    FOLHA DIRIGIDA: As universidades privadas não se destacam em pesquisa. Por quê? Como são as relações da Estácio com a pesquisa?

    JOÃO UCHÔA: As pesquisas não valem nada. A gente olha todo mundo fazendo tese, pesquisa e tal, mas não tem nenhuma sendo aproveitada, raríssimo, é uma inutilidade pomposa, é uma perda de tempo federal. Aquilo ali vai dar um monte de título para o cara, ele vai arrumar um emprego bom e vai trocar cartãozinho com o outro que pesquisa também e fica aquela troca de reverência, para um lado e para o outro, mas a pesquisa em si não vale nada. As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora. Estou hoje trabalhando muito, a gente estava com 137 pesquisas em andamento, não tinha uma que prestasse. Parei todas elas e vamos começar a fazer pesquisa útil. E o que é pesquisa útil? É aquela que pode ser aproveitada pelo homem comum.

    Simplicio Leite

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  5. Peço desculpas pela parte inicial do texto que foi repetida.

    Para quem quiser acessar a entrevista inteira basta acessar o link: http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/maior_riqueza/5.html

    Um abraço a todos!

    Simplicio Leite

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  6. Infelizmente, o que mais presenciamos nas salas de aula são as aulas ensaiadas, como o post, aulas teatrais. Concordo com o comentário, onde diz que, teatros trazem emoções e as aulas não. Mas, em teatros não se discute, apenas, se assiste. E, há algumas aulas de direito presenciais em casos mais extremos que podemos comparar a vídeoaula: o aluno nunca tem contato com transmissor da informação, apenas vê e ouve.
    Magnifíco trabalho do Luiz Otávio na luta da popularização do direito partindo da sala de aula.

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  7. Passei alguns dias sem visitar o blogue e acabei só vendo agora essa discussão. Espero que não seja tarde demais pra comentar.

    Pra quem trabalha com AJP, especialmente em atividades de formação, agitação e propaganda, ou educação popular, é óbvio que a relação entre direito e arte é essencial. O teatro do oprimido é, nesse sentido, um dos elementos essenciais dessa utilização insurgente da arte no Direito, pois ela ajuda a despertar sentidos, a refletir sobre a realidade concreta.

    Percebi porém que sua importância não é meramente restrita aos métodos que a AJP utiliza, mas envolve também concepções TEÓRICAS importantíssimas.

    Digo isso pelo seguinte: em um debate acadêmico a respeito de uma das mais importantes obras de um festejado filósofo do direito ("o imperio do direito" de Dworkin), fazia-se uma comparação entre a atividade de interpretação do Direito e a atividade de interpretação de uma obra de arte. Daí surge uma série de questões, como uma (suposta - ?) intenção destes sujeitos em "interpretar sob a melhor luz", em criar-se pela interpretação um novo objeto que é diferente do próprio objeto analisado, etc.

    Estas são reflexões interessantes, e apesar de não haver aqui maior espaço pra essa discussão, percebe-se claramente uma relação entre o tema da estética e da hermeneutica jurídica, interpretação do direito, etc., sempre a partir de uma dada teoria. É um tema interessante, pois nos permite "refinar" (compreender melhor) as atividades dos juristas em geral.

    Ocorre que, num elemento-chave destas atividades (de crítica estética e de interpretação do direito), que é a determinação do SUJEITO (quem é o crítico? quem interpreta o direito?), eis que a resposta foi: O ESPECIALISTA (ou seja, aquele tecnicamente "capacitado" a estas atividades; o crítico de arte, o artista profissional, o bacharel em direito, etc etc).

    Percebi nesse debate que os mesmos "empecilhos" que se costuma colocar ao teatro do oprimido pelo pessoal envolvido com arte são também impostos à AJP: o de que o povo não está capacitado para fazer arte, interpretar/criar o direito, etc etc.

    Penso que este é um tema que pode nos ajudar muito na compreensão do papel da AJP e na concepção geral de Direito que ela precisa desenvolver. Faço minhas as palavras de Nayara: esse tema muito me interessa!

    Estudemos o Direito e a AJP a partir da cultura popular!

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  8. Nunca é tarde, Diehl.

    Eu sempre tive imensas dificuldades em conceber o conhecimento como coisa estanque e perfeitamente separado em prateleiras. Acho que flertar com a transdiciplinaridade (agradeço aos novos amigos do SURJA-Pelotas), muito mais que com a interdiscplinaridade, até, é bastante saudável. No nosso cérebro tudo é uma coisa só!Daí a importância de algo que mexa com a emoção e com a razão, simultaneamente, como o teatro e as artes em geral.É uma forma intensa de chacoalhar nossas impressões e ideias pré-concebidas, se bem feita.

    Ah, por falar nisso, " razão e sensibilidade" é a temática do ERED-NE desse ano, que também vai acontecer em Teresina (XII ERENAJU acabou de acabar). Interessantíssimo Jane Austen sendo utilizada para esses fins...srs!

    Abraço, galera!

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  9. Mais uma vez é o nosso blogue cumprindo seu papel, de discussão e amadurecimento de conceitos, defesa de idéias e posições políticas!

    Com esta recepção tão calorosa me animei para seguir postando sobre arte e direito.

    Vamo que vamo!

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  10. O debate realmente rendeu bastante e ainda pode render muito mais. Esta é uma temática sempre pertinente e que por sinal será discutida no ERED-NE, no PAINEL II: "Ensino Jurídico – O Direito que se ensina errado"

    1) Tecnicização e Mercantilização da Educação Jurídica - Análise do panorama atual de um curso de Direito tecnicista e pouco voltado para formação mais humana; As consequências do crescimento desenfreado do número de faculdades de Direito e da proliferação de cursinhos preparatórios para a má qualidade dos cursos."

    Painelista: Nelson Juliano (UFPI)

    Os amigos que tiverem o privilégio de ir, por favor, contribuam para o debate, vocês serão imprescindíveis!!!

    Um fraternal abraço a todos!

    Simplicio Leite

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  11. Teatro do Julgamento no Supremo Tribunal Federal: Caso Cesare Battisti.
    http://www.youtube.com/watch?v=cbvvpbsUM_M&feature=g-all-u

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  12. Teatro do Julgamento no Supremo Tribunal Federal: Caso Cesare Battisti.
    http://www.youtube.com/watch?v=cbvvpbsUM_M&feature=g-all-u

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