sábado, 6 de março de 2010

"Monólogo" do Poeta do Povo e da Mocidade


Há coisa de um lustro, entrei em contato com um poema sensacional das letras nacionais. O poema se chamava "Monólogo" e era de José Guilherme de Araújo Jorge, um até então para mim desconhecido poeta acreano, muito lírico mas também contestador. Eram tempos em que eu trabalhava na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Paraná, fazendo comunicação e assessoria a uma associação de catadores de material reciclável na periferia de Curitiba. Em uma das atividades de educação popular, apareceu o poema, que me marcou profundamente e o qual gostaria de compartilhar com todos os leitores do blogue. Aproveito para divulgar a página construída em homenagem ao poeta, Araújo Jorge, que, além de bacharel em direito, foi um humanista e um socialista que lutou contra duas ditaduras - a estado-novista de 1937 e a militar-milagreira de 1964 -, e que apesar de poder ter suas contradições biográficas merece ser relembrado pelo vigor de sua pena e pela ampla popularidade de seus versos entre trabalhadores e jovens, dando origem inclusive à antonomásia: "o Poeta do Povo e da Mocidade". Eis o poema, retirado do livro "Estrela da terra", de 1947:


"Monólogo"

Meu filho,
se te dissesse que poderia haver um mundo de duas classes,
em que uns trabalham e outros não,
e os que trabalham. mendigam, e passam fome,
e os inúteis gozam e desperdiçam.

Se te dissesse que poderia haver um mundo
em que uns têm tudo: pão, remédio, crianças, futuro,
- já nasceram proprietários do futuro! -
e os outros não tem nada, nem mesmo meios para a luta,
a grande luta desigual.

Se te dissesse que nesse mundo
há homens de automóveis, tapetes, mulheres perfumadas,
e homens na chuva, ao relento, mulheres nas calçadas,
e aos primeiros não causam a menor impressão tal acontecimento
e os outros não se revoltam, - estendem apenas as mão vazias
- e exalam lamúrias.

Se te dissesse que a justiça e a fé são mercadorias inacessíveis
aos realmente necessitados:
e o direito é apenas a lei que manterá tal estado de coisas;
e há homens que jogam a riqueza pelo prazer de jogar
e outros que mereciam e morrem sem conquistá-la.

E se te dissesse que apesar de tudo esse mundo existe realmente
e vive, progride, e avança,
havias de me dizer: impossível, meu pai,
um tal mundo jamais poderia existir
nem poderia a vida afinal ser tão má!

Entretanto, meu filho, basta abrires teus olhos,
aí está, - parece incrível, não é? - mas aí está!



3 comentários:

  1. A idéia compõe o real?
    Muito bom poema!
    Depois de uma semana de muito trabalho para tod@s, nada melhor que este lindo poema.
    Recarregamos as energias, vamo que vamo, não deixa cair!

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  2. Década de 40 do século passado, Pazello!É uma vergonha essa poema ser tão atual...

    E, Ribas, você disse tudo!

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  3. Pô, pazello, valeu por nos brindar com esse poema.

    Também nunca tinha ouvido falar do cara. Mas essa poesia já disse muito dele.

    nayara tem razão, é sempre uma vergonha. A realidade esta aí, basta enxergarmos. Como diria saramago: 'se podes olhar, vê. Se podes ver, repara'

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