sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O advogado popular: um ser em extinção?

Os assessores estudantis querem saber: o advogado popular está em extinção?


Há cerca de três anos iniciei uma pesquisa para buscar responder esta e outras perguntas, como, por exemplo, qual o envolvimento deles com a educação popular.

Entrevistei, de 2007 a 2009, advogados em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, com destaque para os grupos ACESSO - Cidadania e Direitos Humanos e Instituto Apoio Jurídico Popular (AJUP).

Escolhi o ACESSO (1986) e o AJUP (1985-2002) porque ambos desenvolveram atividades de assessoria jurídica e educação popular por mais de 15 anos. Também porque seus integantes atuaram em conjunto antes que o AJUP finalizasse suas atividades em 2002. Em função disso, tive que entrevistar assessores que fizeram parte das turmas de formação do AJUP ou que inspiraram-se em seus princípios e diretrizes.

Uma ressalva é necessária quando fala-se em educação popular por parte destes grupos de advogados, uma vez que esta atividade diferencia-se substancialmente daquela desenvolvida pelos estudantes.

O AJUP desenvolveu uma série de trabalhos neste sentido. Os exemplos mais importantes são as visitas aos locais de conflito, as turmas de formação e a publicação "Socializando o conhecimento".

Era comum, que os advogados, educadores, sociólogos, antropólogos, entre outros integrantes do AJUP, fizessem visitas em comunidades em conflito. Muitas vezes, eles conviviam por alguns meses com a rotina dos acampamentos e assentamentos, rurais ou urbanos. As atividades envolviam desde a assessoria jurídica ao conflito específico, quanto atividades de formação e outras típicas da solidariedade de um militante orgânico.
As turmas de formação ocorriam nos locais de conflito ou então próximo a cidade sede do AJUP, Rio de Janeiro, com o objetivo de formar estudantes universitários e militantes para o trabalho popular. Era bastante comum a participação de militantes que atuavam no interior do Brasil, onde não havia sequer uma estrutura mínima de assessoria jurídica, quando muitos trabalhavam como juristas leigos, peticionando, participando de audiências etc.
Já a publicação "Socializando o conhecimento" reuniu uma série de textos para a leitura de integrantes de movimentos e assessores populares. Foram feitas entrevistas com militantes com o objetivo de registrar experiências, assim como foram publicadas teorias dos assessores populares, no sentido de comunicar as suas reflexões aos assessorados.

Por sua vez, a ACESSO conta com duas frentes de educação popular. A primeira é a de assessoria universitária, o grupo NAJUP que iniciou seu trabalho na sede da ACESSO e na PUCRS, e que hoje é autônoma, mas conserva o vínculo com o advogado popular Jacques Alfonsin. A outra frente é justamente o trabalho de Jacques Alfonsin nas CEBs, quando por muitas vezes aborda temas ligados à política e ao direito, em comunidades no Rio Grande do Sul, inclusive assentamentos e acampamentos rurais e urbanos.

Por fim, pode-se afirmar que existem exemplos concretos de educação popular na advocacia. Para citar alguns outros, inclusive inspirados no trabalho do AJUP e da ACESSO: o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) de Recife-PE, a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), e o grupo de Assessoria Jurídica Popular Mariana Crioula do Rio de Janeiro-RJ.

11 comentários:

  1. Então, Luiz!

    E como estão as novas articulações de advogados populares?

    Afinal, eles estão ou não em extinção?

    A contribuição de assessores populares do Brasil inteiro seria essencial para termos um mapa destes militantes pelo país.

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  2. Estimado companheiro blogueiro e tod@s

    O meu objetivo nesta postagem foi a descrição do trabalho de alguns advogados, para demonstrar algumas experiências de união da assessoria jurídica com a educação popular.

    Logo, se existem experiências prévias, que já tenham acabado ou que estejam a perigo, é possível falar em possibilidade de extinção.

    O título provocativo foi mais para instigar os leitores, que tenham encilhado seu pingo nesta esquina das tortuosas vielas de bites e gigabites.

    Por fim, tens toda a razão em reivindicar uma análise de conjuntura nacional, a qual me resigno em afirmar qualquer coisa, por pura falta de opção, diante de minha sonora ignorância.

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  3. Aprendendo sempre um pouco mais sobre, por aqui...

    Obrigada, Ribas!

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  4. Caro Ribas;
    Camarada, nos conhecemos no seminario na UERJ e por intermédio da Mariana (najup uerj), já há algum tempo.
    Bom, acredito que não está em extinção (advocacia popular), mas que a rede encontra-se bastante fragmentada nos Estados,devendo rever sua formas de articulação, isso sim é cristalino e verídico. Como sabes defendo uma assessoria jurídica popular integrada com escritórios modelo atuando como veículo de propagação, atuação e representação das demandas socio-jurídicas dos movimentos sociais aqui no RJ (claro sempre evitando-se a judicialização e trabalhando com educação popular e formas alternativas de resolução de conflitos), mas confesso-lhe que estou perdendo a batalha dentro do meio institucional acadêmico da prática jurídica, não só por causa da dificuldade de material humano para atuar nestes espaços como também pelo ranço conservador (tecnocrata e formalista dogmático das estruturas e das formações destes docentes, se é que em alguns casos podemos falar de docentes qdo na verdade o que temos são advogados fazendo "bico" no escritório modelo para ter o título de professor e aumentar a sua clientela)e por que não também de corruptela nas escolhas e seleções das bancas...è uma luta muito árdua esta das transformações dos nucleos de pratica jurídica das universidades...na conjuntura atual...quase perdida...Sabes da luta que travamos constantemente para a manutenção do NIAC-UFRJ...Por outro lado há sim uma distância abismal entre advogados populares e alunos universitários... (há um artigo da eliane junqueira excelente sobre isto na revista el otro derecho) ambos não se integram, cada um representa seu movimento politico e tenta captalizar para si e seus grupos numa disputa simbólica de fazer inveja a pierre bourdieu. Venho pesquisando este espaço de disputa a quase três anos (objeto de dissertação de mestrado) e espero defendê-lo em breve podendo disponibilizar minha pesquisa (que se vincula mais aos advogados populares junto a defesa dos sem teto) aqui no blog. No mais em relação aos adv. populares, sim existem vários atuando de maneiras diferentes com focos e em espaços diferentes de atuação,pelo menos percebo aqui no RJ que a rede não consegue manter uma relação com todos. A própria rede a nivel nacional congrega, como pude perceber no último encontro que fui (dez 2007), ativistas com formas de atuação e posições bastante diversas...Acredito que temos de pensar formas singulares de congregar e captalizar juntamente todo este ativismo inclusive os resultados dele (jurisprudencia, forma de atuação, experiencias populares,...)... não se tem conseguido fazer isso. Faço minha meia culpa também neste processo. Estamos perdendo uma articulação riquíssima de experiências que poderiam estar fazendo a diferença de fato nas lutas desse país. há outros problemas também como cooptação institucional de quadros, cooptação não-institucional, "ongzação" excessiva de quadros que muda as dinamicas da militancia, entre outros...a lista é enorme. Bom...foi mais um desabafo de um militante nesta arena diária das lutas. Quanto a assessoria jurídica popular, as poucos terei o maior prazer de disponibilizar minhas experiências e artigos sobre o tema aqui no RJ.
    Parabéns pelo Blog e espero ser um contato constante daqui do RJ para vcs!
    Att,
    andre mendes (Advogado popular e supervisor do escritorio modelo interdisciplinar em dtos humanos - NIAC/UFRJ)

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  5. Camarada Ribas!

    Uma outra problematização a partir dessa pergunta é pertinente: afinal de contas, o que é um advogado popular? O que faz? Onde atua?

    Alguns tratam a questão do "ser" advogado popular como uma "questão de espírito" (do tipo "me solidarizo com os oprimidos, logo sou advogado popular"). Eu mesmo passei anos na Academia pensando que ser advogado popular era trabalhar com movimentos populares a partir de ONGs (devido a falta de estrutura desses movimentos), seja nos trabalhos mais jurídicos, seja nas atividades de formação e de educação popular.

    Penso hoje em dia que essa é uma concepção muito restrita e problemática, pois aceita o estado geral de fragmentação das lutas e de (des)organização dos vários instrumentos de luta da "classe-que-vive-do-trabalho".

    É uma questão complexa e que não cabe num mero comentário (me comprometo, mais pra frente, em levantar essa bola em postagem, caso ninguem o faça antes). Apenas deixo como sugestão que pensemos o seguinte: não seria mais interessante pensarmos no advogado popular como o sujeito que atua na defesa dos mais diversos grupos dessa mesma "classe-que-vive-do-trabalho", nos mais diversos âmbitos (trabalho, moradia, educação, saúde, identidade, igualdade, cultura etc) da produção da vida?

    Se pensarmos dessa forma, talvez os advogados populares não estejam em extinção, na mesma medida em que essa classe também não está (que me desculpem os pós-modernos!). Trata-se então de resgatar a ambos a consciencia de si e do mundo que nos rodeia. É aí que entra o nosso papel!

    Abraço

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  6. Camaradas

    Me sinto muito reconfortado com os comentários de todos!
    Vejo que minha provocação surtiu efeito.
    Vamos aguardar a postagem do Diehl.
    André, estás convidadíssimo para integrar o blogue conosco, estou te enviando o protocolo agora. Aguardamos tua pesquisa quando estiver pronta. Por enquanto, manda aí o nome do artigo da Junqueira, eu vou tentar conseguir a autorização com ela para publicar por aqui.
    Diehl, concordo plenamente com o teu conceito de advogado popular como aquele que está ao lado da classe-que-vive-do-trabalho, que trabalha com as mais diversas causas.

    Avante companheirada, vamos reconstruir esta rede de advogados e advogadas populares!

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  7. Profe, durante a apresentação da minha pesquisa sobre as perspectivas da adv popular em ctba, eu não quis polemizar.. mas as únicas entidades do 3ºsetor "esquerdas radicais" que criticam a aproximação das entidades do 3ª setor junto a iniciativa privada, (e eu já tive a oportunidade de ouvir tais críticas baseadas na submissão aos de patrões, etc) preste atenção: recebem recursos oriundos de ong's estrangeiras. Principalmente da Itália! Então se torna fácil criticar o sistema estando confortavelmente fora dele. Como no caso do Cefúria e Terra de Direitos entre outras.
    E o que há de mal em garantir a aproximação das setoriais? Enquanto as empresas fazem grandes tomadas de recursos públicos, nós devemos apreender italiano, caminhar para extinção? Ou ainda, até quando temos que passar o chapéu?

    Forte abraço!
    Leslie.

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  8. Olá Leslie
    Muitos grupos de assessoria estão junto com movimentos sociais que buscam a extinção do capitalismo. Logo, esta aproximação pode significar a perpetuação deste sistema que se quer destruir. Por outro lado, alguns defendem (não é meu caso) que esta é uma aproximação estratégica.
    O fato de organizações de direitos humanos brasileiras (e não ONGs) manterem-se com financiamento internacional coloca estas, realmente, em condições diferentes daquelas que utilizam financiamento público e privado brasileiro. Isto é algo complexo, porque inclusive organizações anarquistas financiam grupos brasileiros - o financimento, puro e simplesmente, não significa a perpetuação do capitalismo.
    As empresas que buscam desenvolver projetos sociais o fazem numa tentativa de dar sobrevida a este sistema capitalista em frangalhos, que não oferece nenhuma saída real para a questão social e ambiental.
    Estamos em lado diferentes, mesmo assim, com grande respeito pelo debate, na busca de esclarecer nossa posições.
    Abraços

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  9. Pra ficar claro, a aproximação que eu estou negando é entre grupos de advogados e empresas.

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  10. Olá meu nome é André, sou de Curitiba e sou advogado popular, assessor jurídico da Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais.
    Gostaria de manter contato com os colegas da verdadeira advocacia, afirmando que não estamos em extinção...

    Segue abaixo meus contatos:
    andre-dallagnol@hotmail.com
    andrehalloys@gmail.com
    Cel. 41-9682-4545
    Tel. 41-3092-4097 - Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul - Arpin-sul.

    Abraços companheiros!!!

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  11. Já faz muito tempo...mas é muito saber que este espaço pode ser uma arena qualificada de discussão. Caro Diego Diehl; tenho um pouco de ressalvas a tua frase:

    "não seria mais interessante pensarmos no advogado popular como o sujeito que atua na defesa dos mais diversos grupos dessa mesma "classe-que-vive-do-trabalho", nos mais diversos âmbitos (trabalho, moradia, educação, saúde, identidade, igualdade, cultura etc) da produção da vida?"

    pois ela tende a generalizar colocando o foco na clientela...tenho receio de que tal postura possa trazer também o advogado convencional de menor capital social junto a uma grande clientela e que por isso advoga para setores da classe média ou mesmo setores precarizados, e marginalizados...Lembro-lhe que o que diferencia advogados populares realmente é a prática profissional, já que estes profissionais transcendem o jurídico a favor do político - a causa pela qual lutam, acreditam e seguem a cada dia. Na realidade mais do que se posicionar em empregos onde eles possam conjugar sua prática profissional com seus principios e marcos éticos,(ou seja, escolha de casos, clientes e carreiras que possa corresponder a sua prática diferenciada e sua etica), transitando na fronteira com o profissionalismo e as disputas por sua tradução (advogados de ongs por exemplo), existem aqueles advogados de causa que politizam as causas de forma explicita e demarcada. Tal atitude de transcender em último grau (num movimento sem volta)o jurídico em direção ao político (levando a luta para outro nível) se dá porque esses advogados não apenas escolhem lados e afastam o ideal de neutralidade, mas sim, porque de fato colocam o “politizar a prática legal” como eixo central de seu ativismo.
    Não se trata mais aqui de escolher um lado compatível com seu referencial ético/político e assim manter-se nos limites do profissionalismo; se trata antes de tudo, de assumir um papel político, um projeto transformativo e conduzir sua trajetória e militância a partir dele. Isto é, um desafio à sociedade e à profissão a partir da fusão entre vida política e prática jurídica e do compromisso com agendas políticas de mudança, de transformação. Acredito que os colegas que vêm de trajetórias de experiência com a assessoria jurídica popular/ educação jurídica popular (que é uma das portas de entrada da advocacia popular) podem entender melhor tal assertiva já que são profissionais que ressignificaram suas praticas jurídicas desde os bancos das escolas de direito, tanto é que trabalham com um amplo leque diversificado de atuação junto ao movimento social que não necessariamente passam pela seara judicial...

    ps. sem querer entrar no debate do assessor (aquele que tem ou nao carteira da ordem mas que realiza assessoria juridica a população)estou a falar dos advogados que atuam nos movimentos sociais que nutrem um diálogo com estes grupos e compartilham e forjam práticas e agendas político-jurídicas emancipatorias de atuação.

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