Prosseguindo a divulgação dos textos
elaborados para a disciplina tópica Assessoria Jurídica Popular, da
Universidade Federal do Paraná, ministrada por Ricardo Pazello, a coluna AJP na
Universidade desta semana divulga uma reflexão sobre as dificuldades e
potencialidades da prática de Assessoria Jurídica Popular, em especial as
reflexões que se voltam à definição do próprio direito e as
limitações/aberturas de uma atuação dentro da ordem. As autoras, Aline Carvalho
(antiga integrante do SAJUP-PR), Amanda Gennari, Heloísa Kruger e Fernanda
Macedo são formadas pelo curso de direito da UFPR.
***
Assessoria Jurídica Popular: nada deve
parecer impossível de mudar
Aline
Carvalho
Amanda
Gennari
Heloísa
Kruger
Fernanda
Macedo
A
massificação e coisificação de grande parte da população, a qual vê, de geração
em geração, a anulação da condição de sujeito de sua própria emancipação, dão
corpo à grande desigualdade e exclusão social tão presentes na nossa realidade,
não mais tão desapercebida aos olhos nus de qualquer cidadão brasileiro.
Analisando tal contexto é de se presumir uma forte atuação de uma assessoria
jurídica popular.
Obviamente,
também considerando que tal presunção estaria por demais inocente, tendo em
vista o Estado Capitalista sobre o qual se constrói a nossa sociedade, é que a
temática da assessoria jurídica popular, em especial, toma-se muito mais
complexa do que qualquer uma dessas teorias do direito.
Diante
disso, vêm surgindo novas formas de se utilizar o direito em favor desses
grupos oprimidos por um Estado capitalista e neocolonialista. Essa nova
concepção social do direito se afigura em algumas designações já desenvolvidas
por estudiosos, como o uso alternativo do direito, o direito alternativo e o
direito insurgente.
O
uso alternativo do direito seria uma espécie de atuação progressista dos
operadores do direito (ou positivismo de combate), como no caso do movimento
encabeçado pelos juízes gaúchos. O direito alternativo, por sua vez,
consistiria em práticas e produções jurídicas por intermédio das próprias
comunidades marginalizadas e oprimidas. Por fim, o direito insurgente viria
como um conceito mais amplo, representando a prática jurídica comprometida com
a classe excluída do sistema capitalista, partindo do pressuposto de que
direito oficial não resolve as injustiças sociais, questionando-o e rompendo
com ele.
Não
por outro motivo é que a concepção do pluralismo jurídico também aparece como
fundamento da assessoria jurídica popular. Uma das premissas básicas do
pluralismo jurídico é a tentativa de (re)aproximação entre o direito oficial,
vigente, posto, e as inúmeras interações sociais que ocorrem atualmente no
nosso país. Essa corrente, amplamente debatida por grandes estudiosos
brasileiros, propõe a busca de outras fontes do direito que transcendam os
meios jurídicos convencionais, dando espaço para novos atores sociais que, em
seu âmbito de atuação, também criam fenômenos jurídicos próprios. Se o que se
almeja é um direito efetivamente democrático, ele deve absorver os influxos da
própria sociedade civil.
É
a partir daí que se deve conceber o direito insurgente como o principal
instrumento dos grupos e movimentos historicamente oprimidos, se desenvolvendo
paralelamente ao direito oficial. Um direito construído na periferia pare
contestar a ordem estabelecida.
No
entanto, o que se pretende na presente análise é avaliar qual e aplicabilidade
prática dessas teorizações, através da atuação da Assessoria Jurídica Popular,
desde o seu embrião nos núcleos de extensão das universidades, cuja principal
proposta é a conjugação do saber acadêmico e científico com o saber popular.
Para que isso seja possível, a AJUP procura levar às comunidades algo para além
desse direito oficial, ensinado nas universidades, uma vez que este se encontra
muito distante das diversas demandas que o grupo costuma se deparar na
realidade.
Na
prática, o maior desafio é romper com as barreiras, sejam elas burocráticas,
institucionais, a falta de financiamento, o poder significativo utilizado pela
mídia que apenas corrobora com a manutenção da exclusão social, ou, inclusive,
o próprio direito que, ao considerar iguais os desiguais, acaba por validar a
exploração histórica de uma classe por outra.
Assim,
com vistas a essas barreiras e teias de proteção do sistema fechado, como se
dará a aplicação do direito insurgente? Dentro ou contra tal sistema? Seria
possível uma atuação simultânea dentro e fora? E, se optássemos por uma atuação
exclusivamente fora e contra o sistema capitalista, de que forma poderíamos
gerar os frutos almejados pela assessoria jurídica popular?
Verdadeiramente,
não há uma resposta para todas essas interrogações que permeiem a atuação do
advogado popular. Seja dentro ou fora do sistema, o incentivo à produção
teórica e ao estudo do tema e a inserção do debate e da prática extensionista
nas universidades são terminantes essenciais para uma atuação junto às
comunidades marginalizadas, uma atuação não limitada ao mero peticionismo, mas
comprometida em promover todas as medidas que possibilitem a recuperação dessa
condição do sujeito do sua própria emancipação.
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