Essa semana, a coluna AJP na Universidade aproxima-se do fim de sua compilação dos textos produzidos para a disciplina tópica Assessoria
Jurídica Popular, do primeiro semestre de 2014, da UFPR. O texto a seguir, de
Heloyze Nathalie de Almeida, graduada em direito UFPR, aborda uma rica
experiência de AJP (a da Acesso) e, dela, colhe reflexões sobre a prática de
Assessoria em geral.
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A Acesso e sua contribuição para a construção de um
direito insurgente
Heloyze Nathalie de Almeida
O Direito
Insurgente se caracteriza pelo desenvolvimento da prática jurídica voltada à proteção
dos menos favorecidos em face de um Estado distribuidor de desigualdades. Sempre
munido de seu instrumento mais poderoso: o Direito.
Para que se
possa compreender a real importância dos advogados populares construtores do
Direito Insurgente é necessário ter em conta que a maioria da população é
impedida de exercer minimamente a sua cidadania, sendo-lhe vedado ou
obstaculizado o acesso à justiça. Outrossim, quando há alguma forma de
prestação jurisdicional, esta sempre é cercada do caráter classista antipopular
e pouco efetivo.
É nesse
sentido que normas paralelas ao direito estatal são imprescindíveis, posto que
através delas os oprimidos podem transformar a realidade de dominação e
opressão existente no sistema capitalista. Entretanto, é preciso ponderar que
sem o uso alternativo do direito imposto pelas classes dominantes, pouco é
possível fazer, já que, infelizmente, ele ainda se faz presente em nossa sociedade.
Dessa forma, a
atuação dos grupos formados por advogados populares, como a Acesso, se faz
necessária, no sentido de que é por meio de sua militância que os injustiçados
conseguem ver satisfeitos seus direitos.
A Assessoria
Jurídica Popular é proposta com base em referenciais envolvendo a ética e a
justiça, onde os menos favorecidos são o foco principal. De acordo com
Alfonsin, (advogado que milita durante muito tempo pelas causas populares) a
principal ideia da advocacia popular é unir concepções de um outro direito
(seja o direito dos pobres, seja o direito insurgente) com uma concepção
instrumental do direito (uso do processo judicial), que significa a união da
assessoria jurídica com a prática insurgente.
A Acesso parte
de uma concepção dogmática crítica do direito, onde a defesa processual dos
movimentos populares é defendida fielmente. Contudo, sua atuação não se limita
a esse tipo de defesa, tendo como formas de militância a orientação jurídica, a
produção de teoria do direito e a tradução dessa teoria ao povo. É no trabalho
de produção teórica que se percebe um diálogo aberto com o pluralismo jurídico
e o direito alternativo.
A Assessoria
Jurídica Popular pressupõe a mudança do lugar social do assessor jurídico que
presta os seus serviços de maneira eficaz, além da mudança de pensamento quanto
à interpretação do conteúdo jurídico-instrumental que cerca suas atividades.
Segundo Alfonsin, a tarefa do assessor jurídico popular é a demonstração de que
a pobreza já constitui, por si só, violação de direitos humanos fundamentais.
Além disso, a
formação teórica de seus assistidos, que consiste na desmistificação dos
mecanismos econômico-político-jurídicos, se revela um instrumento importante do
trabalho desenvolvido pelos assessores jurídicos populares.
Ainda, o
trabalho popular divide-se em três frentes, qual seja a comunitária, a política
e a jurídica. Para ele, a mais importante é a comunitária, sendo a menos
importante a jurídica. Isso demonstra que a verdadeira essência da assessoria
jurídica popular não é a mera prestação de serviços jurídicos, mas sim a
conscientização comunitária de que o povo pode se organizar e se posicionar
frente à política para, através dos conhecimentos construídos em conjunto com
os assessores, reivindicar os direitos que lhe são obstaculizados
sistematicamente.
Todos os
pontos desenvolvidos pelos advogados populares, que foram abordados nesse
trabalho, traduzem o esforço de algumas pessoas comprometidas com a efetivação
da justiça em transformar a realidade vivida pela maioria da população, seja
por meio da utilização alternativa do direito estatal ou da formação teórica fundada
no direito insurgente.
Referências:
PRESSBURGER,
Miguel. “Direito insurgente: o direito dos oprimidos”. Em: RECH, Daniel;
PRESSBURGER, Miguel; ROCHA, Osvaldo Alencar; TORRE RANGEL, Jesús Antonio de la.
Direito insurgente: o direito dos oprimidos. Rio de Janeiro: AJUP/Fase,
out.1990, p.06/12.
RIBAS, Luiz
Otávio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de
movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000).
Florianópolis: Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Direito da Universidade Federal
de Santa Catarina, 2009, p. 57-72.
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