quinta-feira, 19 de maio de 2016

Por uma práxis feminista da AJP

Hoje, a Coluna AJP na Universidade finaliza o ciclo de publicações dos textos formulados para a tópica Assessoria Jurídica Popular, realizada em 2014 na UFPR, com um manifesto elaborado por Rafaela Pontes de Lima, graduada em direito pela UFPR, antiga participante do MAJUP – Isabel da Silva e advogada popular. Nele, a discussão versa sobre as interpretações, explicações e desafios nascidos da constatação de uma característica notada na maioria das AJUPs: a maioria feminina nesses espaços. Dessa avaliação, surgem importantes aspectos que devem ser considerados por qualquer tipo de militância que se pretenda radicalmente libertadora.

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Por uma práxis feminista da AJP

Rafaela Pontes de Lima

Sempre me chamou a atenção, o fato de serem, as AJUPs, em sua grande maioria, compostas majoritariamente por mulheres.
Intrigada, comecei a especular, em conjunto com outras companheiras extensionistas, sobre as possíveis explicações para este fenômeno. Fiz uma comparação mental entre a dinâmica do movimento estudantil tradicional, em que há uma presença mais massiva de indivíduos do gênero masculino, e a das AJUPs, que se apresentam ou se apresentaram, a certa época, como “alternativa’’ a ele. As explicações para as diferenças são muitas e passam pela própria leitura da sociedade e concepção do papel dx estudante no contexto da luta classes.
Não me atenho, porém, a tais explicações, a minha intenção é tentar, a partir delas, entender porque as mulheres, em geral, preferem ou tem maior representatividade no espaço da AJUP do que no movimento estudantil tradicional. A diferença das falas para mim é o que mais chama a atenção. Aquelas feitas no contexto do movimento estudantil tradicional possuem um caráter quase que demagógico, sendo, em geral, falas bastante abstratas, pouco propositivas, porém bem estruturadas e “bonitas’’. Os homens, principalmente quando se trata de assembleias ou reuniões ampliadas, assumem, em geral, o microfone. Em contraposição, nas reuniões da AJUP as falas são bem mais encaminhativas e concretas, havendo uma maior equidade na sua distribuição entre homens e mulheres. Para mim, há forte ligação entre este fenômeno e o da divisão do espaço entre o privado e o público, este último destinado aos homens e o primeiro às mulheres, ainda que a dominação masculina se exerça em ambos. Talvez isso também sirva de explicação para o fato de a AJUP, em geral, não possuir uma atuação mais efetiva dentro da Universidade, nutrindo uma certa aversão à política acadêmica. Claro que há diversos outras explicações para esse fenômeno, estou apenas levantando mais uma. Nossa atuação, em termos gerais, se dá na comunidade, na associação, na escola, a opção é pelo trabalho de base, mais ligado ao doméstico, portanto, mais familiar e confortável às mulheres, cujas subjetividades foram moldadas, pelo patriarcado, para esse tipo ambiente. O que eu observo é que muitas meninas que ingressam na AJUP, depois de um certo tempo, empoderadas pela própria prática extensionista, passam a participar também do movimento estudantil tradicional. O ingresso de mulheres no Movimento Estudantil tradicional, porém, não altera o seu caráter notadamente masculino. Explico, o masculino, ligado ao ideário moderno de racionalidade, em oposição ao feminino, ligado, em geral, à natureza, ao irracional, é sobremaneira valorizado nesse ambiente. Se sua fala não for bem estruturada, se você não argumentar de forma lógica, se você não controlar o seu emocional, se não demonstrar segurança e certeza, ela não será ouvida. Como as mulheres, em geral, não são incentivadas a agirem deste modo -pelo contrário- a maioria delas não consegue se inserir em espaços como esse. A AJUP, por outro lado, por adotar a proposta da educação popular, tende a valorizar outras formas de expressão que não as estritamente racionais. Isso poderia nos ajudar a compreender também o porquê de os homens se dedicarem mais à pesquisa e as mulheres à extensão. Os homens, devido à criação que recebem, tendem a querer apreender a realidade e racionalizá-la, elaborando teorias, fórmulas, para explicá-la e, deste modo, dominá-la. As mulheres, por outro lado, não sentem esta necessidade. Não precisamos de teoria alguma para justificar nossa militância. Nós sentimos, sofremos com o sofrimento do outro e é isso que nos impulsiona a agir sobre a realidade para transformá-la. Não que não sintamos a necessidade de nos formar teoricamente, mas esse não é o fim mas o meio para a nossa atuação prática.

Não quero dizer, com isso, que não devamos incentivar a produção teórica nas AJUPs, pelo contrário, creio ser ela importante inclusive para fins de registro, acúmulo do coletivo (marcado pela rotatividade dos seus membros) e troca de experiências. Não ignoremos, todavia, que o impulso inicial, que nos leva a ingressar na militância, não é, e não deve ser, algo racional. Devemos manter e cultivar esse sentimento de alteridade e de indignação com as injustiças de nossa sociedade, pois é ele que nos move e nos dá forças para lutar. Daí a importância das místicas, das sensibilizações, tão desprezadas principalmente por nossos companheiros homens.

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