quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Poesitando


“É de sonho e de pó, o destino de um só...” Assim inicia a música Romaria, de Renato Teixeira, sinalizando as ambigüidades da esperança do sertanejo nordestino na peleja diária pela sobrevivência e melhoria das condições de vida.
Em muitos cantos do Brasil, outros destinos são sonhados altivos e empoeirados sorrateiramente. De um lado, o clamor, a fé e o sonho, do outro a angustia, a dor e a realidade. Pobreza, discriminação, exploração e assassinatos, a violência assume múltiplas formas, mas sempre apontando no sentido da violação de direitos humanos e na, quase sempre, reação dos lutadores e lutadoras para fazer valer o(s) sonho(s) como destino(s) coletivo(s) e democrático(s).
Numa tarde de julho de 2005, durante o XXVI Encontro Nacional dos Estudantes de Direito (ENED), acompanhávamos a marcha dos estudantes pelas frias ruas da cidade de Goiânia, reivindicando a qualidade na educação jurídica universitária, e, conjuntamente com os companheiros e companheiras do Movimento de Luta pela Moradia “Sonho Real”, o fim da criminalização perpetrada pela polícia, mídia e justiça local contra este movimento, além da efetivação do direito à moradia.
A poesia que segue abaixo emergiu neste momento, entre cânticos de luta e olhares desconfiados dos “pacatos” moradores citadinos.

Sobre peitos e respeito
Carandiru,
Eldorado dos Carajás,
Chacina da Candelária,
Sonho Real...

Quantos mais?
Quantos mais!

Até que você se comova,
Até que você se mova,
Quantos mais?

As pessoas são enterradas, são esquecidas,
São sumidas...
As vidas tornam-se pouco, muito pouco,
Para eles, para nós, nossas vidas,
E você?

Cidadania, isto vos diz respeito!

Porque em todo peito
Aberto por uma bala, um cassetete;
Em todo peito
Que sangra o sangue mais humano,
A dor mais digna pela indignidade
Mais dolorosa,

Há um clamor e uma angústia,
Uma fé e uma luta,
Um sonho e uma realidade.

E este peito, desta gente,
Que você não vê,
Que você não quer ver,
Que você finge que vê,
É igual ao seu
E é tão mais humano que o seu

Porque nele ainda bate
Um coração
(Vivo ou morto).

Da biblioteca "Poesia crítica do direito"

3 comentários:

  1. Poxa, Assis Oliveira...

    Lembrar a "humanidade" dos que não encontram guarida no sistema não deveria ser necessário. Mas é. E como!

    Abraço!

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  2. Olá Assis!
    Grande contribuição de estréia!
    Vida longa a este nosso pasquim tecnológico!

    Esta ocupação de Goiânia me marcou demais também (Sonho Real). Lembro que em 2005, quando iniciamos os trabalhos do CAJU em Passo Fundo assistimos a um documentário, mas não me lembro com quem ficou, sobre a ocupação, a ação autoritária do Estado e a violência policial. Alguém tem algum material em vídeo sobre isto para indicar?

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  3. Fala Ribas,
    O material que consegui foi todo da Centro de Mídia Independente (CMI). É só ir no site http://www.midiaindependente.org/, e procurar por Sonho Real. Na época (2005) tinha uns 10 vídeos, de excelente aproveitamento para os debates sobre direito à moradia, criminalização dos movimentos sociais e estado, entre outras coisas.
    Abraços,

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