quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Resenha do artigo do Vladimir Luz

"Leituras crípticas"

No artigo "Servicios legales universitarios en Brasil: breve cotejo de dos paradigmas" ("Serviços jurídicos universitários no Brasil: breve contexto de dois paradigmas") Vladimir de Carvalho Luz, professor universitário e pesquisador da assessoria jurídica popular, compara os escritórios-modelo e as assessorias universitárias.

O artigo foi publicado na revista "El Otro Derecho", n. 35, em 2006, do Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos, com sede em Bogotá, Colômbia.

Vladimir Luz parte da tipologia proposta por Celso Campilongo, de serviços legais tradicionais e inovadores, para comparar os dois modelos. Tomando os escritórios-modelo como um serviços legais tradicionais, e as assessorias estudantis como inovadoras.

No contexto dos serviços jurídicos não estatais e inovadores, elege como exemplos paradigmáticos da advocacia popular os grupos Instituto Apoio Jurídico Popular (AJUP), do Rio de Janeiro, e o Gabinete de Assessoria às Organizações Populares (GAJOP), de Pernambuco; e da assessoria universitária, o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Bahia, e a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU). No contexto dos serviços jurídicos universitários, os exemplos paradigmáticos de modelos tradicionais são os escritórios-modelo e os Núcleos de Prática Jurídica.

A escolha metodológica de trabalhar com esquemas tipológicos é ressaltada pelo próprio autor, ao comentar a mesma escolha feita por Celso Campilongo, como arriscada. Pela redução heurística de tratar no âmbito geral da atuação dos serviços jurídicos gratuitos.

Ocorre, que não foi ressaltado que esta escolha não pode eliminar a descrição do que ficou de fora. A simples nomeação daquilo que se tem conhecimento como existente no período em análise colaboraria para evitar que as referidas reduções impliquem também num encurtamento da riqueza das experiências.
Fica-se com alguns exemplos do que ficou sem referência, sem prejuízo de outras experiências, que até o momento não se tem conhecimento na literatura especializada.

Como já ressaltado por Assis Oliveira, não se pode excluir das descrições históricas a importância do Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária da Universidade Federal do Ceará, contemporâneo às assessorias universitárias do Rio Grande do Sul e da Bahia, na década de 1990. Outras ressalvas importantes são no tocante à advocacia popular, com dois grupos de grande relevância, o Acesso - Cidadania e Direitos Humanos, do Rio Grande do Sul, e a Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), desde a década de 1980.


A segunda questão importante a ser debatida, ainda sobre os limites da metodologia de esquemas tipológicos, é a inadequação deste esquema para descrever a própria experiência dos grupos de assessoria universitária das Universidades Federais do Rio Grande do Sul e da Bahia. Ambos constituem-se em modelos híbridos, que reúnem características tanto dos modelos tradicionais quanto inovadores. Isto porque mantém a autonomia estudantil, modelo institucional e compõem a rede de assessorias. Características dos inovadores. Mas também são validados como práticas curriculares típicas de um escritório-modelo das faculdades de direito. Características dos tradicionais. Relevante ressaltar que, no exemplo da UFRGS, esta divisão conceitual encontra inclusive uma disputa interna, entre os denominados grupos da assistência e os da assessoria. Os primeiros privilegiam o atendimento individual, numa perspectiva típica da assistência jurídica, enquanto que as assessorias privilegiam a educação popular e a ética coletiva.

Em razão de sua experiência como professor do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Vladimir Luz traz ainda contribuição sobre os avanços conquistados no âmbito da prática jurídica, inclusive acompanhados da sua previsão nas normativas do Ministério da Educação e na Constituição Federal de 1988. Os mais significativos foram o entendimento da obrigatoriedade do Estado fornecer uma assistência jurídica integral, expandindo a abrangência e consolidando a gratuidade; e também a criação das Defensorias Públicas como o órgão estatal privilegiado para fornecer o serviço jurídico gratuito à população brasileira.

Por fim, cabe destacar que falta ressaltar a predileção da educação popular pelos grupos de assessoria universitária da RENAJU, para além da extensão, uma vez que esta é uma das características que compõem a sua identidade enquanto rede. Talvez a única. Fica ainda a necessidade de conhecer de forma mais
aprofundada as contribuições no âmbito da sociologia de autores como Joseph Thome, na América do Norte, e Fernando Rojas Hurtado, na América do Sul.

3 comentários:

  1. Ribas, é sempre importante o olhar do outro sobre aquilo que escrevemos. Esse texto foi muito importante para mim num dado momento. Penso que agora é a hora necessária de ruminar e re-pensar....

    Tipologia é uma lente. Como toda lente, ela dstorce. Penso que essas tipologias, inclusive a sacro-santa de Campilongo, devem ser pouco a pouco revisadas... penso também que a RENAJU poder oferecer, doravante, um material muito mais rico que re-pensemos antigos conceitos.

    No SAJU-UFBa também havia um tensionamento entre o grupo da assessoria X o grupo da assistência. Essas dicotomias é que nos matam...rss

    Valeu, camarada...

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  2. Ribas,
    Precisas críticas as suas, concordo e reflito com todas, e acrescento:
    1. Sobre as propostas de assessoria jurídica, gostaria de ressaltar também a existência da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), existente desde 1978, e que, pelo que analisei, é a proposta mais antiga nesta linha.
    2. Acho que a tensão entre assistência e assessoria está presente em todas as AJP's/AJUP's. A constituição das tipologias, a meu ver, sempre foi algo, como você mesmo diz, que reduz a riqueza das experiências cotidianas e identitárias. Minha questão é: qual a função das tipologias? Além de orientação política, ética e teórica, elas são tensões que se materializam na vivacidade única de cada AJP/AJUP, mas nem sempre nos damos conta disso.
    3. Fico pensando se é possível, como fez Ivan Furmann, estabelecer os marcos teóricos centrais da AJUP? Sem dúvida, a educação popular tem peso central. Mas além deste, será que Roberto Lyra Filho e Antonio Gramsci podem ser tomados como marcos teóricos centrais? Ou estamos somente globalizando especificidades locais?
    4. Wladimir, parabéns pelo texto!

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  3. Oi Pessoal... estava lendo a net e encontrei esse comentário e resolvi dar um pitaco... eheheh... Sabe... quando fiz o texto dos princípios da assessoria estava materializando algo puramente intuitivo que vivemos no início da década passada. Para falar a verdade não se tinha plena convicção do quanto poderia ser nova a atividade de AJUP em relação as assistências realizadas em escritórios modelos ou projetos institucionais ou/e estatais. Os princípios eram uma tentativa de repassar experiência, uma síntese do que vivemos. Lembrando que a primeira geração do SAJUP da UFPR sairia em peso naquele ano... Acho que aquele texto é só isso... nunca foi uma tentantiva de teorização universalizante ou um manual rigido de assessoria... nenhum princípio nem modelo de assessoria é absoluto perfeito e acabado. Isso retiraria toda a beleza da ajup. Nunca pretendi dizer o que era assessoria contra o que não era... o texto é um texto datado de um aluno concluindo a graduação, com pouca experiência prática e teórica. Hoje tenho muito receio de escrever algo como aquele texto... provavelmente não o faria... Em relação aos marcos teóricos então menores ainda são os absolutismos... as escolhas foram puramente idiossincráticas... Mas não acho que precisamos sempre de novos marcos teóricos, sempre de novas especificidades. AS vezes a beleza da experiência compensa a ansiedade pelo novo. Afinal de contas temos grandes exemplos no Brasil e no mundo. Não acho que a buca por exemplos em locais diferentes constitui-se algo negativo ou nos diminua... não acredito tanto em fronteiras... sejam nacionais, linguisticas ou culturais... penso que elas apenas demarcam separações e não união entre as pessoas. Principalmente quando se trata de oprimidos. Mas essa é apenas uma idéia no ar... Já escrevi demais... um abço a todos.

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