Direito é “política concentrada”. Os políticos burgueses fazem a “norma geral” e @s “operador@s do direito” (extraídos da pequena burguesia, de setores médios e alguns setores mais remediados do proletariado) são selecionados por concursos burocráticos (que fazem seleção por renda antes de seleção por conhecimento, senso de justiça etc) para “aplicar” essas normas aos casos concretos, influenciados pelo ensino jurídico conservador, pela visão de mundo construída pela mídia dominante, pelo completo desconhecimento do “mundo real” para além dos livros e dos luxos dos gabinetes e das repartições com ar condicionado.
Positivista ou “pós-positivista”, as principais ferramentas de trabalho dos juristas continuam sendo as Constituições, as leis, as medidas provisórias, os decretos etc., construídas por meio da política burguesa, e portanto submetida às contradições permanentes das lutas de classes. Fazer análise de conjuntura hoje sem conhecer os meandros do campo jurídico é impossível: representa não apenas ingenuidade (talvez a velha crença na “neutralidade” do Direito e das instituições jurídico-políticas), mas é mesmo um verdadeiro suicídio político para as esquerdas e os movimentos sociais.
Com a nova coluna “Direito e conjuntura”, o blogue AJP buscará trazer contribuições para entender a “conjuntura” entendida num sentido amplo (como conjuntura política, econômica, ideológica, cultural etc) e em diferentes escalas geopolíticas (como conjuntura nacional, regional, internacional etc). E não tem muito tempo neste momento para esclarecer determinadas ferramentas de interpretação da conjuntura atual ou sobre o papel específico do Direito dentro das relações sociais analisadas (o que se irá construindo ao longo do caminho), pois inicia em pleno contexto de um “golpe de Estado de novo tipo” que está sendo gestado no Brasil. Neste golpe, o Direito exerce um papel de destaque que é preciso compreender.
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O Brasil à beira de um “golpe de Estado de novo tipo”
Diego Augusto Diehl
1. Um “golpe de Estado de novo tipo”
Em 1964, o Brasil foi palco de uma nova modalidade de golpe de Estado, de caráter empresarial-militar, que trazia como novidade a derrubada de um governo democraticamente eleito pelo povo não por meio da ocupação das forças armadas estadunidenses (caso de Arbenz na Guatemala em 1954) ou por disputas intestinas das forças armadas da nação (caso da maioria dos golpes de Estado vistos nos países latinoamericanos desde suas respectivas independências – formais – no início do séc. XIX). A novidade do golpe brasileiro de 1964 foi o de se forjar uma nova coalizão de forças sociais internas da própria sociedade nacional (burguesia industrial, banqueiros, multinacionais, latifundiários, Igreja Católica, OAB, imprensa burguesa e setores da pequena burguesia urbana), liderada pelos militares e disposta a fortalecer os laços de dependência com os EUA.
Para isso foi preciso dissolver a ordem jurídica vigente em nome de uma suposta “segurança nacional”, que era em realidade a segurança de suas classes dominantes locais e dos interesses do imperalismo no plano de nossa economia dependente. O caráter de ruptura institucional era tão evidente que a própria ditadura teve de se auto-intitular como “revolução”, invocando assim a semântica da esquerda revolucionária para buscar legitimar a instituição de uma nova ordem jurídica anti-democrática, de exceção, que durou 25 anos no Brasil e deixou profundas marcas que duram até hoje.
O modelo do golpe brasileiro foi então “exportado” para os demais países latinoamericanos, numa onda sucessiva de golpes militares que impuseram terríveis ditaduras em praticamente todos os países da Pátria Grande. Militares dos mais diversos países vinham ao Brasil conhecer os métodos adotados pelo golpe de 1964, para poder “replicá-los” em seus próprios países, como tem demonstrado nos últimos anos as aberturas dos arquivos da chamada “Operação Condor”, que teve participação direta dos EUA (Pentágono, Departamento de Estado, CIA etc).
O que está sendo gestado neste momento – 2016 – no Brasil é numa nova modalidade de golpe de Estado – um “golpe de Estado de novo tipo” – , que podemos denominar de golpe midiático-jurídico-parlamentar. Trata-se de um golpe de Estado muito mais refinado que a mera truculência dos “gorilas” que baixam “Atos Institucionais” (figura jurídica de exceção do direito militar) que representam a ruptura da ordem institucional. Ademais, apesar das semelhanças com golpes parlamentares (Paraguai 2012) e judiciais (Honduras 2009) vistos recentemente, pode ser considerado como um “golpe de Estado de novo tipo” porque é o resultado de uma conjugação complexa de múltiplas ferramentas em prol de um objetivo comum: a formação de um novo governo neoliberal realinhado com os EUA.
A novidade do golpe em curso no Brasil é portanto a combinação desses diversos elementos no contexto de uma sociedade complexa e de dimensões continentais, com importância geopolítica em escala mundial. Caso logre êxito (o que ainda não está decidido), pode se tornar um modelo para a derrocada dos chamados “governos progressistas” em toda a Pátria Grande e de qualquer governo "não alinhado" aos interesses "ocidentais" nas mais diversas partes do mundo.
No próximo post, trataremos do papel decisivo do Direito nesse “golpe de Estado de novo tipo”. Eis o plano dos próximos pontos de análise:
2. O papel do
Direito no “golpe de Estado de novo tipo”
3. Da aparência à
essência do “golpe de Estado de novo tipo”: a conjuntura
política que movimenta as instituições jurídico-políticas
3.1. A conjuntura
política internacional: reascenso da China, decadência dos EUA e o
início da “guerra fria 2.0”
3.2. A conjuntura
política nacional: a implosão da “Nova República” desde junho
de 2013 até o processo de impeachment de 2016
4. O "golpe de Estado de novo tipo", se consolidado, representará simbolicamente o fim da Constituição da "Nova República". Mas o que virá depois?
5. E aí, AJP: vai ter golpe ou vai ter luta?
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