No último mês, o governo federal publicou um pacote normativo que diz respeito a uma suposta "autonomia universitária". No entanto, o pacotão é formado por, pelo menos, uma medida provisória e três decretos presidenciais. Isto significa que não houve discussão substancial - pública e com a maioria dos atingidos - acerca de tão importante temática que afeta a todos os estudantes, professores e trabalhadores da educação, em geral, sendo que sua juridicidade vem à luma através dos instrumentos mais duvidosos da democracia liberal.
Logo após a divulgação do pacote normativo, alguns intelectuais vêm se pronunciando sobre ele, com destaque para a entrevista do professor da UFRJ Roberto Leher ao jornal Correio da Cidadania, intitulada "Governo avança no modelo de universidade subordinado ao Banco Mundial".
Segundo Leher, o conjunto de medidas governamentais põe sobre bases mais que concretas a necessidade da "crítica à colonialidade do saber", como se apresenta a temática tão em voga no pensamento crítico latino-americano e periférico. E isto significa que a propalada "autonomia universitária" não passa de um embuste que tem "uma nervura central: a associação entre a autonomia, as fundações privadas ditas de apoio e os objetivos da Lei de Inovação Tecnológica".
Em termos técnico-jurídicos, não seria difícil retirar dos argumentos de Leher a visualização de um vício de constitucionalidade no pacote, pois segundo suas próprias palavras "o Decreto pretende institucionalizar a busca de receitas próprias e, nesse sentido, deturpa o sentido da autonomia constitucional que determina a 'autonomia de gestão financeira' e não a autonomia financeira das universidades". Di-lo em referência ao decreto n. 7.233/2010, o qual "dispõe sobre procedimentos orçamentários e financeiros relacionados à autonomia universitária". Este é um dos atos normativos que envolve referido pacote e é uma espécie de complemento do carro-chefe dele, a medida provisória (MP) 495/2010.
Nesta MP, destaca-se o incentivo à busca por recursos a partir de fundações privadas, o que, segundo o professor da UFRJ, "institucionaliza as fundações privadas como loci da 'gestão administrativa e financeira' dessas parcerias", ou seja, das parcerias público-privadas (PPP). Logo, aparece a alarmante conclusão: "com a MP, as fundações de apoio podem se tornar o centro de gravidade de toda política de pesquisa da universidade, desde que mediadas por contratos de PPP".
O problema maior deste quadro conjuntural - mais que o técnico-jurídico - é a percepção que traz a todos os que estão preocupados com a autodeterminação dos povos, em um contexto de capitalismo dependente. Quer dizer, "o aprofundamento da condição capitalista dependente do bloco de poder requer a destruição das bases para um projeto nacional e popular. A prioridade do atual bloco de poder, bloco gerenciado pelo governo Lula da Silva, é disputar espaços na economia mundial a partir do aprofundamento do imperialismo. Isso significa mais dependência e uma maior interconexão com as corporações multinacionais". Assim, aprofunda-se a depedência brasileira com relação ao capitalismo desenvolvido, consolida-se o subimperialismo tupiniquim com relação aos países irmãos periféricos e, de quebra, descaracteriza-se a função e o papel da universidade, conforme a concepção "bancomundialista" a que se refere Roberto Leher.
Por que a universidade deve fazer as vezes das empresas, desenvolvendo patentes e tecnologia para o mercado? É este o grande questionamento feito por Leher, apontando para uma reflexão que deve ser feita por todos nós, os que estamos comprometidos com um projeto de nação e de continente para além de as amarras da dependência capitalista. Daí vir muito a calhar a denúncia de Leher: o pacote só atende aos "setores universitários engajados no capitalismo acadêmico". É um bolo bonito e bem disfarçado com uma cobertura aparentemente saborosa, que traz uma cereja de enfeite (o decreto n. 7.234, sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil, além de o decreto n. 7232, que se dirige à normatização da lotação de cargos técnico-administrativos). É difícil compreender como intelectuais hoje ligados ao governo federal e que sempre digladiaram contra a "universidade neoliberal" mantenham-se em silêncio, um verdadeiro silêncio dos intelectuais. Quiçá, mudaram de idéia e de prática. Ainda bem que existem outros tantos que não se calam, mesmo em tempos de silêncio institucionalizado como são os tempos eleitorais.
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