“Há algo errado no paraíso, é muito mais que contradição...”, neste pequeno trecho da poesia-canção de Herbert Viana acredito que esteja sintetizado todo o andamento institucional em torno do interesse pela construção da UHE Belo Monte, no rio Xingu/PA.
Nos últimos dois meses, as contradições do governo federal parecem ter ultrapassado todos os limites da sanidade política. Afinal de contas, além do IBAMA emitir Licença Parcial de Instalação (LPI), instituto que inexistente no direito ambiental e que surge sem que nenhuma das 66 das condicionantes, definidas pelo EIA-RIMA da Licença Prévia (LP), tenham sido cumpridos, o mesmo IBAMA entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região contra decisão da Justiça Federal do Pará de suspender a LPI justamente pelo não cumprimento das condicionantes e também de impedimento de que o BNDES libere parte dos bilhões do financiamento ao Consórcio Norte Energia (CNE).
É dizer, o órgão público que deveria zelar pelo cumprimento das condicionantes não apenas jogou-as no lixo quando emitiu a LPI, como também reiterou seu compadrio político ao propor recurso que terminou com a celebre justificativa do presidente do TRF para caçar a liminar: “não há necessidade dos empreendedores da usina cumprirem todas as condicionantes listadas na licença prévia para que a Norte Energia possa começar a erguer os canteiros de obra.”
Diante desse quadro institucional avesso a defesa dos direitos ambientais e das populações que serão diretamente atingidas, a Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, remeteu, na última quinta-feira, solicitação de informações ao governo brasileiro, devido à denúncia que foi apresentada à Corte em novembro de 2010. A notícia completa pode ser lida clicando aqui, mas cabe enfatizar que um dos pontos que a Comissão quer saber é sobre a legalidade da Licença Parcial emitida pelo IBAMA, o que torna visível em âmbito internacional o caráter contraditório das práticas do governo federal.
Além disso, está em curso, desde sexta-feira passada, a 1ª Pescaria em Defesa do Rio Xingu Contra Belo Monte, organizada pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Rio Xingu, e apoiada por diversos movimentos e organizações sociais, como o Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS).
A mobilização saiu do Porto da Prainha, em Altamira/PA, contando com 50 barcos e mais de 150 pescadores que, de sexta a domingo, irão pescar apenas com linha e anzol em pleno período de defeso do peixe, como forma de afrontar às ilegalidades cometidas pelo IBAMA e pelo Poder Judiciário (em especial TRF) e denunciar que, se esta obra sair, a quantidade de peixes e de espécies será afetada intensamente, com possibilidade de extinção de várias espécies da região.
A mobilização continua na segunda-feira, quando os pescadores retornam para Altamira/PA e os peixes pescados serão politicamente degustados num grande almoço que será realizado na orla da cidade, com a presença de várias outras categorias sociais contrárias à UHE Belo Monte.
Para terminar, gostaria só de informar que a subseção de Altamira/PA da OAB se manifestou publicamente a favor da obra, mesmo com o Conselho Federal da OAB já ter se posicionado contrário a ela. Os advogados e advogadas da região que se sentiram agredidos com tal ação produziram uma Carta Aberta, que segue, na integra, abaixo:
"AOS ILUSTRÍSSIMOS SENHORES PRESIDENTES
DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB)
DA SECCIONAL DA OAB/PARÁ
Prezados,
Aproveitamos para cumprimentar-los, e para nos manifestar acerca do recente pronunciamento da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção de Altamira a respeito da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no estado do Pará.
Em Carta, os representantes da subseção de Altamira afirmaram que não há qualquer descumprimento das Condicionantes da Licença Prévia expedida pelo IBAMA e mencionaram que “a paralisação do processo de implantação de Belo Monte não reflete o pensamento dos advogados e advogadas de Altamira“. Ora, tais afirmações mostram-se equivocadas, pois não são condizentes com a realidade, nem reflete o posicionamento de todos os advogados e advogadas de Altamira (abaixo subscritos).
Não sabemos qual o embasamento jurídico ou factual utilizado pelos representantes da Subseção de Altamira para afirmar categoricamente que não há qualquer ilegalidade no procedimento de licenciamento ambiental ou descumprimento das condicionantes. Como é de conhecimento, existem doze ações judiciais em tramitação contra o empreendimento, seja pelo descumprimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas ou mesmo das leis ambientais.
A prova factual dessas violações são as constantes manifestações de protestos e denúncias formuladas pela população de Altamira e Vitória do Xingu, inclusive junto ao Ministério Público Federal. Por isso, o que a OAB/Altamira denomina de panfletagem chamamos de oposição e luta contra as ilegalidades e violações de direitos.
Assim, não nos parece adequado que uma Autarquia com a função social e credibilidade que tem a OAB, por meio de sua Subseção, venha a público para se posicionar contra os interesses coletivos, os preceitos constitucionais e a ordem jurídica, utilizando-se dessa credibilidade para se pronunciar em nome dos advogados e advogadas de Altamira, inclusive em nome daqueles que se posicionam TOTALMENTE contrários às ilegalidades acima suscitadas que envolvem a implantação da Hidrelétrica Belo Monte. Residimos e trabalhamos nesta cidade e NÃO CONCORDAMOS com a manifestação desta Subseção no dia 15 de fevereiro de 2011.
Por essa razão, REQUEREMOS um debate mais amplo, com a participação da sociedade, para que a discussão sobre Belo Monte e o papel assumido pela OAB Subseção de Altamira não se restrinja ao posicionamento dos membros de sua Diretoria ou de grupos de Advogados.
Altamira (PA) 24 de fevereiro de 2011.
Andréia Macedo Barreto
OAB/PA nº 11.792
Assis da Costa Oliveira
OAB/PA nº 15.144
Elcia Betânia Sousa Silva
OAB/PA nº 12.251-A
Estella Libardi de Souza
OAB/PA nº15.163
Hellen Cristina Aguiar da Silva
OAB/PA nº 11.192"
Obs.: os originais estão devidamente assinados.
Me solidarizo a vcs, e quanto aos pronunciamentos da OAB , são na maioria das vezes reflexos do pensamento de oligarquias, fui advogada em Campinas-SP e já passei por isso lá tb.
ResponderExcluirHá casos em que generalizar é errado, mas não é errado dizer que a OAB como um todo não representa o avanço que se espera de uma organização. Seu papel na ditadura não foi tão relevante quanto se alardeia; seu corporativismo é idêntico ou até maior do que muitas associações e sindicatos que visam apenas seus interesses, quando poderia ajudar o povo; seu exame de desordem comprova a busca pela elitização do serviço jurídico, e seu acesso mais difícil ao povo. A falta de um posicionamento "amplo, geral e irrestrito" pela criação de defensorias públicas bem estruturadas em todo o país confirma a tese de sua falência moral. Aqui no norte do PR tb ocorreu esta verdadeira omissão, pois a barragem do rio Tibagi que transformará nosso município numa lagoa sem vida segue seu curso, entre embargos e paralisações, sem que a OAB se manifeste e nem mesmo assista às vitimas de despejo e ameaças. Vergonhoso mesmo.
ResponderExcluirOi Péricles, concordo com você e obrigado pela informação a respeito do modo como se deu a participação da OAB no caso da barragem do rio Tibagi.
ResponderExcluirLigia, também ficamos - as advogadas e o advogado (eu) que assinam a carta - agradecidos pela sua solidariedade. A força de todos os assessores jurídicos populares e faz presente em Altamira/PA!
Abraços
Força na luta aí companheiros!
ResponderExcluirSó lembrando que essa posição vergonhosa não é só da OAB em Altamira (certamente dirigida por advogados que querem se mostrar à disposição do grande capital), mas também da OAB Pará, não obstante ser considerado ainda por alguns como um grupo "de esquerda". Mas nem tudo está perdido, pois ainda temos valentes e críticos defensores da Amazônia no MPF-PA!