Trago a divulgação deste livro no intuito de estimular a busca pelo passado calado ou incompleto de cada uma de nossas regiões, estados, que também são este Brasil, além da oficialidade. Seus reflexos nos chegam, nos dias atuais, através de práticas e costumes repetidos de geração em geração, algumas delas remetendo ao desconhecido tempo de sua formação. Serve também e agora eu peço licença para falar aos meus conterrâneos, para que os piauienses lembrem que também já ergueram sua voz ante o Poder, aparentemente inquestionável. Ainda que violentamente massacrados, o movimento parece uma demonstração que nossa passividade pode ter sido mais construída forçosamente pela versão oficial de nossos fatos históricos, que algo concreto. A coragem piauiense organizada e irmanada com os maranhenses foi capaz de incomodar por quase 10 anos as oligarquias que se consolidavam por estas paragens.
Como tal fato pode ter sido esquecido e distorcido do imaginário piauiense? Trabalho muito bem feito pelos poderes locais, apoiados por outras províncias e pelo Império, relegando o movimento a algo de pequena monta e de localização restrita.
Quantos de nós não teríamos mais a relatar sobre a história de nossa região e que foi subestimada nas versões oficiais, ou simplesmente esquecida na História ensinada deste país ( explanada num encadeamento linear)? Por exemplo, confesso que nunca soube, até bem pouco tempo, do levante ocorrido na década de 1950 no estado do Paraná, até ter em mãos: “Os dias do demônio”, do Roberto Gomes, que ainda estou por ler.
Além disso, no que toca a estas manifestações mais veementes, é de se questionar se a participação popular sempre foi violenta, desordeira e quase sempre sem um plano de ação a longo prazo, como pintam nossos livros de História. Seus participantes eram sempre ignorantes, selvagens e atrozes? E o outro lado? Apenas bons moços em cavalos brancos? Por que e por quem lutavam aquelas massas ignoradas? E quanto disso esconde-se nos nossos hábitos, na nossa fala, nas nossas escolhas e até no nosso silêncio? Quanto do nosso passado escondido e esquecido corre em nós?
Ótima reflexão!
ResponderExcluirA história dos movimentos insurgentes no Brasil daria uma ópera, um mundo de cordéis, música popular, romance, cinema e televisão... Pena que estamos longe demais das capitais. A insurgência incubada em nossa formação nacional é contestação temperada com pólvora. A suposta passividade de nosso povo, concordo, é mera (não tão insignificante assim) construção contra-revolucionária do último século, a partir de suas grandes armas de combate: os meios de comunicação e a repressão do estado central.
Como podemos esquecer da luta de negros, índios e migrantes em geral, em nosso passado longínquo (dos tupinambás, por exemplo) ou de nossa história recente, tanto colonial (a "revolta dos alfaiates", na Bahia) quanto imperial (a "balaiada" no Maranhão e Piauí) ou republicana (a "revolta dos posseiros", no Paraná)?
O mais interessante é a sugestão da Naiara: a insurgência popular nem sempre foi totalmente espontaneísta e desprovida de articulação política e tática e estratégia de poder. É preciso "cavocar" nos escombros da obtusa história oficial do país e encontrar os "tratados populares" das lutas de libertação dos condenados da terra, em sua organização política e forma de vida diferenciadas.
Abraços!
Gostei do texto, bastante emotivo, mas se percebe que não é o socialismo que está no sangue cubano. Sua própria fervilhante cultura é marcada por uma história de revoltas e revoluções massivas e bem sucedidas, muitas anteriores ao regime socialista. Ressalto ainda que o socialismo nasceu mais por uma convenção política de época, vez que o alinhamento com a URSS era inevitável para conter a pressão dos EUA. Mesmo sob a estrela vermelha, Cuba buscou um regime próprio, e inclusive tenho a impressão de que as linhas do socialismo convencional, embora atenuadas, fecharam um pouco as possibilidades de uma transformação mais original, mais "latina". Com ou sem o socialismo, o povo cubano tem a luta e a solidariedade em suas veias. Não é apenas o socialismo o sinônimo disso. Assim analisando, discordo finalmente do texto da colega, e digo, com toda a minha emoção: "devemos buscar o que está no coração. Foda-se o socialismo". Obrigado.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Pazello!
ResponderExcluirAgora, eu acho que esse segundo comentário aí não foi para minha postagem não... O colega deve ter se confundido.
Acho que foi pra minha. Mas nem sei o que comentar. Não entendi ainda, fora a aversão à palavra "socialismo", que inclui até utilizar a palavra "foder" de uma forma bem pejorativa, intimidatória e machista, qual é a crítica, nem a quem quer falar. Na hora que eu entender qual é, eu me manifesto, ou não, como diria Caetano, rsrsrsrsr. Diante de uma parede, às vezes é melhor dar a volta e procurar outros caminhos. O silêncio é a melhor resposta.
ResponderExcluirMuito istigante tua leitura sobre o livro, Nayara,
ResponderExcluirSou maranhense e pouco,muito pouco sei da história da Balaiada. Tu realmente me instigou a ler o livro. Na verdade, até três anos atrás pouco sabia do Maranhão, quando tive a oportunidade de começar a trabalhar na SMDH -Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, andando pelo interior do Estado.
Mas, mesmo antes de ler o livro em si, tuas palavras me levaram a vários estalos, dois em especial.
Duas percepções que tive nessa viagem por um pedaço da América Latina
(no caminho até Cuba, resolvi ir de ônibus desde Manaus para conhecer o Norte do Brasil e a Venezuela):
a primeira delas no relacionamento do povo venezuelano e cubano com suas bandeiras... Dois venezuelanos com quem fiz amizade me perguntaram onde estava a bandeira do meu país. E com espanto viram que eu não a carregava na viagem. E me veio aquela frase "Ordem e Progresso" dela... com que não sinto a mínima identidade. E tampouco diz sobre a história do povo brasileiro. É que a nossa bandeira reflete esse lado dos "mocinhos" de cavalo branco, os "ordeiros". E me veio a pergunta: qual dos símbolos "pátrios" dizem algo da resistência que tu colocou acima?
A segunda foi uma das falas de uma entrevista do Alberto Granado, sobre aquela viagem que fez com Che, em cima de "La Poderosa". Alberto disse que "Apesar de nos considerar bem informados, sabíamos que conhecíamos muito sobre a história européia e sobre as civilizações cretense, romana e grega, mas não conhecíamos nada sobre a América Latina. Não sabíamos como eram os mapuches ou onde ficava Machu Picchu.".
O video está no youtube para quem quiser ver:
http://www.youtube.com/watch?v=QrVKz2GuJEU&feature=related
Na verdade, a gente sabe muito pouco de si mesmos... E repete o discurso do colonizador, do opressor, como já diriam Freire e Boaventura. Ou o discurso masculino, patriarcal, como bem resgatam as historiadoras feministas. Esse trabalho "arqueológico" se faz urgente (a partir de leituras como essa que tu partilhou com a gente e sair a pé pra trilhar por aí) para a (re)invenção, para o forjamento de uma outra identidade...
Pois é Diana,
ResponderExcluirA intenção era mesmo de despertar a curiosidade de conhecermos melhor nossa história. Ou outros lados dela.
Abraço,
Nayara
Diana,
ResponderExcluirFrase providencial esta que você aventou, lembrando Alberto Granado. Não somos "povos sem história" ou mesmo "povos infantis", como nos interpretam há séculos a filosofia, o pensamento e a prática dos centros do mundo. As metáforas geopolíticas baseadas na topografia centro-periferia não são, em nada, figuras demodês. Nosso esforço, que deve ser contínuo, tem de tentar mesmo apreender nossa realidade a partir de nossas vivências e experiências, sem negar a totalidade das opressões que nos premem.
Concordo com você: nossos símbolos nacionais não nos representam (como a monárquica bandeira ou o empolado hino nacional). Talvez devamos ressignificá-los; talvez resgatarmos outros.
Uma história com a visão dos vencidos, no melhor da proposta de um Miguel León-Portilla, por exemplo, bem que poderia ser nosso horizonte ampliado. Ao invés das introduções históricas a nossas monografias, partindo da Grécia ou de Roma; ao invés do resgate das origens da razão político-jurídica brasileira a partir do estado colonial; ao invés de imputação das garantias e direitos fundamentais a partir da assembléia constituinte de legitimidade duvidosa; enfim, ao invés de partirmos de Creta, partamos de nós mesmos.
Muito há por se fazer, mas o que foi feito não pode ser esquecido. Nossas resistências são a historicidade de nosso povo, portanto, povo sempre com história e, ao mesmo tempo, sempre com poder! É tempo de nos organizarmos!
Grande abraço