sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O toque de classe nas mobilizações em Teresina


Por Lourival de Carvalho

Quando nós, estudantes, saímos às ruas em defesa dos nossos interesses, bem como dos interesses dos/as trabalhadores/as que, nocauteados/as, ficam em seus trabalhos ou em casa, afirma a grande mídia que nos falta elegância ao bradarmos alto pela aparente quietude política das ruas de Teresina (e do Brasil).

Faltam-nos indumentárias pomposas, vozes singelas, olhares comedidos, pele branca e perfume intacto. Não, não temos isso. Somos malcheirosos, queimados pelo sol forte e temos os pés rachados. Somos feios, violentos, falamos alto e não temos compostura, enfatiza a mída. Os cabelos das mulheres não estão feitos, pelo contrário. Elas transpiram, gritam e agem feito homens. Que inaceitável, que absurdo!

Choca-nos o patrimônio privado - que deveria ser público - sendo esfacelado pelas ruas. A construção para. O lixo é queimado. O dia mal começa, e nós, os mentores da baderna, já estamos lá, atrapalhando o tráfego, o público e o sábado, como diria Chico Buarque.

Por entenderem que somos resistentes, que temos a pele grossa, embrutecida, enviam-nos um enxame de policiais para esporar a nossa pele e degradar os nossos olhos que insistem em se manter ávidos. Arrastam a nossa dignidade pelo asfalto. Carregamos dores, sonhos, indignação, beleza e raladuras na pele e na alma. Ainda assim, resistimos. Eles anunciam, em seguida, que há um batalhão requintado, elegantemente fardado e especializado para manter, através da mais implacável repressão, a (des)ordem privatizada.

Do alto de sua pirâmide, eles notam que há algo estranho aqui embaixo, entre nós. Observam que há um brilho incomum nos nossos olhos, que a nossa anatomia se retorce numa sintonia ímpar. Ficam estupefatos ao ver que descobrimos que aquele sinal fechado era falso, que nunca existiu. Sabem que temos ouvidos aguçados, que conseguimos escutar as vozes de dor espalhadas pelos grotões pobres, pelas ruas tortuosas da cidade. O nosso movimento sanguíneo segue vivaz, é mais intenso. Inquietos com tamanha insurreição, eles nos chamam de subversivos violentos, nojentos, vândalos, moleques, imorais, semeadores da desordem.

Há um estigma fácil (e eficaz) que costuma associar o crime aos favelados, negros, não-brancos e descamisados. Mas, por outro lado, fazem com que esqueçamos que a violência é dada vertical e diuturnamente. Quantos assaltos um indivíduo pobre, desempregado/a, sem qualquer perspectiva para o dia, mês ou ano, deve fazer para transitar pela cidade durante o mês? A mídia não mostra, mas é essa a conjuntura socioeconômica que temos.

O aumento da tarifa de ônibus é um ato de violência. Somos desumanizados sistematicamente dentro dos ônibus precários, na exploração do nosso trabalho, nas escolas e universidades, dentre tantos outros espaços. Aos poucos, descobrimos que a via apresentada não é una, e que outros caminhos são possíveis.

Nesse sentido, as nossas mobilizações contra este aumento abusivo, injusto e violento do valor da tarifa de ônibus em Teresina são legítimas. Sabemos que a nossa luta é sistêmica e, por isso, toda e qualquer insurgência é momento para questionarmos o que temos posto.

Aos que não creem, saibam que há sim um toque de classe em nosso movimento, no entanto ela não cheira à elite, e sim a povo.

Lourival de Carvalho é Membro do Fórum Estadual em Defesa do Transporte Público e do projeto Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil - CORAJE/UESPI.

Pimenta no olho do estudante
Por Raimundo Neto e Lucas Vieira

Hoje eu inalei uma parada ali que me deixou com os olhos vermelhinhos, vermelhinhos. Não, não é o que você está pensando. Foi o spray de pimenta – tido como arma ‘não letal’ – utilizado nessa segunda pela Tropa de Choque de Teresina, numa manifestação contra o aumento da passagem dos ônibus pra $2,10. O spray de pimenta age de forma inflamatória e lacrimogênea, atingindo as mucosas dos olhos, nariz e boca, provocando irritação profunda, tosse e outros efeitos colaterais. E olha, dissipa no ar que é uma beleza.


Durante as várias intervenções da polícia sobre os manifestantes, pude ver velhinhas, crianças, mãe com recém nascido no colo e outras pessoas que aparentemente não tinham nada haver com o movimento, correndo para fugir do fiel amigo das Tropas de Choque. Vi também um ponto de ônibus com umas 25 pessoas apenas esperando sua condução dissipar por completo em menos de 20 segundos, devido a uma única borrifada do spray por um dos policiais.

Esse mesmo ponto de ônibus que, iguais a muitos outros nessa cidade, já vi diversas vezes bem mais de 25 pessoas se apertando, se espremendo pra procurar um rastro de sombra que seja. Em uma cidade, muitas vezes insuportavelmente ensolarada e calorenta, essas paradas de ônibus parecem uma piada. Mas piada mesmo, um verdadeiro deboche é o próprio sistema de ônibus: alto custo, sem integração, não cumpre a demanda. Todos os dias pessoas são oprimidas, tratadas como coisas nesses ônibus e na sua espera.

Tanto desrespeito gera uma raiva. Uma justa-raiva, digamos assim. A raiva que, de tão grande, arde. Arde! E ardendo assim, tolhidas e tolhidos do seu direito de ir vir, do seu direito de ter acesso aos (poucos) serviços que a sociedade oferece, essas pessoas resolvem gritar, manifestar, protestar na esperança de que suas vidas não sejam ainda mais golpeadas pelos interesses de patrões e empresários.

Mas não é uma esperança que espera, é uma esperança que leva ao agir, inspirados nos exemplos das mais diversas lutas que, por conta delas, fez com que ao longo do tempo, os governos, as polícias a temessem. Assim, utilizam de várias formas de pressão para que que suas vidas possam mudar um pouco, serem tratados como verdadeiros humanos e um dia, de fato, poderem, autonomamente, dar direção a suas vidas.

Mas o que arde mesmo, o que arde é ver que toda essa opressão pode ser ainda maior, e que ao simples direito de protestar, somos recebidos com spray de pimenta. Pimenta, uma especiaria, um tempero há muito utilizado na culinária mundial, sendo utilizado para uma repressão que, com certeza, não iremos engolir. Não vamos escolher o tempero em que seremos devorados. Não vamos deixar ser devorados.

Raimundo Neto F é integrante do Coletivo Enecos Piauí – Uespi
Lucas Vieira é Bacharel em Direito – Uespi, Teresina – Piauí

Um comentário:

  1. Pessoal!

    Que semana essa nesta nossa terra! Muita luta e uma importante batalha ganha!

    Parabéns a todos e todas os envolvidos diretamente e aqueles e aquelas que apoiaram como puderam a resistência em aceitar um aumento abusivo do transporte público teresinense!

    E que lindo foi ver o despertar do nosso povo aqui...

    =)

    Forte abraço!

    Nayara

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