quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Alienação

Este é um texto sobre alienação do professor Antônio Alberto Machado, livre-docente pela UNESP-Franca e orientador do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo, já publicado em seu blogue pessoal e agora aqui divulgado.

Alienação

Pode-se dizer que a doutrina de Marx se mostrou equivocada em algumas das suas previsões. De fato, ao contrário do que dizia o autor de O capital, a classe proletária não é mais a única classe capaz de realizar a revolução, não há sinais de que o direito e o Estado possam desaparecer um dia, e as massas nunca revelaram qualquer capacidade de superar a própria alienação.

Contudo, não se pode negar que, apesar de alguns equívocos, Marx legou um importante arsenal de conceitos e categorias sem os quais não seria possível compreender a lógica e o funcionamento da sociedade moderna capitalista. Estão entre esses conceitos básicos a noção de dialética, de processo de trabalho, de materialismo histórico, de relações de produção, de mais valia, práxis e alienação. Ao contrário do que pensam aqueles que apressadamente proclamam a “morte do marxismo” – e proclamam essa “morte” mais por preconceito ideológico do que propriamente por pressa -, muitas das categorias marxistas são mesmo indispensáveis para se entender a realidade contemporânea.

Uma dessas importantes categorias do marxismo é o conceito de alienação. O filósofo alemão dizia que ela tem origem, fundamentalmente, em duas causas estruturais, quais sejam, a expropriação dos meios de produção e o consumo exagerado.

Segundo Marx, o homem é um ser que produz necessariamente, isto é, a produção de coisas e objetos é uma dimensão necessária do homem, faz parte da sua condição existencial. Assim, o homem produz objetos, produz as suas próprias condições materiais de vida e, com isso, produz a si mesmo. Está sempre produzindo: objetos, conhecimento, arte, cultura, ciência… Mas, no instante em que passa a predominar o princípio da propriedade privada dos meios de produção, o homem produtor acaba afastado (alienado) de sua própria obra, pois ela se transforma em mercadoria apropriada por outrem, ou seja, apropriada por aquele que controla o processo produtivo.

A alienação (afastamento ou estranhamento) ocorre, portanto, no momento em que o homem perde o domínio sobre as coisas que ele próprio criou. Nessa hora, ele acaba subjugado por essas coisas que produziu, já que elas vão proporcionar o lucro àquele que detém a propriedade dos meios de produção, que controla o processo produtivo e que, por isso, controla também a força de trabalho do homem criador, dominando-o.

O outro fator de alienação, ainda segundo Marx, é o consumo intenso. A expansão deste último é uma exigência da própria produção, ou seja, o aumento da produção depende também do aumento do consumo. Com isso, a sociedade capitalista se vê obrigada a criar um consumo artificial, criando necessidades artificiais para continuar produzindo. Aqui o homem se vê novamente subjugado pelas coisas que produziu, consumindo-as apenas pela necessidade de consumir, e não porque elas tenham um valor real de uso ou porque possam atender a uma necessidade real.

Os tempos atuais, com o brutal desenvovimento das tecnologias, deram plena razão a Marx quanto ao problema da alienação humana pelo consumo expandido. Os produtos (mercadorias) são consumidos e descartados com uma velocidade incrivelmente vertiginosa; o homem está a cada dia mais deslumbrado com as novas bugigangas do mercado; o consumo é desesperado; os artefatos eletrônicos então, se transformaram no novo ópio da humanidade. Chega a ser patética a dependência das pessoas em relação aos produtos da era digital! É chocante ver a infantilização do homem com os seus brinquedinhos eletrônicos na mão em toda parte! Aliás, o próprio Marx, numa de suas incontáveis previsões acertadas, já afirmava que a tecnologia viria mesmo para dominar o homem e destruir a natureza.

A alienação humana, enfim, deita as suas raízes no ato de produzir e no ato de consumir. Como superar essa contradição profunda em que está mergulhada a sociedade moderna de consumo? Como realizar a emancipação humana que é, no fundo, o resultado de um processo de desalienação? Não há nenhuma resposta para tais questões no âmbito da modernidade capitalista. E não se vê também nenhuma utopia que, neste momento, pudesse encarregar-se das respostas a essas contradições do capital.

Os dicionários definem alienação como perda e separação. Assim, aquele que aliena, que vende alguma coisa, separa-se da coisa vendida, isto é, perde a coisa alienada; aquele que se aliena, separa-se da sua própria consciência social, ou seja, perde a higidez psíquica. A alienação generalizada é uma “perda coletiva”, sintoma talvez de uma sociedade perdida, separada de si mesma.


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