terça-feira, 6 de setembro de 2011
Carta aberta aos estudantes e acadêmicos do Brasil
Parceiras e parceiros de luta,
Hoje me permiti vestir um cocar, embora seja branco. Hoje me permiti sentir a dor do trabalhador brasileiro, embora meu pai e minha mãe, também trabalhadores, tenham sonhado e realizado a vida de um pequeno-burguês a seu filho primogênito. Hoje me permiti me revoltar, embora a vida me ensine, constantemente, a ser bem comportado. Vestindo cocar, tocando a dor do popular e me revoltando, escrevi uma carta destinada a todos os estudantes e acadêmicos deste país (imediatamente) lindo e (historicamente) usurpado, a partir de minha experiência na Universidade Estadual Paulista (UNESP), no campus de Franca/SP. São palavras de um apaixonado, tocado da loucura que só o amor pela luta é capaz de realizar.
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Carta aberta aos estudantes e acadêmicos do Brasil
Todos nós já sonhamos um dia em chegar ao lugar onde agora nos encontramos. Mas o cheiro que vem dos pilares que sustentam os prédios de nossa Universidade não é universal. Alguns atores insensatos arrancaram da Universidade o que necessariamente nos é universal: o amor, a luta, a transformação, a contradição. Arrancaram de nossa comunidade aquilo que deveria caracterizar-lhe: o popular, o regional, o que é tipicamente francano, mineiro ou paulista, ou uma mescla engraçada e escancarada disso tudo. Arrancaram-nos a realidade do povo paulista e do povo brasileiro, trancafiando-nos com livros e teorias imbecis, que sozinhos, não dizem nada.
Sem o real, o que somos? Sem aquilo que podemos tocar; sem o calor do sol que nos queima a pele; sem o horrível odor da vinhaça atirada ao canavial para lembrarmos o drama dos cortadores de cana; sem relações verdadeiramente afetivas, criativas e inteligentes, que nos instigam a curiosidade pelo novo e mexem com a nossa estrutura; sem os beijos perpassados pelo sedutor sabor das poesias; sem as cores, dos insetos, das flores e das pinturas, todas obras de arte de atores cotidianos; sem a política, a discussão, a contestação, a luta, a dialética, as trocas, as negociações, e todas estas abstrações paupáveis – sem o aquilo que nos torna humanos, o que nos resta?
Certos atores insensatos permitiram a nossa entrada triunfal pelo palácio acadêmico da hipocrisia, sob uma condição: que nos travestíssemos de seres inanimados. Deveríamos nos aceitar burgueses, por tradição familiar; mas mais que isso, deveríamos manter-nos burgueses, muito embora esta palavra inspire, certas vezes, uma comodidade revoltante até para o próprio burguês. Poderíamos permanecer aqui, desde que não nos pintássemos de negro, de vermelho, de amarelo, de verde, de azul. Desde que estivéssemos bem vestidos, desde que tivéssemos conta poupança, Registro Geral e Título de Eleitor. Tendo passado e não agindo no presente, prometeram-nos que aqui encontraríamos o futuro.
Entretanto, o podre futuro que o sistema vigente insiste em nos meter guela-abaixo como o melhor de todos, esse futuro pintado com muito dinheiro, sucesso, técnica e viagens, todo esse futuro corrompido pelo fútil, pelo débil, pelo egoísta, esse futuro fétido que veste os mais pobres com a mortalha de mais miséria – esse futuro não é uma imposição, mas uma escolha. E não nos esqueçamos: quem faz uma escolha deve assumir as suas consequências.
Mas nós, nós que sentimos, nós que sentimos falta, nós que queremos mais, que estamos aprisionados pelas barreiras da burocracia e das convenções sociais, nós que fomos vítimas da moral, dos bons costumes, da polícia, da ditadura – nós somos loucos, porque o sistema nos fez sentir. E sendo loucos, não aceitamos a loucura aniquiladora do sistema.
Já é o tempo de resgatarmos a parcela de amor que o sistema nos arrancou. É chegada a hora do espasmo, da revolta. É chegada a chance de admitirmos a ausência de personalidade que adquirimos nestes anos todos. Estamos fedengosos, inertes, imobilizados, reprodutores, mecanicistas, frígidos e sem um pingo de criatividade. Somos atores ou ventríloquos? Somos a elite intelectual do país ou, em realidade, um bando de marionetes da verdadeira intelectualidade corruptora?
É a hora de esbarrarmos nas limitações cotidianas de nossas relações. É a hora do xingamento criativo, da crítica artística, da manobra política, da ação consciente, do livro queimado, do contato com a dor e o sofrimento. É a hora de subir no palanque, de subir na carteira, de afrontar as verdades inverossímeis de professores retrógrados. É a hora de conhecer o chão que se pisa, o povo que se convive, a luta que é lutada. É a hora para a gíria, para a favela, para o popular, para o resgate do que se perdeu e foi usurpado da história política e cultural do Brasil.
A história, com todas as suas vicissitudes, passa, e nós, acúmulo de forças contraprodutivas, vomitamos, embebedados, as nossas futilidades, as nossas vergonhas, as satisfações mercadologicamente carnais que chamamos de amores. A história corre... Mas há uma meia dúzia de sujeitos, que todos achavam serem loucos, falarem bobeiras, perpetrarem escatologias. Uma meia dúzia de sujeitos que insistia naquilo que era palpável, na crítica pontual, no trabalho de base, na solidariedade, na força de um partido político, na luta, na responsabilidade histórica. Essas pessoas, puts, esses caras falavam que eram um “ator social”, que possuíam uma tal de responsabilidade histórica, que deveriam lutar pela abertura dos arquivos da ditadura, pouco importando tivessem vivido, ou não, a dor da tortura. Diziam-se ser, na verdade, a própria idéia que seguiam e que lhes transpirava do corpo e da alma.
Tinha algo neles que parecia uma unidade, algo emergente e urgente, que lhes transbordava a pele, que lhes integrava o suor e o sangue. Não sei porque, gradativamente, fui sendo cativado por estes sujeitos. Tornei-me louco como eles. Passei a gritar, a arrancar a roupa, a negar com ou sem fundamento, a conhecer o diferente, a tocar o real, sentir o cheiro da vinhaça e descobrir que os bóias-frias me inspiravam uma dor e um sentimento que eu achava que não me pertenciam. E um dia, estranho e lindo, escolhi sentir essa dor. Foram os sujeitos: eles me levaram a experiências que inevitavelmente me transformaram.
É porque a filosofia não se realiza, é o real que filosofa. A realidade me cativou. Cativará a todos nós. Aproximemo-nos dos loucos. Estão escondidos em suas tavernas discutindo os rumos do país. Ninguém os ouve e, no entanto, o futuro é a sua chegada, a sua morada. Mudarão o país, mudarão a história, mudarão a Universidade, todos eles – porque decidiram mudar a si próprios. Aproveitemos essa estada nauseabunda durante o curso de graduação: caso encontremos algum louco, e ele nos enlouqueça, terá valido a pena.
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Meu nome é Athanis, mas podem me chamar de Grego. Aprendi nas salas de aula da Universidade que deveria fazer diferente de tudo aquilo que tentaram me ensinar. Sou assessor jurídico da revolta e, como meus pares, minha luta é para transformar a vida em poesia. E esta é minha carta de boas-vindas pelo privilégio de poder contribuir com esta luta coletiva junto de vocês, fazendo minha opção política na luta de classes. Meus cumprimentos pelo privilégio de estar mais próximo de seus corações, assim como vocês estão mais próximas e próximos do meu.
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Seja bem-vindo, companheiro! Venha dividir do nosso pão, que eh diário, eh alimento e abrigo. Saudações!
ResponderExcluir"Tornei-me louco como eles. Passei a gritar, a arrancar a roupa, a negar com ou sem fundamento, a conhecer o diferente, a tocar o real, sentir o cheiro da vinhaça e descobrir que os bóias-frias me inspiravam uma dor e um sentimento que eu achava que não me pertenciam."
ResponderExcluirComo não me canso de dizer, o virtual é contraditório e tem um quê de real. No dia depois do grito dos excluídos, seja bem-vindo, como disse o Luiz, pois gritar é para muitos e, por ora, é o que nos resta!