domingo, 18 de setembro de 2011

Crítica da ecologia política

Na última semana, Michael Löwy fez, em Curitiba, uma série de conferências sobre ecossocialismo e a crise capitalista atual. Sob a inspiração da presença deste importante nome brasileiro do marxismo mundial, a Coluna Prestes de hoje vem tentar trazer à tona a discussão da “crítica da ecologia política”.

Löwy, cientista social de formação, foi para a Europa na década de 1960, onde se doutorou sob a orientação de um dos expoentes franceses do marxismo do século XX, Lucien Goldman, e onde consolidou sua carreira acadêmica no Centro Social de Pesquisa Científica, em Paris.

Não obstante, desenvolveu militância política em França e passou a ser uma referência internacionalista, em especial por sua preocupação para com a América Latina.

Sua obra recebe a marca do estudo do marxismo e seus principais representantes e também de fortes reflexões sobre estética e experiências políticas contemporâneas, sendo que, entre suas últimas formulações, está o ecossocialismo, que recoloca em discussão o problema do modo de produção capitalista e a possibilidade de vida na terra.

Um Carlos e um José Carlos

Löwy assume como critério de análise e desenvolvimento do marxismo a chave interpretativa “revolução”. O critério revolucionário serve-lhe para apresentar a força do marxismo, o que faz com que se apresente, sua proposta, dentro da melhor linhagem legada por Carlos Marx. No entanto, partindo de Marx não podemos aportar em outro lugar que não o estabelecido pela geopolítica moderna. Por isso, a partir de Marx Löwy redignifica a estatura teórico-prática de José Carlos Mariátegui e sua leitura periférica do marxismo no primeiro meado do século XX.

Em verdade, Löwy coloca-se nas margens do marxismo: preocupando-se em discutir Bênjamin ou Lucacs, Goldman ou Grâmsci, Mariátegui ou Che, consegue arquitetar uma proposta teórica que desdogmatiza uma das mais insurgentes interpretações gestadas pelas estruturas e subjetividades derivadas do capitalismo: o socialismo e sua consequente revolução.

Dessa forma, sua aparição no contexto da construção do marxismo novecentista renova este última e permite uma peculiar leitura periférica inserta no seio do centro do mundo. Eis que torna-se possível de modo diatópico (porque diatopia significa os entre-lugares) e diacrônico (porque diacronia são os entre-tempos) o casamento de Marx com Mariátegui – o marxismo latino-americano.

De Fucuiama a Fucuxima

Esta união latino-americana para o marxismo propicia e exige uma compreensão ampliada, desde os lugares em que se desdobra, do capitalismo. Uma mirada sobre o tempo presente é mais do que necessidade, pois factualidade. Para enfrentar esta imprescindível existência, torna-se preciso um conjunto de ferramentas que se aproximem, o mais possível, das verdades que a história impõe ao quotidiano (e digo-o sem qualquer receio de imprecações pós-modernistas).

O discurso do “fim da história” foi esculpido de maneira incrivelmente determinista e mais assustadoramente ainda bem aceito pelas classes dirigentes nacionais e internacionais durante a década de 1990, notadamente no ocidente. No entanto, um conjunto de oposições a esta ideologia fatalista surgiu logo quando de sua formulação e teve seu ápice no final da década de 2000.

Greves, revoltas, insurgências e dissidências houve durante todos os anos de 1990. Infelizmente, os meios de comunicação não os documentaram bem. Mas frente a fatos de grande amplitude nem mesmo os lacaios publicitários do capital puderam se omitir: para não falar no Fórum Social Mundial ou nos governos de esquerda da América Latina (inegavelmente polêmicos), fiquemos com a crise econômica alardeada em 2008 e seus reflexos.

Pois bem, astuciosamente, o mesmo discurso do “fim da história” que cravava uma estaca no peito do tempo e determinava, cegava os olhos de todos para os efeitos mais pérfidos de seu soberano hipercoroado. O capitalismo chegava, na década de 1990, ao auge das possibilidades de exploração do homem e da natureza, inaugurando a dimensão super-humana do homem: pela primeira vez, o homem, em sua desumanização, poderia destruir o mundo no qual ele faz sentido. Daí que ecologia não se torna mais apenas um problema das “ciências da natureza” para se apresentar como uma questão de política.

A poluição gerada pela industrialização, o aquecimento global e todas as demais manchetes catastróficas que imprensa do capital tem de noticiar diariamente faz com que o fim da história seja a possibilidade, bombasticamente autoconsciente, do fim da vida na Terra.

A partir da conjugação marxiano-mariateguiana, Michael Löwy, por exemplo, consegue construir um ecossocialismo que tem por missão denunciar todos esses aspectos e dizer que a obra de Fucuiama nunca fez tanto sentido, ainda que às avessas: serviu de “marco teórico” para o desastre de Fucuxima – a prova cabal de que a razão humana, regida pelo capital, é uma razão aparente e destinada a, irracionalmente, favorecer uma minguada população do planeta, parcela esta igualmente ameaçada de extinção ecológica.

Os desafios práticos da crítica da ecologia política

Löwy é quem nos diz: “socialismo ou barbárie” se tivermos sorte! Agora, trata-se de socialismo ou extinção da vida!

A destruição ecológica é a conseqüência mais radical – e necessária – do modo de produção capitalista. Nestes termos, é discutível a possibilidade de reapropriação de sua base tecnológica em prol de uma “nova” sociedade. Na realidade, este debate recoloca em questão a irreapropriabilidade de tantas e tantas construções institucionais do capitalismo: a tecnologia, a educação, o direito, o estado.

De qualquer forma, a denúncia, quase “catastrofista”, efetuada pelo ecossocialismo não pode levar à inanição do apocalíptico fim do mundo. Antes, deve levar à ação consciente da dialética totalidade-exterioridade. A partir de uma compreensão ética da vida humana – o socialismo – deve-se operar uma razão objetiva sobre a realidade – a totalidade.

Contemporaneamente, a resistência – nossa palavra-chave – com relação à crítica da ecologia política se encontra nos campos e florestas. A partir de movimentos sociais populares de camponeses e comunidades tradicionais, a ponta de lança desta crítica se apresenta. E ainda que tenhamos reticências quanto à exequibilidade de sua capacidade para as transformações estruturais, é esta ponta de lança que se afia, esperando para que o cabo desta lança, hoje ainda virtual, tome corpo – as classes trabalhadoras urbanas.

Em termos práticos, temos de enfrentar vários desafios. Eu arriscaria a dizer que, desde uma perspectiva das batalhas populares, precisamos fazer finca-pés em lutas como a reforma agrária, a agroecologia, as energias limpas e a oposição aos transgênicos e aos agrotóxicos; ou a nacionalização da indústria, a coletivização do transporte e o passe livre, a autogestão fabril e o consumo consciente. Como se pode ver, no campo e na cidade, frente ao latifúndio e às multinacionais, já muito o que se fazer.

Por isso que, em um contexto como o brasileiro, a crítica da ecologia política passa também por uma crítica do projeto neoliberal-desenvolvimentista hoje vigente e erroneamente dicotomizado.

A financeirização e liberalização da economia, junto de medidas de precarização, flexibilização, terceirização e privatização andam, passo a passo, com o consumismo, o agroindustrialismo, o exportacionismo e o produtivismo. Afinal de contas, esta é a fase superior do capitalismo, em suas formas nacionais específicas e em contínuo aperfeiçoamento.

A crítica à filosofia política dos “mega” tem de se alinhar à crítica da economia política hiperliberalizante. Filosofia política dos “mega” para brincar com aquilo que se apresenta bastante em voga: megaeventos, megaprojetos, megabaites, megatons, megatérios – sem esquecer dos meganhas, o braço repressivo e musculoso do estado fiscal.

E, num todo, a crítica da ecologia política, já que, no horizonte sugerido por Löwy, apenas esta nos aponta para um novo modo de vida, revolucionariamente possível, ainda que de difícil acesso. Sua construção, o ecossocialismo.

2 comentários:

  1. Leiam "A História dos Homens", de Josep Fontana. Ele demonstra com simplicidade que a teoria marxiana é embasada na mesma concepção de "linha do tempo" histórica e no mesmo ideal desenvolvimentista técnico-científico do capitalismo. E os marxistas, desde muito, assimilaram apopleticamente tais limites. Ecossocialismo sem a transcendência crítica de seus fundamentos pode até ser socialismo (ortodoxo, inoperante, triste), mas não ecológico.

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  2. Olha, essa última imagem é subliminar: precisamos reciclar o tio Carlinhos! :)

    Parabéns pelo texto e vou arriscar uns pitacos construtivos aí.

    "Em termos práticos, (...) precisamos fazer finca-pés em lutas como a reforma agrária, a agroecologia, as energias limpas e a oposição aos transgênicos e aos agrotóxicos; ou a nacionalização da indústria, a coletivização do transporte e o passe livre, a autogestão fabril e o consumo consciente. Como se pode ver, no campo e na cidade, frente ao latifúndio e às multinacionais, já muito o que se fazer."

    1. A essas medidas, acrescentaria a soberania popular sobre as riquezas naturais. Talvez instrumento dos mais importantes que o povo tem em oposição ao monopólio do capital sobre os territórios. Sem construir poder popular, não se interrompe a produção desenfreada, e não há consumo consciente que salve quando a festa acaba...

    2. As denúncias com frequência catastrofistas ("quase" foi uma generosidade) levam sim a simplificações, como achar que faltava apenas um discurso crítico para politizar a luta ambiental. Alguns conceitos que Mészáros utiliza e Löwy se refere, como obsolescência programada e crise estrutural do capitalismo, dão margem para um "ecossocialismo já!" – justificado agora não só pelas leis da História, mas também da Biologia...

    3. As medidas acima apontam que a concretude do ecossocialismo é uma ecologia radicalmente – em sua raiz – democrático-popular, englobando reformas profundas que NÃO cabem no capitalismo verde.

    4. Acho curioso que o velhinho simpático não tenha virado "Michel Lẽuí". Dois pesos? hehe

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