Cecília de Queiroz G. de A. Corrêa e Gabrielle Quelhas Mussauer,
estudantes do sexto período de Direito na UERJ.
Pra melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois
O Sal da Terra, Beto Guedes.
A primeira reflexão realizada no curso de Assistência Jurídica Popular - ministrado pelo professor Luiz Otávio, orientado pelo professor José Ricardo - foi de qual seria o valor do advogado. Como resposta, foram muitas manifestações relacionadas à promoção da justiça e aos valores econômicos tabelados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Todavia, entre as mencionadas (e legítimas) colocações, um aluno fez uma contra-reflexão que nunca tinha nos atingido: o direito atende à finalidade de controle social ou de fato desempenha um papel de ruptura às amarras - sociais, culturais, raciais, econômicas e tantas outras - a que, constantemente, estão fadadas a maior parte da sociedade brasileira? Mais à frente do curso, a pergunta foi colocada nos seguintes termos: “Os instrumentos do Direito servem para quem?”.
Estagiando em Defensorias Públicas, onde temos contatos com demandas das mais diversas, desde um simples inadimplemento em conta de luz até uma pretensão de usucapião em território federal, a nossa mente naturalmente pende para a segunda resposta. Foram tantas as pessoas atendidas no órgão público - que no Rio de Janeiro tem abastada organização e autonomia funcional - que não poderia ser diferente.
Mais uma vez, orientadas pelo curso, nós fomos buscar dados. Segundo o “IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil”, divulgado em 2016 (com dados de 2015), havia à época no Rio de Janeiro uma razão de 8.987 potenciais assistidos para cada UM defensor público empossado - o que, chocantemente, é um número que coloca o Rio de Janeiro em posição de vantagem em relação aos demais estados que têm ainda menos defensores. Ainda, sem novos estudos e informações de um número razoável de novas posses, permitimo-nos considerar que o quadro - se não se tornou pior - continua o mesmo. Mais ainda, 84,5% dos defensores fluminenses consideraram o trabalho excessivo.
Ainda nesse caminho de questionamentos, surgiu outra reflexão durante a pesquisa: a Defensoria busca meios que não apenas através do tradicional para resolução de questões dos hipossuficientes técnicos e financeiros. Correto?! Nem tanto. Mais uma vez, os dados nos deixaram com poucos argumentos: a citada pesquisa constatou que 3/4 dos defensores estaduais não sabem (ou, à época, não sabiam) de convênios realizados com faculdades de Direito, ONGs e outras formas de assistência jurídica gratuita aos potenciais assistidos. Outrossim, apenas 20,3% dos 5.512 defensores fluminenses atuavam em unidades conveniadas com faculdades de Direito e 5,1% em unidades com convênios com ONGs.
Já com poucas esperanças, concluímos que, de fato, os incentivos são pouquíssimos: no estágio, pouco ouvimos falar sobre tais possibilidades e na Faculdade de Direito da UERJ - tão marcada pela luta - só o que se escuta, atualmente, sobre o escritório modelo é a sua ruína, estando vivo por mero formalismo, sem efetividade social, de modo que a excelência, tão presente e entoada no corpo docente e discente, hoje, passa longe das defesas outrora tão bem elaboradas, em peso, principalmente aos nossos “vizinhos” do Morro da Mangueira.
Ora, afinal, para que serve uma Faculdade de Direito? Seria mais um instrumento do controle que o Direito desempenha? Só mais um nó a ser desatado por quem busca o distante acesso à Justiça? Com muito menos certezas do que no início do curso (e muito mais vontade de fazer diferente), concluímos que, mais do que nunca, onde houver ameaça à nossa existência, seremos resistência.
Por isso, a partir dos questionamentos já postos, entendemos a necessidade de uma efetivação maior e melhor do papel da Assistência Jurídica Popular no Brasil. É urgente a necessidade de tirar a Assistência Jurídica do vácuo a que foi destinada nas terras canarinhas. Há que se fazer uma reviravolta no pensamento! Não se trata apenas de uma mera prestação de serviço do Estado à população, mas, além, configura-se como instrumento de efetivação da Constituição Cidadã de 1988, já há muito promulgada, mas que, ainda não plenamente realizada, perde cada vez mais força nos cenários políticos atuais.
Deve-se atentar que, embora boas intenções sejam um importante início para projetos, de fato, revolucionários, fica clara a imprescindibilidade, nesse momento, de um resultado prático, que atinja os números que realmente se é possível alcançar.
Por tal razão, não apenas novas cadeiras nas Defensorias Públicas são de suma relevância para o objetivo que reforçamos, mas, também, investimentos efetivos na formação, capacitação e estrutura dos órgãos de Assistência Jurídica Popular. E não só! Demonstra-se importantíssimo procurar desafogar os meios tradicionalmente conhecidos, com alternativas (infelizmente, pouco divulgadas) como Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs), Assessorias Jurídicas de Movimentos Sociais, formação de advogados e lideranças populares e de produção literária que auxilie na divulgação desse tema tão essencial.
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