quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Feijão, arroz e veneno.

Olá, pessoas, bom dia.
Há um jornal aqui na Paraíba chamado Contraponto, temos soltado textos por lá, numa coluna chamada Direitos Humanos. Conversamos algumas vezes, eu, Pazzelo e Ribas, sobre disponibilizarmos esses textos no Blog. Esse texto vai sair por lá essa semana, vou deixando por aqui também, vai que ele se torna útil.
Abraços.
Thiago

Feijão, arroz e veneno

Thiago Arruda

Já nos últimos dias do mês de julho, o cineasta Silvio Tendler, reconhecido por sua abordagem precisa de personagens e acontecimentos históricos brasileiros, deu início à divulgação de sua mais nova obra. O documentário “O Veneno Está na Mesa” surge casado com a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, e é tão trágico quanto real ao apontar o que de fato temos comido. Se somos conhecidos pelo feijão com arroz, um ingrediente especial tem sido acrescentado sub-repticiamente ao nosso cardápio.

Lembro que, há alguns anos, falava-se dos tomates; lembro de ouvir que os tomates, os vilões, “tinham veneno”. Isso trazia uma preocupação, um cuidado maior com eles, os tomates, aquele termo, tão forte, veneno, veneno, termo que já fala por si: morte. Com o passar do tempo, os venenistas têm tentado tornar as palavras um tanto mais sofisticadas – ou traiçoeiras. Agrotóxico também é feio, porém, menos direto; agora, finalmente, buscam disseminar o carinhoso apelido: defensivos agrícolas. Sim, eles não mais atacam, agridem, veneno, agora defendem, nos defendem, como são bonzinhos. Em breve, virá uma campanha, com grandes artistas, os atletas, Todos Amamos Defensivos, melhor não dar idéia.

Ao mesmo tempo, ao longo desse mesmo intervalo de tempo em que se quis travestir as palavras, o veneno se espalhou, e os tomates já não estão mais tão sós. No entanto, a reação da maioria não correspondeu ao que poderia parecer óbvio. Ao invés de um espanto generalizado diante de um autêntico envenenamento em massa: silêncio. O veneno teria afetado nossa fala, nossa capacidade de indignação? Seria esse também um de seus efeitos sobre nosso corpo? Engasgamos? A desinformação, nada casual, é ela mesma uma intoxicação. A resistência a essa violência foi, então, encampada por poucos.

A agressividade desse modelo – e a correspondente necessidade de resistência a ele – torna-se patente quando consideramos algumas situações concretas, como o discurso no Congresso, exposto por Tendler, da Senadora Kátia Abreu, nossa Menina Veneno, musa do agronegócio tupiniquim. Kátia afirma com todas as letras que é preciso, sim, envenenar nossa comida, em nome de uma maior “produtividade”. De que adianta produzir mais se o que é produzido para alimentar adoece e mata, cara pálida? Só a senadora e seus amigos latifundiários poderão responder. Entre 5 kg de arsênico e 4 kg de feijão, eles escolhem a apetitosa primeira opção, já que pouco ou nada lhes importa além do lucro. O valor da vida humana não entra nesse cálculo, nem em suas cabeças.

Há vários relatos (citados ou não pelo filme) de casos em que os trabalhadores, por manipularem os “defensivos”, contraem graves doenças – câncer, depressão, entre outras. Houve, no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul, casos de lavradores em que o contato com o veneno implicou em sérias alterações de seu sistema nervoso, provocando inclusive suicídios. É comum ainda que o veneno alcance o lençol freático, contaminando assim a água consumida pela população do entorno. É o que acontece, por exemplo, em Limoeiro do Norte, no Ceará. Em meio a isso, os bancos têm disponibilizado crédito apenas aos produtores que se comprometem a utilizar o veneno, o que cria uma verdadeira engrenagem econômica do agrotóxico.

Quanto aos alimentos comprovadamente contaminados, pimentão, alface, cenoura, mamão; tomate, laranja, cebola, batata; morango, uva, repolho, arroz: todos, segundo a Anvisa, irregulares. O veneno está na mesa, é verdade – ao menos de quem come. Em busca de um antídoto, desde abril deste ano, diversas organizações, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, grupos ambientalistas e entidades estudantis têm impulsionado a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. A campanha consiste em difundir informações, provocar o debate público, pressionar por uma política de produção e consumo que tenha como centro o ser humano, seus direitos, sua saúde. Está claro, e nisso reside o trunfo da iniciativa, que, ou a população se mobiliza e reivindica uma postura do Estado nesse sentido, ou teremos, empurrada goela abaixo, a vitória dos venenistas. Está correta, não há outro caminho. No mais, o que não é agrotóxico engorda.

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