segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Os Nossos Direitos Humanos e os Direitos Humanos Deles




Olá, olá. Quem vos escreve é Thiago Arruda, do Ceará, em minha primeira postagem: graças à Globo (ou culpem a Globo)...

Os Nossos Direitos Humanos e os Direitos Humanos Deles

Quem assistiu ao Jornal da Globo da última quinta-feira (7/1) teve a sorte de se deparar com uma aula magistral. William Waack, enquanto defendia (sim, jornalistas não só afirmam, eles defendem) que o Plano Nacional de Direitos Humanos atentava contra os próprios Direitos Humanos, por tocar no monopólio da terra e da comunicação, mostrava a todos do que se trata este debate: disputa política. Não que isso nos seja novidade. Mas foi interessante observar este episódio em paralelo a uma leitura de Bobbio, n’A era dos Direitos: interessante porque essa mistura trouxe à tona debates antigos que fazíamos entre os núcleos de extensão em Assessoria Jurídica Popular, sobre o fundamento dos Direitos Humanos, sobre o que significava lutar por sua efetivação. Vieram-me à cabeça discussões em encontros, grupos de estudo; momentos em que se levantava o questionamento ao Direito de Propriedade como Direito Humano; oficinas em que se inventava o “Direito Humano a nunca ser oprimido” (claro que num sentido bem mais profundo do que o “doutrinário”, ligado às liberdades individuais); em que se atacava o fundamento jusnaturalista e, sem nos conformarmos com a leitura formalista, buscávamos uma compreensão crítica, que – hoje, me parece, com mais nitidez - se liga a uma compreensão materialista do desenvolvimento desses direitos.

Escutei uma vez: “Os Direitos Humanos são uma plataforma política”. No final das contas, defender Direitos Humanos é defender um projeto político e um modelo societal. Nisso, faz diferença o como defender e a compreensão sistêmica na qual se encaixa esta defesa. Bobbio chega ao reconhecimento do caráter histórico desses direitos; sua leitura é interessante neste ponto. Nós? Nós, militantes de Direitos Humanos, estamos dentro dessa historia e precisamos de um lado. Para a Globo, o Agronegócio e o DEM, trata-se do direito humano ao monopólio da terra e dos meios de comunicação. Em outras palavras, o monopólio dos meios de produção econômicos e dos consensos. Bastou que triscassem nele para que os telejornais mais uma vez evidenciassem sua verdadeira essência, a de panfletos sanguinolentos. Audiências sobre reintegração de posse com a participação do movimento social são transformadas em um “preconceito contra o agronegócio” (os latifundiários são, agora, quase uma “minoria”, ou, aliás, eles são mesmo, das menores delas), em um enorme atraso à desocupação de paraísos na terra que servem ao progresso da nação. Os Direitos Humanos, então, só confundem? Colocam a todos do mesmo lado? Adotamos uma estratégia equivocada? Os nossos Direitos Humanos são os mesmos Direitos Humanos deles? Precisamos fazer mais: além.

A nossa tarefa de fazer mais significa lutar por este projeto, socialista, expressando seu caráter emancipatório também em direitos. Significa perceber que os Direitos Humanos são, de fato, este balaio de gato, ou esse saco vazio (ou cheio de tudo?), e que é a política, é a disputa de hegemonia que vai dizer o que eles são e serão, assim como já disse o que eles foram. Eles, no Jornal da Globo, nos mostram de novo – e nos mostram sempre – que a luta de classes existe, e que, fora dela, falar em Direitos Humanos é flutuar num lugar-nenhum (o que soa “ideal”, tentador, até pseudopoético, e nada constrói), muito próximo de um racionalismo abstrato daquele fundamento metafísico absoluto. O inimigo – e não há qualquer pudor mesmo neste termo, sem que se abandone uma perspectiva humanizadora, sem que se personalize o conflito – transforma em direitos seu projeto elitista; é, na verdade, bastante didático, e nos ajuda a desenhar o mapa em que traçaremos o percurso; nos ajuda a perceber por que lado cada sujeito opta. A nós, resta assumir a História em sua concretude, assumir a luta de classes, assumir o nosso lado, manter-se à esquerda, até a última gota; até que se efetivem direitos, se criem direitos, e que se destruam (também) direitos, para que os novos nasçam ("a todo o direito corresponde uma obrigação" - obrigado, Bobbio - e, a todo privilégio da burguesia corresponde uma forma de exploração dos trabalhadores); até que a liberdade não signifique monopólio, que não se trate da liberdade para uns de ter uma Hilux (agora percebo, o “alto-luxo” no nome) ou uma L-200 (prometo pesquisar a origem deste nome), enquanto a liberdade para outros oscila entre dormir embaixo de uma ponte ou de um viaduto - e olhe lá. Lutemos pelos Direitos Humanos até suas últimas conseqüências; até que seja um direito humano, por exemplo, não ter o produto de seu trabalho roubado; até que seja um direito humano não ser oprimido, como naquela oficina que faz tempo. Isso mostra(rá) as diferenças. A radicalidade prefere o nosso lado, é essa a melhor parte.

(O link do vídeo, que infelizmente não contém o início do jornal com o William Waack – mas Globo, ABERT, CNA, DEM e PSDB garantem a lição:
http://video.globo.com/Videos/Player/0,,GIM1187223-7759-PROGRAMA+NACIONAL+DE+DIREITOS+HUMANOS+VOLTA+A+GERAR+POLEMICA,00.html)

2 comentários:

  1. Seja muito bem-vindo cabra cearense porreta!

    Começaste tirando lasca (como se diz aqui no sul, onde quer dizer "arrebentando").
    Cara, achei que a tua visão sobre os direitos humanos está bem próxima da que eu tenho trabalhado. Mas eu não costumo colocar esta separação entre direitos nossos e os direitos deles.
    Gosto da posição do Jesus Antonio de la Torre Rangel, que fala nas analogias do direito como ciência, direitos subjetivos, justiça e ordenamento. Ele trabalha com a categoria de direito do povo, numa concepção pluralista.

    Assim, acho difícil que consigamos trabalhar a categoria do direito dos oprimidos e dos exploradores, exatamente com as classes proletariado e burguesia correspondentes.

    Precisamos alargar nossa concepção de direito para contemplar outras classes oprimidas. Como a dos povos tradicionais, por exemplo.
    Isto ainda no referencial marxista e socialista. Este é um dos nossos desafios, vocês não acham?

    ResponderExcluir
  2. Valeu, é por aí, Luiz. E gostei da coisa de tirar lasca!, haha! Afinal, esse pluralismo também passa pelos regionalismos e...!

    Pois é, tomei o conflito de classe de forma mais evidente, mas esses "nossos direitos humanos" - na verdade, a idéia do "nosso" é de uma concepção nossa, uma concepção crítica e emancipatória do direito e dos direitos, que se contrapõe ao projeto da elite, ou seja, está no campo da concepção, e não da divisão em si dos direitos - têm que abarcar um todo, ao mesmo tempo em que comporta o específico. A luta política deve abarcar os mais diversos sujeitos dessa transformação, dessa revolução - são trabalhadores, são negros, são mulheres, são jovens, são estudantes, são indígenas, são tantos, são o povo.

    Esses sujeitos vão aparecer em suas várias identidades, em suas compreensões da realidade que vão além da questão econômica. Assim como o neoliberalismo totaliza - no sentido de não ser apenas econômico -, precisamos totalizar, já que a questão é só tudo, não apenas política, econômica ou social. É vida. Mas totalizar pra nós, no sentido de abarcar os diversos aspectos do modelo societal, não significa sepultar as identidades; ao contrário, significa diálogo, convivência e igualdade na diferença. Pro neoliberalismo (e para sua globalização), não.

    Os nossos direitos humanos ou a nossa compreensão de direitos humanos deve reconhecer isso, o que significará reconhecer também a questão econômica, mas não só ela. Deve ser orgânica a esse bloco histórico dos oprimidos, com suas diversas faces, cores, aspectos.

    Talvez a coisa vá por aí, e vai atravessando a organização desses sujeitos, os valores, a ética que forjam. Daí vem uma discussão que é boa, a relação entre poder popular e direito. Me deixou curioso o Torre Rangel, vou procurar conhecer melhor.

    Abraços e abraços,

    ResponderExcluir