segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Café Guaií e Quilombo Campo Grande


Por Davi Martins Furtado de Mendonça e Ricardo Loredo Teixeira
No dia 7 de novembro de 2018, o Quilombo de Campo Grande, acampamento pertencente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Minas Gerais, foi alvo de uma liminar de despejo, aprovada por um juiz do estado. Ao todo são 450 famílias afetadas pela decisão, famílias essas que com esforço e empenho construíram no local um polo de produção de alimentos em 1760 hectares, desses, 1200 eram reservados a lavoura dos mais diversos alimentos, 40 eram destinados a uma horta agroecológica e 520 à produção de café, além de currais e casas. A decisão afeta vinte anos de trabalho conjunto das famílias.

É de suma importância ressaltar o papel da agricultura familiar para o abastecimento dos centros urbanos, uma vez que esse modelo é a principal fonte dos alimentos que chegam às prateleiras dos mercados das cidades. Contudo, é também alvo de severos ataques dos setores dominantes sedentos por terras, agravando a situação fundiária do nosso país, que é extremamente concentrada e improdutiva. A realidade do espaço rural atual é diametralmente oposta àquela prevista pela Constituição Federal, ao passo que elenca em um dos seus dispositivos - artigo 184 - a possibilidade de reforma agrária.
Os Sem Terra ocuparam por vinte anos o espaço de uma antiga usina, que por motivos fiscais, veio à falência. Desde 1998 o acampamento Quilombo Campo Grande era referência na agroecologia e na produção do café Guaií, reconhecido mundialmente. A ocupação se deu mediante um Decreto Estadual (365/2015) que previa a desapropriação do terreno da usina abandonada. Previsivelmente, os empresários e ruralistas se colocaram contrários ao acordo, e, por meio de uma liminar ordenaram o despejo das famílias, liminar essa aprovada pelo juiz da vara. O processo não está finalizado, cabe ainda recurso aos trabalhadores.

Em suma, é importante compreender para qual lado e de que maneira a justiça é orientada, assim, saltam aos olhos os diversos casos nos quais o acesso à justiça é negado ou constantemente embarreirado. Nesse sentido, a partir das discussões realizadas dentro do curso de extensão, é possível ver como a assessoria jurídica popular como uma das ferramentas na busca, por parte de grupos frequentemente rechaçados pela sociedade, como este, pela contempla dos direitos mais básicos frente aos abusos estatais e privados.
Davi Martins Furtado de Mendonça e Ricardo Loredo Teixeira são estudantes do 2° período da Faculdade de Direito da UERJ.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Uma experiência de educação popular



Por Uelem Ramalho Oliveira
                  Um dos temas trabalhados durante o curso de extensão “Assistência JurídicaPopular” foi a educação popular. Nessa perspectiva foi proposta a leitura e reflexão do texto “A perspectiva freiriana de formação na práxis da educaçãopopular” de Antonio Fernando Gouvêa da Silva. Quanto a tal asserção não foi a primeira vez que me deparei com a expressão “educação popular”, inclusive eu já tinha participado de um encontro que preconizava pelos seus ideais, mas sem me dar conta de que era isto que estava acontecendo e qual a sua importância.
                  Em primeiro lugar insta salientar o conceito de educação popular. Segundo próprio Antonio Fernando Gouvêa da Silva, educação popular é concebida como “conjunto de práticas socioculturais que, de forma explícita ou implícita, consciente e intencional, ou incorporada de maneira acrítica, num primeiro momento, se inter-relacionam nas diferentes instâncias do espaço/tempo comunitário, assumindo, gradativamente, uma intervenção pedagógica emancipatória na prática sociocultural e econômica vivenciada. Parte-se, portanto, do conflito para chegar a uma atuação social significativa e contextualizada.”
                  Uma vez conceituada, compartilharei uma experiência muito interessante e importante sobre o tema. Tal experiência se trata de uma aula de formação oferecida pelo Coletivo Marginal que visava a concretização de um dos seus projetos denominado “É tudo nosso”. A ideia principal do projeto foi a conscientização de jovens que residem na Cidade de Deus sobre a concretização de um dos direitos fundamentais garantidos na constituição federal de 1988, que é o direito a cidade. Uma das ideias era ocupar espaços públicos que, em tese, são planejados e ordenados ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade com vistas a garantir o bem- estar de seus habitantes como preceitua a constituição no artigo 182.

                  Nesse sentido, logo no primeiro instante houve a inserção de um questionamento que a todo o momento era debatido: “A cidade realmente está sendo planejada para o bem-estar dos habitantes? Se não, para quem ela está sendo planejada? Está sendo planejada para todos? Quais locais são planejados?”
O local escolhido para debater tal questão foi muito apropriado. A aula ocorreu na Praça Mauá, ponto de referência que sofreu uma revitalização para a Copa e as Olimpíadas de 2014 e 2016. Esse local também possui fortes traços de parte da história da cidade do Rio de Janeiro, principalmente no que tange a história do povo negro escravizado.
                  Local que sofreu intensos investimentos e valorização por parte do poder público, a Praça Mauá foi um dos lugares que serviu de palco para os diversos acontecimentos ocorridos durante os grandes eventos. Ao longo dos últimos anos tal local se tornou ponto turístico e de lazer, mas também se tornou local de exploração dos espaços públicos (com a administração deste pela PPP do Porto Maravilha) e de especulação imobiliária.
                  Quanto ao que foi proposto durante a aula o ponto alto foi a asserção de pensarmos qual o papel que cada um dos presentes desempenha, enquanto jovens e periféricos, nos espaços urbanos, e naquele caso específico, naquele espaço urbano e revitalizado. Ainda sobre tais propostas houve também um apontamento importante quanto ao local escolhido no que se refere a sua história.
                  A Praça Mauá também é um lugar cercado de história do povo negro (que era trazido das várias partes da África para serem escravizados no Brasil durante o período colonial e imperial), pois faz parte da chamada região do Valongo (onde aportavam os navios Negreiros). Nesse sentido, buscou-se apontar se a revitalização de tal região significaria ou não certo esvaziamento de toda essa história que nos traz esse território.
                  Por fim, mais que oportuno ocorria uma exibição da história do samba no Museu de Arte Moderna. Exposição esta que foi visitada pelo grupo graças ao convite de um dos educadores residentes do museu, o que contribuiu ainda mais para as reflexões propostas.
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro

                  As respostas para as reflexões não são tão simples visto que há experiências muito pessoais de cada um com relação aos espaços urbanos. Porém podemos apontar que os espaços urbanos sofrem determinadas segregações, onde se vislumbra que determinados grupos ocupam espaços com determinadas características e outros com outras características quase que de uma forma planejada a partir de um viés segregacional na medida em que se destinam ou não recursos públicos para consecução de políticas públicas.
                  Existem também diversas questões que dificultam a concretização do direito a cidade, seja a falta de mobilidade, passando pela insegurança e chegando até o próprio desconhecimento dos cidadãos do próprio espaço urbano e até mesmo de tal direito.
                  Para conhecer o coletivo, acompanhar como ocorreram as aulas e acompanhar outros projetos basta procurá-los no Facebook através da página do coletivo Marginal.

Uelem Ramalho Oliveira é estudante do 8º período do curso de Direito da UERJ.