Cláudio Silva (CE)*
Recebi uma ligação de um jovem, 22, que fora preso durante
as manifestações ocorridas no período da Copa das Confederações. No dia seguinte
seria ouvido em algum Juizado Especial Criminal. Confuso, sem orientação
jurídica, não sabia a origem da “intimação”, apenas que sua mãe recebera uma
ligação pela manhã, comunicando que seu filho deveria comparecer “na justiça”,
no dia seguinte.
Acusação: incitação ao crime (3 a 6 meses de detenção).
Fato: o rapaz, sem qualquer antecedente criminal ou qualquer conduta que
signifique qualquer coisa próxima de um delito, estava sentado, na
manifestação, quando foi preso, juntamente com dezenas de outras manifestantes.
Manifestar-se não é crime. Crime é impedir que alguém se
manifeste.
No dia seguinte, o jovem compareceu – sem acompanhamento de
advogado, por circunstâncias que inviabilizaram que sua família constituísse um
assessor – ao Juizado Especial Criminal onde ouviu do representante do
Ministério Público o oferecimento da transação criminal ("acordo"). A
proposta, em síntese simplificada: o jovem manifestante paga um valor de 1
salário mínio e meio (algo mais de R$ 1.000,00) e não sofrerá o constrangimento,
gastos (de dinheiro e tempo) e o “peso” de um procedimento em juizado criminal.
O jovem me diz ao telefone, confuso e constrangido, que sua
mãe pagará o valor para encerrar a questão.
Caso encerrado!
Pergunta-se: quais as consequências dessa situação para uma
suposta diminuição das condutas criminosas e efetivação da justiça? Qual o
efeito desse procedimento para o avanço do Direito e aprimoramento da
Democracia? Nenhum, quase nenhum ou mesmo um grande retrocesso.
Pergunta-se, agora, dissimuladamente: e quais as
consequências dessa situação para o jovem manifestante, para sua família e para
qualquer grupo em que ele porventura esteja organizado? Como se sente um jovem
estudante, 22 anos, que talvez participasse de suas primeiras manifestações?
Esse caso é específico, mas não é pontual ou isolado. Antes
disso, ilustra uma grave situação no Brasil.
Precisamos discutir com a sociedade – da forma mais ampla
possível – a necessidade de recolocar as manifestações, protestos,
reivindicações etc. como uma ação democrática, popular, legítima e legal.
Qualquer pessoa pode e deve se manifestar contra algo injusto. Quando isso
ocorrer de forma organizada, mais ainda deve ser defendido.
As acusações, corriqueiras, infelizmente, dos últimos meses,
de “incitação ao crime”, a quem está se manifestando, devem ser completamente
repudiadas, sob pena de criarmos um “clima” que inviabilize qualquer
manifestação.
Manifestar-se é ato mais completo e objetivo de exercício de
democracia!
Nessa luta – pelo direito a exercer o direito de
manifestar-se – precisamos aglutinar o maior número de pessoas, setores sociais
e interesses populares (vou falar apenas do Sistema de Justiça e da
Comunicação):
- O Ministério Público não deve ser instrumento de
criminalização casuística, infundada e ilegítima. Deve realizar sua função:
Promotor de Justiça;
- O Judiciário não deve sofrer pressão dos meios de
comunicação empresariais, voltados para o lucro da publicidade e interesses
comerciais, e não a efetivação dos Direitos Humanos e da solução dos problemas
do povo brasileiro;
- Devemos fortalecer a Defensoria Pública como instrumento
de acesso à justiça “justa”, pelos mais pobres;
- A grande parcela dos servidores da polícia civil e militar
são jovens trabalhadores mal remunerados, que realizam um ofício difícil e
degradante. As greves e protestos realizados pelas polícias (militar, civil e
federal) têm demonstrado várias de suas pautas trabalhistas, sindicais e
legítimos interesses;
- Necessitamos de meios de comunicação populares, ao
contrário das poucas empresas que controlam o sistema de comunicação social do
Brasil.
Enfim, precisamos construir uma ampla aliança em torno das
pautas populares no Brasil. Sem essa aliança, por mais fundamentadas que sejam
nossas teses jurídicas e argumentos políticos, não conseguiremos vencer. E,
nossa vitória, é a efetivação dos direitos do povo brasileiro.
*Cláudio Silva, advogado popular, defensor de Direitos
Humanos e militante da Consulta Popular
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