quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Crítica aos direitos humanos e movimentos sociais

Assunto espinhoso na esquerda brasileira é o dos direitos humanos. Há quem defenda posição, fundamentada em Marx, de que não é possível trabalhar, mesmo que no âmbito do discurso, com uma visão positiva dos direitos humanos. Isto é, os direitos humanos são meramente os direitos do homem individualmente considerado, e identificado, formal e materialmente com a classe dominante. Para alguns, representa ainda, um discurso próprio da estratégia neoliberal.

Ocorre que inúmeros movimentos populares brasileiros, com seus assessores, compartilham a idéia de direitos humanos num plano positivo, de sua afirmação perante a sociedade civil e o Estado. Um exemplo é o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, que assessora inúmeros movimentos populares e leva este conceito como sua principal bandeira ideológica. Inclusive, existem hoje organizações de direitos humanos, que diferenciam-se de outros sujeitos coletivos como as ONGs, justamente por propor esta terminologia.

Por onde começar para propor a ressignificação deste termo "direitos humanos", senão da própria práxis dos movimentos populares? Independente do termo, o que é necessário afirmar é a igualdade material de todos "homens" (homens e mulheres) neste modo de produção capitalista. Mesmo que sabedores da impossibilidade concreta de alcançar esta igualdade, conforme Marx. A afirmação de algo irrealizável hoje funciona como um mecanismo eficiente de denúncia desta condição, fruto da conscientização dos movimentos populares a respeito da necessidade histórica de dar fim ao trabalho assalariado e ao capitalismo. Trata-se da disputa do conceito levada as últimas consequências.
Ainda, os direitos humanos no âmbito cultural carregam um significado histórico determinante em algumas correntes do movimentos feminista, indígena, negro, de gênero, entre outros. Necessário compreender estas especificidades e buscar cumprir o desafio histórico de unir forças para o fim do capitalismo com estes sujeitos.

Por fim, o discurso dos direitos humanos é estratégico para levar a cabo a união temporária com setores progressistas, para barrar retrocessos dos raivosos reacionários e golpistas de direita, fortalecendo uma democracia representativa limitada, formal e desigual, mas que significa condição mais favorável do que a ditadura militar, por exemplo.

Fica a questão para debate: quais sentidos atribuídos pelos movimentos sociais aos direitos humanos?

2 comentários:

  1. Luiz,

    Concordo plenamente que não importa o nome mas sim o conteúdo do nominado.

    No entanto, gostaria de levantar alguns aspectos, a partir de algumas posições teóricas bastante interessantes. Em meio ao ensurdecedor silêncio que seu texto causou (um estranho consenso mudo?), relembro a crítica de Atílio Borón aoz zapatistas ao reivindicarem as "idéias" de DEMOCRACIA, SOCIEDADE CIVIL ou HUMANIDADE, as quais costumam ter sentido ambíguo e muitas vezes vazio. O mesmo poderia ser dito de noções como CIDADANIA, DIGNIDADE ou, enfim, DIREITOS HUMANOS. O que significam estas idéias em meio aos discursos nos quais estão necessariamente inseridas?

    Pois bem, Max HORKHEIMER fez uma interessante discussão em seu clássico "Teoria tradicional e teoria crítica":

    "o teórico, cujo único interesse consiste em acelerar o desenvolvimento que deve levar à sociedade sem exploração, pode encontrar-se numa situação contrária aos pontos de vista que, como foi exposto acima, predominam justamente entre os explorados. Sem a possibilidade desse conflito não seria necessária nenhuma teoria; ela seria algo espontâneo naqueles que dela necessitassem. O conflite não tem necessariamente nada a ver com a situação de classe individual do teórico; não depende da forma de sua renda. Engels foi um businessman! [...] A tarefa do teórico crítico é superar a tensão entre sua compreensão e a humanidade oprimida, para a qual ele pensa" (n'Os pensadores, p. 140).

    E aí, o que você acha dessa posição com relação a sua análise na postagem? Dizem que quando a gente pergunta já tem uma impressão própria sobre a resposta e eu adianto que a minha não é a de considerar o franquefurtiano um elitista/iluminista...

    Por fim, queria fazer mais um comentário pequeníssimo a partir da interpretação de David HARVEY acerca do "discurso dos direitos" (os quais podem ser entendidos como referentes aos direitos humanos). Diz ele: "o sentido positivo da justiça como um direito, por exemplo, tem sido um forte estímulo para movimentos políticos [...mas...] viver sob o neoliberalismo significa também aceitar ou submeter-se a esse conjunto de direitos necessários à acumulação do capital. Vivemos, portanto, numa sociedade em que os direitos inalienáveis [leia-se: direitos humanos] dos indivíduos (e, recordemos, as corporações são definidas como indivíduos perante a lei) à propriedade privada e à taxa de lucro se sobrepõem a toda outra concepção concebível de direitos inalienáveis" ("O neoliberalismo: história e implicações", p. 193-194).

    Sem querer imputar ao autor uma dada posição, eu queria perguntar, antes de mais, se a "arena" do "discurso dos direitos humanos" permite a disputa pelo conceito sem agrilhoar os oponentes à concepção hegemônica.

    Assim, claro, temos de nos perguntar: o que significam os direitos humanos para os movimentos populares?

    Mas também: queremos e podemos, movimentos populares e movimentos sociais populares, continuar disputando este conceito sem abrir mão de uma série de posturas críticas?

    O que me diz(em), camarada(s)?

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  2. Olá

    Estas perguntas tem um sentido especial no atual momento político do Brasil.
    Principalmente depois da atividade em Floripa, Direito e Ditadura, estou mais convencido dos limites e do vazio do discurso do direito, da democracia liberal e, consequentemente, os direitos humanos.
    Seja pela posição do franquefurtiniano, seja do Harvey (que inclusive tem posições ainda mais críticas e interessantes sobre os movimentos sociais e seus apoios), o importante é aproximar-se dos movimentos com esta pergunta na cabeça.
    Aliás, farei isto este final de semana, assim que voltar postarei uma resposta possível.
    Sobre o silêncio no blogue, confesso que para mim é igualmente inquietante. As vezes, não há nada mais eloquente e definitivo do que o silêncio. Ou então ele representa medo, apatia ou desinteresse. Oxalá seja o primeiro.
    Abraços

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