segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Vocês têm um lado

De Thiago Arruda, 
de Fortaleza-CE

Aos "neutros", aos "imparciais", ou aos que "não têm um lado", 

Vocês têm um lado.
Eu sei, provavelmente, você vai pensar, influenciado pelo relativismo pós-moderno irracionalista (mesmo sem o saber, no mais das vezes), que a ideia de "ter um lado" é uma ideia arcaica, ultrapassada. Que o legal mesmo agora é achar que existe uma infinidade de posições, mesmo que a sociedade se polarize, que a realidade aponte o contrário: assim é bem mais fácil não ter posição alguma - Freud explicaria a gênese desse argumento justificador. 

De costume, você considera que "os dois lados estão errados". De costume, se alguém arrota numa manifestação, está errado e você não vai compactuar com isso. Você procura anjinhos no mundo, ao invés de mulheres e homens - de carne e osso, coração e mente - mas não encontra essa candura sequer em você mesmo - porque, por incrível que pareça, você também é gente, e gente-no-mundo. Sua natureza terrena lhe é totalmente estranha, invisível. 

Dificilmente, você perceberá que sua postura "crítica" em relação "aos dois lados" é, profundamente, seletiva. Que a violência policial ou a fraude do banqueiro lhe parece muito mais normal e tolerável do que uma vidraça de banco quebrada. Você não admitirá isso, mas você sabe: é seu estômago quem lhe diz. Seu estômago manda muito mais em você do que sua mente, aparentemente onipotente e autônoma, que funciona como um prolongamento-que-argumenta dele. Do estômago. Mas você só sabe disso lá no fundo. Você não faz ideia do quanto Freud e Marx, essas velharias, explicam sua velha novidade. Nem sabe de suas semelhanças com Kant e a história da pequena burguesia. Em geral, você sabe de muito pouco, é verdade.

De toda forma, dessa forma, você se torna "crítico" - mesmo sem nenhum critério adequado, a não ser seu umbigo e a revista Veja, capaz de guiar essa crítica. Veja, então, que estranho. Você, que julgava ter encontrado a resposta pros seus problemas, que julgava poder julgar tudo do alto do seu pensamento individual autocentrado, fora do mundo, "imparcial"; é você quem segue uma "moda". Uma moda paupérrima do ponto de vista intelectual, por sinal. Medíocre, e tão velha quanto o subjetivismo oco do século XIX. Sim, o "velho" muitas vezes é mais novo que o "novo".

Claro, então, que, quando você "assiste" a um ato político, torce ocultamente para que esses vagabundos apanhem por obstruir a Beira-Mar ou outra "importante avenida". Claro, então, que você deverá suprimir o contexto de confronto e revolta que cercam os atos, os 513 anos de miséria a que estamos submetidos. E, claro, então, que você não tomará posição no mundo real, já que essa é a melhor forma possível de defender uma posição: a posição dos que exploram. Sim, de novo, você tem um lado. Mas essa palavra, por si, "exploração", lhe incomoda por demais. Desperta em você os "instintos mais primitivos". Como é possível falar isso em pleno século XXI, quando todos somos livres e iguais, "não estamos em uma ditadura?

É. Dificilmente, você compreenderá que é a mistura a essa gentalha de milhões de revoltados que pode mudar alguma coisa, e não o Criança Esperança ou a "conscientização dos políticos" através de caminhadas muitíssimo bem comportadas, que respeitam o "direito dos carros" de trafegar incondicionalmente.

E enquanto os destinos da sociedade brasileira - e não só dela - estão sendo decididos nas ruas, através do confronto real, efetivo, sob a única forma historicamente possível neste momento, entre os privilegiados e a massa de despossuídos, você preserva sua higiene, toda a pureza que julga ter, provavelmente vendo as notícias dos canais oficias e postando suas grandes ideias sobre como tudo deveria ser, nas redes sociais. Suas ideias que tratam de tudo aquilo que você nunca viveu, em contraponto à história, ao mundo real e aos aprendizados forjados por aqueles que nele têm ousado permanecer.

Você odiará esse texto. Dificilmente, chegará até o final dele. Mas, de fato, ele não foi feito pra lhe agradar. Depois, podemos tentar escrever um assim. Que lhe agrade.

Um comentário:

  1. Luiz Otávio Ribas, tenho algo a lhe dizer: eu amei esse texto!!
    Bjo fique com Deus.

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