terça-feira, 12 de abril de 2011

Sobre o Bairro 23 de Janeiro.



No Bairro 23 de Janeiro, uma das comunidades (se não, e provavelmente, “a”) mais combativas e mobilizadas de Caracas, conhecemos o espaço utilizado pelos moradores para reuniões e atividades culturais. A data é a mesma em que caiu (derrubado), em 1958, o ditador Marcos Pérez Jiménez, e 23 de Janeiro tem um longo histórico de lutas, que precede ao governo de Hugo Chávez. Fomos – nós, um brasileiro, duas chilenas, três argentinos (se não me engano) e um estadunidense – recebidos por um mico vestido em vermelho e por uma parede; a parede nos recebia com Che, ao lado de longas escadas, cheias de trabalhadores, cheias de povo: “Construyendo el poder popular!”; o mico, com certo espanto. Conversamos com um grupo de mulheres, com as crianças que aprendiam percussão e visitamos o estúdio da rádio livre do 23 de Janeiro.



O estúdio, estivemos lá. Estivemos dentro, do que, antes, havia servido exatamente como cela para os lutadores populares: prender é como (tentar) calar. Grades e mordaças são irmãs. Mas o que, antes, prendia, calava, ou tentava calar, hoje, liberta e pronuncia. Não só o estúdio, todo aquele território é, no fundo, só isso tudo, este falar: um antigo posto policial, um pequeno forte repressivo, estrategicamente localizado, a serviço do sufocamento das vozes dissonantes ao projeto das elites venezuelanas, planejado e executado a cochichos em gabinetes e salões de festa; agora, espaço ocupado pelos moradores do 23 de Janeiro, tomado, arrancado: recuperado; o silêncio, que mentia, foi expulso, junto com a polícia. O poder popular, libertando progressivamente os vários espaços da comunidade, que ironia, garante a verdadeira segurança. 23 de Janeiro é, hoje, um dos bairros menos violentos de Caracas.



Como num grito. Havia, sim, um cartaz do Grito dos Excluídos, as paredes eram mesmo vivas. Falavam muito do que tudo era ali. Mas o que os moradores do 23 de Janeiro nos dizem com isso é que libertar o mundo é romper as celas da garganta, para que irrompa o grito; e é libertar a voz para fazer o mundo. É, também, muito, libertar territórios, e deixar que falem; deixar que falem, que cantem, que contem; a nossa história. O povo ensina assim.




(Thiago Arruda)

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