domingo, 17 de abril de 2011

A guerrilha do Caparaó: um matemático, um jurista e muitos militares

Junto ao golpe militar de 1964, a guerrilha do Caparaó completa anos no dia 1º de abril. Esta foi a data de seu desbaratamento.

Guerrilha do Caparaó desbaratada pelas forças armadas da ditadura
Organizada pelo Movimento Nacional Revolucionário (MNR), deu-se na divisa dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo a tentativa de resistência armada ao governo militar, com apoio cubano e de alguns políticos brasileiros exilados. Seu objetivo era explorar as “contradições” do regime militar e do modo de produção, apresentando-se como o braço armado de um levante popular que deveria ser articulado nos meios urbanos.

Interessante, porém, é notar que referida tentativa de guerrilha foi gestada entre 1966 e 1967 e não pôde entrar em ação devido à gigantesca mobilização das forças armadas para reprimi-la. Incrível recrutamento de forças já que os guerrilheiros somavam apenas 17 homens, dos quais apenas 7 resistiram até o final da luta, no abril de 1967.

A imensa maioria dos combatentes era de militares contrários ao golpe e com ideário comunista. Sargentos, subtenentes, capitães e cabos uniram-se a dois intelectuais, o professor de matemática Bayard Demaria Boiteaux, o grande idealizador da batalha, e o bacharel em direito e ex-conferencista do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), Amadeu de Almeida Rocha, responsável pelo apoio logístico e organização.

A figura de Amadeu de Almeida Rocha, para nós, é bastante interessante. Ativo membro de organizações que propugnaram a resistência armada, em 1973 seria preso e torturado e, por isso mesmo, ganharia a fama de “desbundado”, por não ter agüentado as sevícias dos porões da ditadura e por ter revelado os nomes de vários dos envolvidos na luta contra a ditadura. De qualquer forma, seria condenado a 12 anos de prisão, dos quais cumpriria 6, quando do processo de abertura lenta e gradual que levaria à anistia geral.

Amadeu, em 1976 e ainda na prisão, escreveria uma Carta aberta de um torturado ao presidente Geisel para a revista Versus, na qual relata todo o suplício vivido na cadeia. O ex-dirigente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) sofreria com torturas de todo o tipo, cada uma delas sumariamente descrita na carta. Seu depoimento seria um inventário de atrocidades que passavam por choques elétricos com dois, três ou quatro fios, em grupo ou “dança dos elétrons”, assim como sarcófagos, telefone, cirurgia, fuzilamento, gás lacrimogêneo, grades, palmatória, pancadas nas unhas, queimaduras com cigarros ou charutos, fogo nos olhos, ginástica, coroa de Cristo, afogamento, socos e chutes, roleta russa, geladeira até chegar aos períodos ou “continuados” com tratamento especial na alimentação, guiada por um terrível racionamento. Em conjunto, os tormentos o levariam ao estado de coma em 27 dias de prisão.

Abril aparece como um mês irremediavelmente infeliz para esta polêmica e ativa figura. O golpe militar, o fim da guerrilha do Caparaó, a prisão em 1973 e o coma no 1º de maio bem o demonstram. No entanto, datas são datas. Podem ser esquecidas ou não. O que precisa ser lembrado, todavia, é a insurgência, mesmo em tempos difíceis. No livro “Guerrilhas e guerrilheiros no drama da América Latina”, livro de João Batista Berardo que faz um relato sintético da luta armada no continente país por país, aparece um depoimento de Amadeu Rocha que merece ser transcrito aqui:

a luta armada não se resume em um foco de guerrilha. Quando começamos a de Caparaó, iniciávamos também movimentos nas cidades. Mas não poderíamos levar avante esse projeto se não tivéssemos inserido no contexto político-social do país, ao ponto de explorarmos todas as contradições.

A força deste testemunho histórico pode ser bem medida se comparada a outro momento em que o dirigente político deu publicidade a suas palavras:

todos os torturadores são figuras sinistras, com problemas psíquicos perfeitamente diagnosticáveis, mesmo para os leigos no assunto. Entretanto, entre eles destaca-se a figura de um que exige apreciação à parte, o “Dr. Eiraldo”. Esse torturador, capitão do Exército, torturava Amadeu por prazer. Pela manhã, ao chegar ao DOI, tinha por hábito ir até a “geladeira”, ou à sala de tortura, conforme ele, “para cumprimentar o Amadeu”: “Estou aqui para lhe cumprimentar, acordei com vontade de torturar alguém e esse alguém é você”. As torturas consistiam em chutes violentos, socos, pontapés, tendo fraturado, com um chute, uma costela de Amadeu. E também sessões de choques elétricos. Não perguntava nada. Apenas torturava. Quando se cansava, dizia: “Estou cansado, seu filho da puta. À tarde recomeçaremos o nosso trabalho”. O capitão do Exército “Dr. Eiraldo” tinha sempre na cabeça um capacete do exército nazista, com a suástica, e ao entrar na sala estendia a mão e fazia a saudação: “Heil, Hitler. Hitler é nosso pai espiritual” Era sádico, perverso e bestial. Enquanto os seus auxiliares torturavam, ele tomava café com biscoitos, refresco geladinho, fumava seu cigarro, tranqüilamente, dando gargalhadas, ou fazendo piadas.

De fato, a repressão militar foi crucial para desarticular o ideal revolucionário que se construía no Brasil. Difícil é, hoje, sustentar a luta no flanco de sua belicidade concreta. O discurso da paz, porém, é o manto que cobre a nossa violência quotidiana e que tem importantes ascendentes na ditadura de 1964. É certo que estes não são os parentes únicos de nossa violência contemporânea. Nossa formação colonial bem o atesta, assim como nossa inserção cediça no modo de produção capitalista.

Que violência é esta de que tanto queremos fugir mas que tanto presenciamos e, mesmo, vivenciamos em nossos dia-a-dias? É a violência estrutural da sociedade de classes, classificada racialmente e patriarcal. Superá-la é pensar nela, enfrentando-a inclusive como horizonte. As organizações populares devem ter tal clareza, caso contrário confiaremos num evolucionismo social decrépito, que não convenceria nem a mais obtusa cabeça social-democrata européia do início do século. Como enfrentar um mundo militarizado, lastreado por esse histórico aversivo? Como falar em insurgência longe das efetivas rupturas? O que o direito pode representar nesse contexto, como positividade e como deposição?

O exemplo do Caparaó, dos guerrilheiros militares, do matemático Boiteux e do jurista Amadeu talvez nos impilam a alguma reflexão.


Ver:

- página do filme Caparaó, de Flávio Frederico;
- documentário "Brazil: a report on torture", de Haskell Wexler e Saul Landau, sobre brasileiros exilados no Chile que relatam as torturas que sofreram no Brasil.

4 comentários:

  1. È isso mesmo PROFESSOR Ricardo, sei bem como é esse tipo de violência, convivi por 15 anos neste meio SÓRDIDO E PODRE DE PSICOPATAS que se acham GENTE. Agora : O triste mesmo é meia dúzia de alienados e abduzidos acharem que tudo isso já acabou, passou e que não existe mais.....pura utopia, piegas. O PIOR É QUE EXISTE SIM e em grandes proporções, será que a psicopatia destes idiotas não tem limites?
    Abraços. CHRIS- SEGUNDO DIREITO- UFPR

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  2. Nossa Gata onde vc vivia, era aqui no Brasil?????curiosoooooooo.

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  3. hahaha.....tenho certeza que é vc né FABRICIO(elitista, vc bem falou), mas não vou ficar aqui trocando farpas com vc......kkkkkkk. Não é lugar, mas esperar respeito de vc é mto né.....só que eu vou te dar um recadinho:
    SABE PORQUE O MUNDO É PERIGOSO? NÃO É SÓ POR AQUELES QUE FAZEM O MAL, MAS POR AQUELES QUE VÊEM O MAL ACONTECENDO E NÃO FAZEM NADA, assim tipo vc......percebeu porque eu não fico nem meia hora perto de vc? E como sei que vc vai responder.....te peço, não faça por aqui, vamos respeitar este espaço e deixar para aqueles que querem expressar algum conteúdo que valha a pena tá bom? Bjus.
    AHHH ao contrário de vc, eu vou me identificar: CHRIS ALEXANDRA( SUA AMIGA, A ÚNICA QUE TE TOLERA).

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  4. gostaria de saber mais sobre o que aconteceu com os sobreviventes de caparao

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