sexta-feira, 17 de junho de 2011

Poesitando a Amazônia


Amazônia: vida e morte em constante dialética
Foto tirada na aldeia Apyterewa do povo Parakanã, no rio Xingu/PA

Certa vez, nos idos de meu já longínquo 3º ano do segundo grau (o popular convênio), tive a intenção (ou será ambição?) de poesitar nossa terra, nossa gente, nossa realidade chamada Amazônia. Hoje, lendo e relendo a poesia que escrevi, confesso que fico tentado a mudá-la aqui e ali, para adequá-la com os trejeitos de que aprendeu que as estórias da Amazônia é maior do que a história da Amazônia. Mas não faço pelo simples motivo de que preservar a forma com que a inspiração talhou na memória, na imaginação e no papel aquelas minhas juvenis reflexões. Segue o breve relato...

Breve relato
A estrada cortou a mata
A mata foi cortada
Veio gente de couro refinado
E nativo virou onça pintada
Rio comprido trás no bojo as toras
E o clarão é plástica disfarçada
Toda arara voa livre na gaiola
Sai calada, pra no gringo ser ornamentada.

Coisa essa que fezes de grilo mata?!
Pra sulista ter folha amarelada
E na terra por seu bicho importado.
Mas antes jagunço é lei empoçada
E seu cano faz de homens, esporas
– Torna o rio cor do amor desfigurada.
Tantos gritos calados por uma pistola
Da mesma mão de quem era só enxada.

Cabra da peste mão-de-obra de projeto grandioso
Vem da seca, vem pra mata, na campanha mentirosa
Vem junto, na borla, com sua sonhada horta,
Trás contente os seis filhos e a esposa amorosa.
Mas chegando troca logo arado por martelo
E do entulho pedregoso faz construção suntuosa.
Faz tijolo por tijolo e vê lavoura distante,
Vê as terras sem homens só pra gente onerosa.

Soja foi modificada com sabor mais saboroso
Nasce em terras mecanizadas e lá fora é gloriosa,
Virou plantação de ouro e a selva inteira corta.
É daninha de queimada, das filhas a mais rendosa,
Faz balança favorável pra alivio do Castelo,
Só não faz é mais emprego já que é demais briosa
E prefere na senzala quem dá lucro triunfante:
Ferro-gusa proletariado da pele prata não remosa!

Pra juntar “tribo selvagem” com branco
Monstro alado trouxe antena parabólica
Índio Xavante fez toda lição de casa
E agora é cidadão da República
Terno preto e gravata engomada
Caneta importada estreando a sua rubrica
Na aldeia índio novo tudo engata
Pois, é hoje, funcionário de nobre estada.

Foi-se o tempo de Cabral navegar sem barranco
Tanto Éden adormecido em tranqüila música
Desperto já ferido e caiu na cova rasa
Deste hereto intrometido de palavra lúdica.
Casa verde, minha casa, que sucumbe estilhaçada
Frente ao fogo da ganância suavizando a polêmica
Isso desde quando a estrada cortou a mata
É que se tem compreendido que a mata foi cortada.

Da biblioteca "Poesia crítica do direito"

5 comentários:

  1. Gostei muito da poesia, mestre Assis. Demonstra paixão e comprometimento com uma causa, a causa da terra e do povo com sua cultura.

    Me lembrou a "Saga da Amazônia", do Vital Farias. Tem alguma inspiração aí ou é apenas a coincidência poética e seu diálogo sincrônico?

    Abração

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  2. Assis!


    Muito lindo compartilhar seu olhar-agir aqui conosco.Acabei de declamá-la aqui na sala de casa para mãe e irmão!Todos tocados.

    E triste é saber toda a verdade contida nestes versos. O lúdico também servindo como denúncia.

    Grande abraço!

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  3. Pazello e Nayara,
    Bem, primeiro, obrigad@ pelos elogios. Sobre a relação com Vital Farias, realmente não pensei nela, ou não lembro se serviu de inspiração, fazem alguns anos, hehehe.
    Agradeço pela declamação Nay, e que todas as poesias aqui postadas sirvam de inspiram e sejam difundidas para cativar mentes e corações!
    Abraços.

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  4. Que beleza, Assis!
    Penso que nosso primeiro caderno Insurgente, especial poesia, precisa incluir mais esta pérola. Quando vamos aprender a diagramar e rodar o número zero?
    Grande abraço!

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