sábado, 4 de junho de 2011

Registro histórico e AJP: um vídeo de CORAJE

por Lucas Vieira Barros de Andrade

Na postagem, que é destacada nesse blogue, "O que é assessoria jurídica popular?", há um ponto em que se ressalta a necessidade de registros das atividades de um núcleo de AJ(u)P. Como é colocado na postagem, as inúmeras demandas impedem esse registro. O registro histórico permite acompanhar a evolução do núcleo, as discussões travadas, as dificuldades, vivências, leituras, etc. Desta forma, aquele/a que se iniciar no núcleo contará com um material que não só o repasse oral (também importante) para a sua formação na assessoria.

Entre o final de 2010 e o começo de 2011, todos/as os/as fundadores do Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil (CORAJE) - projeto de extensão tocado por estudantes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), em Teresina - já haviam saído do projeto. Alguns já haviam deixado antes e outros saíram com a formatura. Mas nas nossas conversas e avaliações consensuamos o quanto negligenciamos o fator registro no projeto, não por falta de entendimento da importância, mas por, no correr do dia-a-dia, não conseguir se organizar, efetivamente, para ter um registro sistematizado, mais ordenado, etc. Some-se o fato, enfrentado pela maioria dos núcleos de assessoria jurídica estudantis, de não termos uma sala fixa. Tanto que uma de nossas militantes, Juliana, ao escrever sua monografia, cujo tema era a experiência do CORAJE, encontrou certa dificuldade com materiais espalhados em nossas casas, HD's, nas salas do movimento estudantil, etc.

Esse ponto do registro me veio à mente agora, quando mexendo em arquivos pessoais, encontrei um vídeo gravado na ocasião da II Semana do CORAJE, realizada em 2008, na UESPI. É o vídeo de abertura, no 1º dia da 'semana' que teria 03 dias. Vendo o vídeo, tentei puxar na memória as discussões travadas para a construção dessa abertura. Queríamos algo que, já de cara, quebrasse com o formalismo típico das semanas jurídicas das faculdades de Direito. Quando tivemos a surpresa de que tínhamos muitas inscrições (o número não me é exato, entre 100 e 150 pessoas, acredito) essa necessidade ficou mais forte.


A idéia da apresentação inicial era colocar problematizações em relação à Justiça e também às opressões (em relação a classe, orientação sexual, idade, etc.) e de como essa Justiça que temos não contempla tais grupos e que é preciso uma mobilização para a destruição dessa e a construção coletiva de uma nova Justiça. Não lembro, ao certo, as discussões – daí a importância do registro como um todo. Éramos todos muitos novos, com as primeiras discussões ainda tomando "corpo", ainda muito imaturos, mas a vontade e a "coragem" nos impulsionava a fazer, sabíamos do que não queríamos e tínhamos uma idéia pra onde caminharmos - por isso convocávamos tod@s para fazer parte dessa construção.

Ao fim da apresentação, um texto de Roberto Aguiar, retirado do Livro 'O que é Justiça?', o qual reproduzo abaixo:

Bailarina inconstante e volúvel, a justiça troca de par no decorrer do jogo das contradições da história. Ora a vemos bailar com os poderosos, ora com os fracos, ora com os grandes senhores, ora com os pequenos e humildes. Nesse jogo dinâmico todos querem ser seu par e, quando ela passa para outras mãos, logo será chamada de prostituta pelos relegados ao segundo plano. A justiça sobrevive a todos os ritmos e a todos os pares, porque ela se pensa acima de todos eles, acima de todos os ritmos e pares, como se pairasse em um lugar onde os choques e os conflitos não existissem. Mas, nesse grande baile social, as, todos são comprometidos, ou com os donos do baile ou com a grande maioria que engendra novos ritmos que irão romper com as etiquetas e os próprios fundamentos da festa. E a justiça, julgando-se eterna e equilibrada, não sabe, mas envelhece, esvazia-se, torna-se objeto de chacotas e aqueles que foram por tanto tempo preteridos e nunca tiveram em suas mãos essa mulher, começam a pensar que não é uma fêmea distante e equilibrada que desejam, mas uma mulher apaixonada e comprometida que dance no baile social os novos ritmos da esperança e do comprometimento. Não querem mais um ser acima de todos, mas o que está inserido na luta daqueles que se empurram e gritam para que seus ritmos e músicas sejam ouvidos: os ritmos e músicas da vida, da alegria, do pão e da dignidade.

Essa bailaria que emerge não será diáfana e distante, não será de todos e de ninguém, não se porá acima dos circunstantes, mas entrará na dança de mãos dadas com os que não podem dançar e, amante da maioria, tomará o baile na luta e na invasão, pois essa justiça é irmã da esperança e filha da contestação. Mas o peculiar nisso tudo é que a velha dama inconstante continuará no baile, açulando seus donos contra essa nova justiça que não tem a virtude da distância nem a capa do equilíbrio, mas se veste com a roupa simples das maiorias oprimidas.

Essa nova justiça emergente do desequilíbrio assumido, do compromisso e do conflito destruirá aquela encastelada nas alturas da neutralidade e imergirá na seiva da terra, nas veias dos oprimidos, no filão por onde a história caminha. O que é a Justiça? É esta.

3 comentários:

  1. Sou suspeita para comentar,mas...

    Maior orgulho tenho eu dessas meninas e meninos!

    =D

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  2. esse post, acredito, tem por intuito deflagrar a necessidade urgente de sistematização e registro das atividades de um núcelo de AJP, tão desafiadores que são a seus assessores jurídicos populares. Esses registros são fonte legítimas das lutas da AJP e de sua sua contribuição pra construção de um direito crítico, engajado, que ande de mãos dadas com "essa nova justiça emergente do desequilíbrio assumido, do compromisso e do conflito destruirá aquela encastelada nas alturas da neutralidade e imergirá na seiva da terra, nas veias dos oprimidos, no filão por onde a história caminha."

    Lindo post, que a mim, como ex-integrante e uma d@s fundador@s desse projeto imensamente transformador e CORAJOSO, só suscita orgulho e mais compromisso com essa luta.

    beijos aos leitores e amáveis administradores do blog.

    Juliana de Andrade Marreiros.

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  3. Meu peito bate acelerado vendo essa foto e esse vídeo. A gravação ruim é fruto de minhas mãos trêmulas ...

    "A você que fica aí inútil, vivendo essa vida insossa, só digo: - Coragem! Mais vale errar se arrebentando do que se preparar para nada" Darcy Ribeiro.

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