segunda-feira, 6 de junho de 2011

Repatriação do acervo do "Brasil: nunca mais"

Como muitos estudantes, eu fui dos que me politizei lendo e escutando sobre a ditadura militar de 1964 a 1985. Além de músicas, as histórias desse período são uma síntese epocal que permite perceber os extremos das contradições sociais que ainda hoje vivenciamos. Livros como "Brasil: nunca mais", "1968: o ano que não terminou" e "As ilusões armadas" ou "O que é isso, companheiro?", "Os carbonários" e "Feliz ano velho", para não falar dos muitos livros de ficção, poemas e teatro como "Antes que o teto desabe", "Poesia comprometida com a minha e a tua vida" e "Calabar, o elogio da traição", respectivamente, foram essenciais para minha fomação.

É com satisfação que recebo a notícia da "repatriação" do acervo do projeto Brasil: nunca mais, o qual deverá ser digitalizado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo e disponibilizado para o povo brasileiro.

Segue a notícia da página do Arquivo Público de SP:


O Arquivo Público do Estado de São Paulo, o Ministério Público Federal e o Armazém Memória realizam no próximo dia 14 de junho, às 14h30, o "Ato Público de Repatriação do Acervo do Brasil Nunca Mais". Durante o evento será anunciado o início do projeto Brasil Nunca Mais Digital, que irá digitalizar e colocar na internet o acervo do projeto Brasil: Nunca Mais, formado por cópias em microfilme de 707 processos judiciais do Superior Tribunal Militar. Também serão digitalizados cerca de 4 mil documentos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) sobre o mesmo tema.

O projeto Brasil Nunca Mais Digital é uma iniciativa do Ministério Público Federal, Armazém Memória e do Arquivo Público do Estado de São Paulo, com o apoio da OAB/RJ, do Center for Research Libraries (EUA), do Conselho Mundial de Igrejas (Suíça) e do Instituto de Políticas Relacionais. O objetivo do projeto é disponibilizar ao público, pela internet, o acervo integral do Brasil: Nunca Mais, assim como os documentos que registraram o seu desenvolvimento. O prazo estipulado para o término do projeto é de um ano após o seu início, no dia 14 de junho.

Caberá ao Arquivo Público a digitalização de cerca de 1 milhão de páginas dos processos datados de 1961 a 1976, que contêm informações e evidências de violações dos direitos humanos praticadas por agentes do Estado durante a ditadura militar. Já o acervo do CMI é formado principalmente por correspondências trocadas entre os responsáveis pelo projeto Brasil: Nunca Mais durante os seus seis anos de execução.

Participará do ato o Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel, entre outras autoridades. Na ocasião, o Conselho Mundial de Igrejas e o Center for Research Libraries (EUA) irão entregar cópias de seu acervo mantido no exterior ao Procurador-Geral, a fim de que elas sejam digitalizadas para compor o projeto Brasil Nunca Mais Digital.

Durante o evento, também serão prestadas homenagens a algumas pessoas que se dedicaram a este projeto: Dom Paulo Evaristo Arns, Rev. Jaime Wright (in memoriam), Paulo Vannuchi e Eny Raimundo Moreira.

Projeto Brasil: Nunca Mais

O projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pelo arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo Pastor Jaime Wright, foi realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final da ditadura militar, gerando um importante acervo sobre a história do país. O projeto pretendia evitar o possível desaparecimento de documentos durante o processo de redemocratização.

Após seis anos de trabalho em sigilo, a tarefa foi finalizada, resultando na cópia de mais de um milhão de páginas de processos do Superior Tribunal Militar. Diante da preocupação com a apreensão do material, a alternativa encontrada foi microfilmar os documentos e remeter os filmes para o exterior.

Serviço

"Ato Público de Repatriação do Acervo do Brasil Nunca Mais"
Data: 14 de junho, às 14h30
Local: Auditório da Procuradoria Regional da República - 3º região
Endereço: Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, 2020, térreo, Bela Vista, São Paulo/SP

2 comentários:

  1. Pazello, achei interessante o teu relato sobre o teu processo pessoal de "politização".
    De fato, o período da ditadura no Brasil foi de grande ebulição política e cultural em diversas esferas da sociedade.
    Por outro lado, sempre tive curiosidade de entender de que forma tu ver as transformações com o processo de "redemocratização" (coloco entre aspas porque acho que não consideras que estejamos, ou alguma vez tenhamos sido, uma democracia) e, principalmente, as próprias possibilidades da atual Constituição garantista.
    Fico curioso em relação a essa questão pela quantidade de militantes de esquerda (socialistas, alternativistas, etc.) que passaram a encampar o discurso garantista a partir da Constituição.
    Sei que não consideras este atual modelo político satisfatório, mas existem avanços? O que é possível construir a partir dele?
    Abraços.

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  2. Grande Macel!

    Sem dúvida, você antecipa aspecto interessante de minha compreensão política sobre o pós-ditadura. A chamada "redemocratização" manteve estruturas autoritárias, aliás como tem sido de praxe em toda nossa história republicana (basta ver, para usar um argumento de quem tem formação jurídica como eu, o aparato legislativo que resiste ao tempo em todas as áreas do direito: penal, processo, trabalho, admnistrativo etcétera).

    Logo, não se trata de re-democratização, porque - de maneira singela posso dizer - não houve democracia no Brasil (o período 1945-1964 precisa ser visto com olhos demasiado generosos para ser considerado democrático) assim como a "democracia" instaurada entre 1985 e 1988 tem elementos verdadeiramente pouco democráticos. É claro que aqui se trata de "disputar" o conceito do que venha a ser a tal da "democracia". Isto levaria nossa discussão para muito longe.

    De qualquer forma, fica a tua questão: como absorver as discussões do processo constituinte (processo este em grande parte ilegítimo, como o entenderam vários intérpretes e dos mais variados matizes, como: José Eduardo Faria, Dalmo de Abreu Dalári, Carlo Frederico Marés ou Rui Mauro Maríni...) e seus avanços?

    O "estado democrático de direito" apresenta-se como forma histórica de democracia. Nele, estão pressupostos os modos de vida hegemônicos da modernidade "tardia": capitalismo, nação e procedimento neutro e público. Propriedade privada, uninacionalismo estatal, legalidade e processo jurídico autônomo são as expressões mais fortes desse enclave. Talvez as "teorias críticas do direito" já tenham feito considerações acachapantes sonbre tais elementos e pareça repetitivo continuar o desencobrimento destas aparências... Por outro lado, a situação ditatorial pela qual atravessou países como o Brasil demandou historicamente a superação do autoritarismo que os afligiu. Assim, me parece irresponsável jogar fora pura e simplesmente o "uso tático" do processo constitucional brasileiro, o qual, mal ou bem, aglutinou forças políticas numa discussão de projeto nacional. De outra visão, porém, resignar-se com esta forma histórica de organização dos povos é aceitar a fatalidade do fim da história. Sim, nosso presente é complexo, envolve milhões de pessoas e os conflitos não são facilmente resolvidos. Mas o paradigma bi-secular do constitucionalismo jurídico parece estar se esgotando ante a não realização de suas promessas, como falavam os críticos.

    Em uma perspectiva pragmática, encerraria minha resposta dizendo: é preciso adotar o critério popular na relação com estas expressões da organização de nossa sociedade (o estado e o direito, por exemplo). Mas é preciso construir um horizonte prático de superação de algo que, na teoria, não logrou o êxito pretendido por seus defensores e por aqueles que aderiram a este projeto no correr dos anos. Não, ao menos, na periferia do mundo, premida pela colonialidade do poder e pela estruturação dependente de seu desenvolvimento econômico.

    Grande abraço, Macel!

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