segunda-feira, 12 de março de 2012

Barragens, Convenção 169 e "o sempre mais do mesmo" do Estado brasileiro


Por Juliana de Paula, professora universitária de Alta Floresta-MT.


Moro no Mato Grosso e trabalho com os Kayabi, povo que será impactado (ou terá seu território tradicional impactado) por SEIS Usinas Hidrelétricas. Eles jamais foram consultados, apesar de dois destes seis empreendimentos já estarem em avançada fase de construção. Também tenho tido bastante contato com os Cinta Larga e Arara do Rio Branco que tiveram um cemitério violado e destruído pelo canteiro de obras da UHA de Dardanelos e estão na luta para que o empreendedor cumpra o tal do PBA. 

Em meus tempos de Santa Catarina, trabalhei com os Xokleng, povo que teve uma barragem construída dentro de suas terras e até hoje, mais de vinte anos depois, ainda não receberam as compensações devidas e, tampouco tiveram qualquer tipo de apoio por parte das instâncias competentes para enfrentar todos os problemas e dificuldades trazidas pela barragem. Quem quiser ler uma das maiores pérolas de preconceito e discriminação que o judiciário brasileiro já produziu pode acessar a sentença.


Além disso o governo constituiu duas unidades de conservação sobre a área que seria demarcada, porque a primeira demarcação excluiu áreas fundamentais do território tradicional. Deram a esta demarcação que seria a correta e que nunca foi feita o nome de "revisão de limites", incidindo sobre ela uma série de discussões levantadas quando da demarcação da Raposa Serra do Sol. 

Aliás, os arrozeiros de lá ainda não se conformaram com isso, é só olhar que os deputados e senadores de Roraima tocando o projeto de lei que visa mudar a maneira como as terras indígenas são demarcadas: passará a ser com o aval do congresso, ouvidas as assembléias legislativas, podendo o governo reduzir áreas já demarcadas... 

Kayabi
E agora estão discutindo a implementação da Convenção 169, apesar dela já estar vigente há DEZ ANOS no Brasil. Pelo jeito é necessário implementá-la para fazer valer um rol de garantias que se inserem naquelas mais protegidas pelo direitos: os direitos humanos. Vão finalmente dar vigência e efetividade a uma lei que já deveria ser vigente e efetiva a dez anos?

Mais interessante ainda é o governo ter chego no dia 8 de março com uma proposta pronta para ser "DISCUTIDA E ASSIMILADA" (palavras de alguém da presidência...quem assistiu ao vivo ou pelo chat pôde ouvir...) pelos GTS com menos de 40 representantes indígenas presentes no dia.

A APIB e o CONAQ apresentaram uma proposta própria e exigiram que ela fosse incluída na discussão. 

A "gafe" da presidência foi bastante representativa...será que ainda estamos diante de políticas de assimilação? Assimilação de nosso sistema político, de nossos "usos e costumes", de nossos modos de fazer encastelados em uma sala com meia dúzia de pessoas decidindo as coisas por todos? A maior reclamação dos presentes foi o pouco número de representantes, a falta de discussão do assunto com as bases e o desrespeito ao "tempo" indígena.

O governo respondeu que a dívida histórica é imensa, e não dá para colocá-la na balança pois nunca acabariam de pagar; que a consulta as bases levaria um tempo indefinido o que demoraria muito para a implementação da 169...falácias a parte, é bom lembrarmos que, como diria minha querida amiga Hannah Arendt, quando a responsabilidade é de todos ela não é de ninguém... será necessário uma "comissão da verdade" para apurar e cobrar do governo por todas as silenciosas barbaridades dos últimos 120 anos? 100 anos? 50 anos? 20anos? as cometidas a partir da Constituição Federal de 1988? A partir de quando o Estado brasileiro assumirá um compromisso "pagável" com estes povos?


Xokleng
Mudam as violações e eles continuam sendo as mesmas a 500 anos. A base de todas elas é sempre a nossa superioridade: a superioridade de nosso poder, de nosso saber, de nossa verdade e agora, de nosso modelo de desenvolvimento. Como tudo isso acontece sob a égide de nossa moral e das nossas leis, é comum ouvir que está tudo "dentro da legalidade", sem considerar qual legalidade está em jogo. A legalidade do colonizador ou do neocolonizados ou a legalidade daqueles que são cotidianamente espoliados, afetados, violentados em seus direitos mais básicos?

Estamos eminentemente trabalhando com povos que simplesmente, não foram consultados, considerados, ouvidos. E o grande lance não é apenas ouvir, é considerar o que estas vozes sub-repticiamente silenciadas estão a tanto tempo tentando dizer. São a mais de 500 anos de violências impagáveis. Será que por não terem um preço elas podem continuar? Será que não dá para notar que a violência com a qual se trata os povos indígenas, é, desde sempre, a mesma?

Novos tempos ou o mesmo neocolonialismo de sempre?

Parece que o PAC tem a resposta...


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Um comentário:

  1. Olá Juliana!
    O atalho do MPF para a sentença está inacessível. Sabes o número do processo?

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