Car@s companheir@s,
Como advogados(as) e assessores(as)
jurídicos(as) populares, precisamos cotidianamente treinar nossa capacidade de
ainda nos espantarmos frente à quantidade de desmandos, violências e
arbitrariedades perpetrados no bojo do horizonte político-jurídico no qual nos
situamos. Contudo, por vezes, o absurdo é tão evidente e cínico, e a indignação
tão imediata, que nossa primeira reação é a de compartilhá-lo! Assim, para quem
ainda não os viu, seguem os documentos recém disponibilizados pela mídia
(extra-oficialmente), sobre as garantias oferecidas pelo Brasil à FIFA, em
2007, para candidatura à Copa do Mundo de 2014.
O grau de submissão política e
teratologia jurídica é kafkiano: o governo se comprometeu, entre outras coisas
a, independentemente das mudanças políticas que ocorreram no país, alterar (ou
fazer tudo a seu alcance para nesse sentido) quaisquer leis, decretos e
regulamentos em nível federal, estadual ou municipal para atender às exigências
da FIFA. Tais contratos de estabilização legal, sabemos, são assinados muitas
vezes com empresas transnacionais que pretendem investir temporariamente no
país, como garantia de retorno pela redução de "riscos". Significam,
na prática, a demolição de uma série de direitos e garantias arduamente
conquistados pelo povo. Uma perversa noção de "segurança jurídica",
calcada sobretudo na calculabilidade e previsibilidade demandadas pelo mercado
guia esse processo. Mesmo elementos do mais republicano bom senso, como as
noções de "pacto federativo" e "separação de poderes", nesse
paradigma de vassalagem, tornaram-se termos "ultrapassados" no
dicionário neoliberal: enfim, é a cidade e o Estado de exceção em
funcionamento.
Os movimentos sociais,
comunidades atingidas e demais grupos e entidades que integram os Comitês
Populares da Copa e Olimpíadas há meses vêm questionando o governo federal para
exibição desses documentos. Igualmente, membros do Ministério Público e
parlamentares reiteraram os pedidos, sem resultado. É urgente nos posicionarmos
criticamente em relação a esses compromissos, nos quais tomou parte uma parcela
significativa dos chefes da burocracia estatal, pois eles estão sendo
repetidamente utilizados como argumento para legitimar o pacote de mudanças
legislativas previstas na Lei Geral da Copa e demais PLs relacionados. É também
nossa tarefa denunciar enfaticamente todas as violações de direitos em curso
(disponíveis em Dossiê Nacional), para a recepção dos megaeventos esportivos, alavancadas num modelo de
desenvolvimento predatória, que acirra a segregação sócio-espacial, a
militarização e a mercantilização das cidades.
Nesse sentido, segue o apelo e a
Carta elaborada sobre a questão, encaminhada e publicada em 20 de março de
2012.
Sigamos na luta!
Thiago A. P. Hoshino
CARTA ABERTA DO POVO BRASILEIRO
CONTRA A LEI GERAL DA COPA
Prezados(as) senhores(as) Deputados(as)
Federais,
É com profundo sentimento de indignação que a
sociedade brasileira, por meio dos Comitês Populares da Copa do Mundo e
Olimpíadas, organizados nas 12 cidades-sede dos jogos, vem novamente
manifestar-se contrária às atuais propostas de mudança de nossa legislação
contidas no Projeto de Lei (PL) 2330/2011, a chamada Lei Geral da Copa, a qual
encontra-se na iminência de ser votada no plenário desta Casa.
Sinteticamente, tal iniciativa é o carro-chefe
de uma plataforma de ameaças a direitos e garantias arduamente conquistados
pelo povo brasileiro, tais como os direitos do consumidor, o direito ao
trabalho e o direito de ir e vir. O PL 2330 ofende também o devido processo
legal e fere o patrimônio público e cultural do país. Como amplamente
denunciado, o projeto chega a prever a criação de novos crimes, apenas para
garantir monopólio de mercado à FIFA.
A nosso ver, toda a concepção da Lei Geral é em
si mesma um grande equívoco, tanto do ponto de vista político como jurídico. Em
primeiro lugar, ela é ilegítima, porque, baseada meramente em contratos
estabelecidos entre o Brasil e uma entidade privada, tem pouco ou nada a ver
com o atendimento do interesse público. O Caderno de Garantias e
Responsabilidades, que tem servido como sua principal justificativa, foi
entregue em 2007 à FIFA , sem qualquer respaldo, discussão ou conhecimento da
população. Até hoje esses documentos de compromisso não encontram-se
publicizados, não se tem acesso a seu conteúdo integral e não se sabe
afinal o que eles nos obrigam e nem a quem estamos "vinculados" por
meio deles.
Além disso, esses compromissos são inválidos,
uma vez que nem mesmo os membros do Poder Legislativo foram ouvidos, servindo
agora de meros avalistas para um cheque-em-branco assinado há anos pelo
governo, sem considerar suas conseqüências. Nossa Constituição Federal
estabelece claramente, em seu art. 49, I, a competência exclusiva do Congresso
Nacional para "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional". Não é outro o caso dos acordos entre Brasil e FIFA,
especialmente diante de exigências como a responsabilidade objetiva da União
Federal por "danos e prejuízos" causados durante os jogos prevista
nos arts. 22 a 24 do PL 2330/2011. O Congresso Nacional, contudo, não foi
convocado nem antes, nem após a assinatura desses contratos para apreciar seu
conteúdo.
Como se não bastasse, a Lei Geral da Copa, bem
como demais projetos (PLs n. 394/2009 e n. 728/2011), são também
inconstitucionais, na medida em que pretendem restringir, extinguir ou
flexibilizar direitos já regulamentados infra-constitucionalmente. Essa
tentativa afronta não apenas a soberania nacional e popular, mas também viola a
vedação de retrocesso social, que impede a descaracterização dos avanços
históricos em matéria de direitos fundamentais, outra das nefastas
conseqüências do PL 2330/2011, caso seja aprovado.
Nesse sentido, encaminhamos em anexo aos(às)
senhores(as) nossa compreensão formulada em Nota Púbica (LEIA AQUI)
sobre a gravidade da matéria disciplinada pelo projeto de Lei Geral da Copa,
conclamando a todos(as) para sua responsabilidade diante do povo brasileiro e
exigindo que o mesmo seja enfaticamente rejeitado por esta Casa, a qual,
inclusive, foi recentemente objeto de desrespeitosas manifestações de agentes
da FIFA. A sociedade brasileira, atenta e mobilizada, certamente saberá cobrar
a seus representantes pela omissão e compactuação com interesses escusos e
francamente anti-democráticos como esses.
Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba,
Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São
Paulo, 20 de março de 2012.
Articulação Nacional dos Comitês Populares da
Copa do Mundo e Olimpíadas
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