segunda-feira, 5 de março de 2012

O direito à informação no Brasil: A Amazônia enquanto hipótese de sua nulidade.



Por Mariana de Mattos


- Mas, Amor, mas e se o presidente estivesse realmente bêbado, fosse um bêbado, poderia escrever que o presidente é um bêbado? Depende da situação, tato. Há que se fazer um balanço entre os interesses do presidente, os direitos de personalidade, e os interesses da imprensa, a informação.

Este é um exemplo de conversa típica e recorrente que tenho com meu namorado, que não é jurista, sobre o direito à informação e a liberdade de imprensa no Brasil. Tenciono o seu nome não só por ser uma pessoa muito amada, mas pela incongruência que o nosso sistema jurídico apresenta a partir de um observador externo, um não-jurista, de um pensamento perspicazmente crítico no que se refere à liberdade de expressão.

Muitas vezes não encontro respostas para os desafios dele e acho que seria o caso de hoje, se ele me perguntasse o porquê da condenação do jornalista tapajônico Lúcio Flávio Pinto (LFP). Para os que não acompanham o caso, a condenação de indenização por danos morais deve-se a matéria de denúncia de grilagem de cinco milhões de hectares de terras no Pará na qual o jornalista chama o empresário responsável pela façanha de “pirata fundiário”. (Vale ressaltar, Lúcio Flávio Pinto é o grande ícone atual da denominada mídia independente da Amazônia). A história do processo é bastante longa e perpassa por vários problemas entre os quais a dificuldade para arrumar um advogado para o réu. Nenhum advogado queria se comprometer a brigar com as oligarquias estaduais. Ao final, o juiz Amílcar Roberto Bezerra Guimarães foi responsável pela condenação do jornalista, quando, em 2006, substituiu por um dia o juiz originalmente responsável pelo caso. Desde então, o jornalista recorreu inúmeras vezes até que, em fevereiro deste ano, o STJ negou o seguimento da ação devido a vícios formais. Depois disso, já incrédulo no que se refere ao Poder Judiciário Brasileiro, LFP convenceu-se de que não deveria mais recorrer. Ele declarou a suspeição do TJE-PA para julgar o caso e iniciou uma campanha (bem-sucedida) para pagar a condenação uma vez que não possui condições financeiras. A denúncia feita por LFP confirmou-se como verdadeira e os títulos de terras do denominado “pirata fundiário” foram cancelados em cartório em decorrência de processo judicial.

A complexidade que seria necessária para explicar tal condenação incita um certo ceticismo de minha parte. Tendo a entender a justificativa complexa para a existência de um sistema como prova de sua inexistência já que o que é vivo simplesmente o é no tempo e não o é condicionalmente ou adversamente no infinito. Sinceramente, em um caso como estes, eu me sinto como se alguém dissesse, tu vês, tu és uma idiota, tudo isto que estudas não existe. Afinal, denúncias fundadas em provas contundentes não justificam a liberdade de expressão em um sentido amplo. Apenas este esboço já apresenta, creio eu, um trabalho de dissertação, incluindo aspectos de direito comparado a partir das mudanças recentes de critério para a avaliação da violação dos direitos de personalidade no Tribunal Constitucional Alemão em decorrência da recomendação da Corte Européia de Direitos Humanos.

No entanto, o que me leva a escrever são fatos além destes, que se quedam nos bastidores, por assim dizer. Na sua página pessoal, o juiz comentou sua decisão sobre o caso. Em um constructo bastante triste, que me lembrou as minhas aulas de psicologia jurídica, eis que escreve, entre outras coisas: “Eu quero me aposentar. bem que esse otário do LFP poderia fazer uma reclamação no CNJ. Juro que não me defendo e aceito a aposentadoria agora. Me ajuda, babaca!!!!!!”

O texto do magistrado certamente levaria a uma tese de doutorado summa cum laude uma vez em que este afirma sua descrença no Estado de Direito, justifica a legitimidade da violência física como método de resolução de conflitos, crítica o sistema processual brasileiro em que a decisão do juiz de primeira instância apenas é um projeto de decisão, xinga o réu e proclama o CNJ como o salvador dos magistrados, que querem se aposentar sem preencher os requisitos formais. Os magistrados estão tão acima da lei que o máximo de punição possível é a aposentadoria, pena que, na verdade, é paga através dos impostos dos cidadãos? Quer dizer, eles são impuníveis?

Eu já não tenho palavras. Existe direito à informação no Brasil? Existe um sistema jurídico no Brasil? Ou tudo não passa de uma farsa do conceito de Democracia para a distanásia de nossos direitos políticos, para um efeito letárgico sobre a comunidade e esvaziamento da esfera política, para fortificar a passagem do animal laborans?

- Mas, Amor, que absurdo! Então, não podemos transmitir o mundo em que vivemos? Muito bem! Passemos a fazer descrições das sombras que nos cercam. Isto é permitido?

Para mais informações: Todos com Lúcio Flávio Pinto

2 comentários:

  1. Meu amor, a democracia neste país é quimera, é um delírio.

    - Renato

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  2. Muito bom texto, Mariana!

    Eu também sempre me perguntei o que era isso que estudava na graduação e, tendo hoje a oportunidade de ver o direito pela perspectiva de uma estudante de filosofia que me permiti ser por dois anos, essa sensação do vazio do sistema só aumentou. O direito como retórica do que é conveniente aos que comandam é algo que assusta, mas não nos deve silenciar...

    É um vazio. Mas é um vazio que tem efeitos no mundo, vejam só... Acho que nos resta falar das sombras, como seu texto sugere ao fim. As sombras dão algum delineamento do que enfrentamos com este tipo de situação por você descrita.

    Abraços!

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