quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Morreu Lia Pires e com ele a advocacia

Lia Pires, o príncipe dos juristas, não está mais entre nós. Sua frase para posteridade foi que quando morrera deixaria de advogar contra sua vontade. Eu arrisco afirmar aqui que, também contra sua vontade, a advocacia morreu.

Não existe mais, a partir de sua morte, a advocacia tradicional, que muitos gostam de referir-se como "militante". Do tempo em que esta era sinônimo de paixão e dedicação.

O que você tem para nós hoje Mister L.?

Lia Pires abusava da habilidade de comunicação retórica e jogos de ilusionismo. O domínio da palavra a serviço da manutenção do poder do advogado. Como se o advogado fosse um herói, capaz de reverter causas perdidas, como se fosse decisiva sua argumentação.

Esta função tradicional morreu com Lia Pires. Não há mais espaços para a atuação do advogado no processo desta forma. Prevalece, no plano da argumentação, a letra da lei e a decisão do juiz. A esmagadora maioria das causas não dependem da habilidade argumentativa do advogado, mas a sua habilidade de apontar a letra da lei e não desagradar o juiz.

Trata-se de um funcionário mal pago do Estado, muitas vezes sem carteira assinada, que é submetido a um concurso que não lhe dá direito a nenhuma garantia de servidor público.

Na advocacia comercial prevalece a habilidade de organização e massificação do trabalho jurídico. Decisões minoritárias precisam ser rapidamente invocadas, individualmente em cada caso, em todo Brasil. Um aparato nacional que requer a organização de grandes escritórios e mão-de-obra barata. Cresce, assim, a cada ano, o número de advogados assalariados.

A advocacia popular é uma alternativa a advocacia tradicional - a que não existe mais -, e a comercial. Porque preserva a criatividade e a combatividade. Aquele que atua na representação de alguém perante o poder Judiciário, e outras esferas do Estado, pode inventar outros caminhos, outros procedimentos etc. A combatividade de quem está de mãos dadas com o povo, comprometido com a justiça social, não com o Estado e o seu Direito. Aquele que apóia o movimento que desobedece a decisão judicial, que defende os movimentos que ocupam.


Leia também - matéria de Humberto Trezzi sobre a morte de Lia Pires - ClicRBS

2 comentários:

  1. Interessante tuas observações. As transformações por que vem passando a advocacia nos últimos, sei lá, 50 anos, são fruto, creio, de um processo de massificação social um tanto quanto inevitável. Bem no começo de sua Introdução ao Estudo do Direito o Prof. Tércio Ferraz, seguindo uma classificação clássica das formas de intervenção do homem sobre o mundo, fala que a advocacia já foi uma arte e (na época do livro) estava deixando de ser uma técnica para se tornar um labor - uma atividade que não cria nada, só se reproduz. Concordo, mas acho que ainda há espaço para a advocacia tradicional - não a mesma dos tempos do Lia Pires, pois o mundo não é mais o mesmo, mas uma advocacia que seja mais que labor ou mesmo técnica. Só que esse talvez seja um espaço cada vez menor, mais difícil de se alcançar e menos visado pelos advogados "militantes".

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  2. Olá Bruno
    Esta divisão da advocacia como arte, técnica e labor é muito interessante. Nos permite refletir sobre os limites da atuação e também na possibilidade de novos voos.
    Me parece que é dificílimo traçarmos características comuns englobando a advocacia tradicional e a "militante" (como chamastes).
    Aí são necessárias divisões, diferenciações.
    Percebo que a advocacia popular tem esta preocupação com a arte, sobremaneira nos exemplos de grupos que trabalham com educação popular e envolvem-se diretamente com movimentos sociais.
    Agora, a advocacia popular como técnica, funciona como ferramenta de protesto. A redação das petições cumpre sobremaneira um papel político, que demarcação de fronteiras do legal e o legítimo, de expressão das posições marginalizadas pelas canetas dos juízes, de desobediência de um direito estatal etc.
    Bem, me parece que precisamos seguir este debate em outra postagem...
    Saudações!

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