Não existe mais, a partir de sua morte, a advocacia tradicional, que muitos gostam de referir-se como "militante". Do tempo em que esta era sinônimo de paixão e dedicação.
O que você tem para nós hoje Mister L.?
Lia Pires abusava da habilidade de comunicação retórica e jogos de ilusionismo. O domínio da palavra a serviço da manutenção do poder do advogado. Como se o advogado fosse um herói, capaz de reverter causas perdidas, como se fosse decisiva sua argumentação.
Esta função tradicional morreu com Lia Pires. Não há mais espaços para a atuação do advogado no processo desta forma. Prevalece, no plano da argumentação, a letra da lei e a decisão do juiz. A esmagadora maioria das causas não dependem da habilidade argumentativa do advogado, mas a sua habilidade de apontar a letra da lei e não desagradar o juiz.
Trata-se de um funcionário mal pago do Estado, muitas vezes sem carteira assinada, que é submetido a um concurso que não lhe dá direito a nenhuma garantia de servidor público.
Na advocacia comercial prevalece a habilidade de organização e massificação do trabalho jurídico. Decisões minoritárias precisam ser rapidamente invocadas, individualmente em cada caso, em todo Brasil. Um aparato nacional que requer a organização de grandes escritórios e mão-de-obra barata. Cresce, assim, a cada ano, o número de advogados assalariados.
A advocacia popular é uma alternativa a advocacia tradicional - a que não existe mais -, e a comercial. Porque preserva a criatividade e a combatividade. Aquele que atua na representação de alguém perante o poder Judiciário, e outras esferas do Estado, pode inventar outros caminhos, outros procedimentos etc. A combatividade de quem está de mãos dadas com o povo, comprometido com a justiça social, não com o Estado e o seu Direito. Aquele que apóia o movimento que desobedece a decisão judicial, que defende os movimentos que ocupam.
Leia também - matéria de Humberto Trezzi sobre a morte de Lia Pires - ClicRBS
Interessante tuas observações. As transformações por que vem passando a advocacia nos últimos, sei lá, 50 anos, são fruto, creio, de um processo de massificação social um tanto quanto inevitável. Bem no começo de sua Introdução ao Estudo do Direito o Prof. Tércio Ferraz, seguindo uma classificação clássica das formas de intervenção do homem sobre o mundo, fala que a advocacia já foi uma arte e (na época do livro) estava deixando de ser uma técnica para se tornar um labor - uma atividade que não cria nada, só se reproduz. Concordo, mas acho que ainda há espaço para a advocacia tradicional - não a mesma dos tempos do Lia Pires, pois o mundo não é mais o mesmo, mas uma advocacia que seja mais que labor ou mesmo técnica. Só que esse talvez seja um espaço cada vez menor, mais difícil de se alcançar e menos visado pelos advogados "militantes".
ResponderExcluirOlá Bruno
ResponderExcluirEsta divisão da advocacia como arte, técnica e labor é muito interessante. Nos permite refletir sobre os limites da atuação e também na possibilidade de novos voos.
Me parece que é dificílimo traçarmos características comuns englobando a advocacia tradicional e a "militante" (como chamastes).
Aí são necessárias divisões, diferenciações.
Percebo que a advocacia popular tem esta preocupação com a arte, sobremaneira nos exemplos de grupos que trabalham com educação popular e envolvem-se diretamente com movimentos sociais.
Agora, a advocacia popular como técnica, funciona como ferramenta de protesto. A redação das petições cumpre sobremaneira um papel político, que demarcação de fronteiras do legal e o legítimo, de expressão das posições marginalizadas pelas canetas dos juízes, de desobediência de um direito estatal etc.
Bem, me parece que precisamos seguir este debate em outra postagem...
Saudações!