quarta-feira, 29 de abril de 2015

Estréia da coluna "À frente do front" de Vitor Dieter


Um mês que conta muito

Vitor Stegemann Dieter
Abolicionista, professor e advogado*


Os detalhes são importantes. Você sabe em que mês estamos? Abril, ele nos diz muitas coisas.
Ele revela que as relações de classe no Brasil e os interesses imediatos do Estado coincidem.
Como diria Florestan Fernandes em “A revolução burguesa no Brasil” o que ocorreu durante o período de passagem da formação escravista-colonial (nas palavras de Jacob Gorender) para a etapa de acumulação burguesa não foi um processo de substituição dos senhores de escravo por outros empreendedores. Em realidade foi o próprio convencimento desse setor escravista de que ou eles adaptavam a exploração e o comércio em termos burgueses, tornando propriedade burguesa os domínios de terra e livre a força-de-trabalho; ou eles seriam esmagados pelo comércio mundial. Eles perderiam o status de classe dominante e seriam substituídos por uma inevitável deterioração ou substituição por estrangeiros.

Para não dar os anéis nem os dedos eles tiveram que tomar rédeas do processo. A classe dos senhores de escravos foi forçada a realizar a revolução burguesa. Forçada a tornar a propriedade da terra um “título” que poderia ser negociável.
Mas, aprenderam muito bem com as outras classes aristocráticas na Europa. Associaram seu Capital à Renda.

Vitor Dieter em seus anos de SAJUP-PR, em 2011
A renda é um instituto jurídico maravilhoso para essa classe. Permite manter a riqueza da sua propriedade privada sem ter que trabalhar nela! Sem ter que botar a mão na massa. Que coisa! Como é bom lucrar de um dinheiro que vem do nada.
Só que não é bem assim. A classe rentista precisa de alguém que realize o trabalho na sua terra. Caso contrário a renda não é produzida. Ela é escrava do camponês ou do burguês agrário – aquele que vê a terra como um investimento que produz uma mercadoria que deve ser posteriormente realizada no mercado. Pois é, infelizmente a classe rentista depende dos capitalistas agrários. Isso não os faz, porém submissos a eles. Desde a fundação do Estado Brasileiro, no Império, na República, período Vargas até Redemocratização, os rentistas controlam as relações de classe – portanto também a medida do progresso das forças produtivas no país – de muito perto. Eles controlam tudo via Estado. No Brasil o grande “Capital” vive como uma amálgama com esses “Rentistas”. Essa burguesia capitalista teve por origem e existe somente por causa desse acordo formado, “a cavalo dado não se olham os dentes”.
A origem escravista do Brasil criou um país que na sua origem vive das grandes concentrações de terra. Um país incapaz de pensar a reforma agrária, porque ela, embora uma medida burguesa, prejudica o interesse dessa classe. Uma classe que vive e se reproduz de cima a baixo na estrutura do Estado Brasileiro, encontramos suas digitais desde – e principalmente – cartórios até as grandes licitações, entre controle dos juros até o tipo de armamento da guarda municipal, passando pelas suas relações diretas e imediatas com tribunais de contas, vereadores, ministros e assim por diante.
Existem interesses econômicos conflitantes entre essas classes, mas chegando a uma divisão “justa” entre os dois – e mantendo estáveis as condições de realização das mercadorias no mercado – tudo iria de vento em popa. Só faltava combinar com os russos.
Nisso, quem leva a pior daqui e de lá é um terceiro elemento, um elemento que nenhuma das classes gosta, e preferiria que não existissem: os trabalhadores rurais.

A questão agrária e o MST

O trabalhador rural, aquele sujeito cuja cara, mãos e postura são marcados pelo extenuante trabalho, que tem uma média de vida que é metade do trabalhador urbano, aquele que não raro vive em condições análogas a de escravos, aquele que é calejado, surrado e maltratado. Mas que das suas mãos sai a riqueza do país, de onde sai a soja, a cana, a carne, o couro e tudo que está no nosso café-da-manhã.
Não há espaço para os trabalhadores rurais nesse acordão – ou será nesse “acórdão”? –, nesse bom e velho “esquema” alla brasileira. E quando os trabalhadores descobrem que toda a riqueza dessas duas classes vem do seu trabalho... nessa hora, só falta organização.
O trabalhador rural brasileiro já sabe há muito tempo disso, o que os segura não é a falta de uma ideologia revolucionária, o que falta são os meios de organização. Algo que o MST começou a fazer por todo o Brasil, algo imperdoável.
É tão sensível que no dia 17 de abril de 1996, quando em torno de 1500 trabalhadores marchavam pacificamente protestando pela reforma agrária, a polícia militar, capangas, funcionários estatais e fazendeiros todos decidiram que era demais. Quase como uma repetição do golpe 1964, agiram antes com violência e truculência, e nesse ato covardemente ceifaram a vida de 19 trabalhadores rurais desarmados. Alguns foram mortos com facão, outros à tira roupa. Em um ato, centenas de momentos da nossa história vieram a tona: Canudos e Contestado; Candelária e Carandiru.
Fonte: MST-SC
E o Direito com isso? O Direito, aquele instrumento que garante a igualdade entre cidadãos, garantiu, mais uma vez, a desigualdade entre as classes. Nossos juízes, câmaras e afins sabem muito bem o que fazer. Centenas de anos de história tornou esse nosso Estado muito próximo dessas nossas classes, particularmente aquelas rentistas, proprietárias de terras. Aquilo que vale para o Direito burguês “entre direitos iguais vale a força”, no Brasil pode ser posto assim “entre forças desiguais não existe direito”.
Nossos magistrados, os mesmos que posam nas fotos anticorrupção, foram vendidos muito antes, não por dinheiro, mas por toda uma estrutura. Dos assassinos, dois oficiais pagam o pato. O fazendeiro que mandou matar, os altos burocratas do Estado, esses nunca sequer foram investigados pela polícia ou Ministério Público. Desses detalhes não podemos esquecer, eles falam muito do nosso país, infelizmente.

Detalhes importam, abril é vermelho.

* Mestre pela Università di Padova (UniPd) e Università di Bologna (UniBo), Itália em Criminologia e Segurança Pública, mestre pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Direito Penal e especialista pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC).

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