Na
semana em que lembramos a conquista portuguesa do território brasileiro, nada
melhor que enfatizarmos as formas de uso da terra que não aquelas impostas pela
colonização. A experiência dos fundos de pasto, com o uso comum de sua
territorialidade, nos ressalta bem isso na coluna AJP na Universidade de hoje. Vale a pena ler o texto da advogada
popular baiana Leila Santana da Silva, militante do MPA e que produziu sua
reflexão no âmbito da disciplina de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria
Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na
Cidade de Goiás.
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FUNDO DE PASTO: LUTA E
RESISTÊNCIA NO SERTÃO
Leila
Santana da Silva
Advogada popular na Bahia, militante do
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), estudante da Turma de Especialização
em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)
Desde que me conheço por gente, meu manejo é na Caatinga. Não existia nem o lago de Sobradinho [construído na década de 1970] quando minha família chegou aqui. (Seu Joaquim, conhecido por Quinquim, Comunidade de Fundo de Pasto de RiachoGrande, Casa Nova – BA).
A
história dos fundos de pasto está ligada à história da ocupação das terras do
Brasil. Esta ligação tem relação, mais precisamente no sertão, com as fazendas de criação extensiva de gado,
isto é, na solta, onde foram surgindo
a partir das subdivisões das sesmarias1 (extintas em 1822) os
chamados currais, e constituíram a forma de ocupação das terras do sertão
baiano. Estas fazendas entraram logo em decadência, por diversas razões,
falindo assim o modelo agroindustrial da cana de açúcar no litoral, principal
consumidor da carne e do couro do sertão.
As
terras dos antigos donos pecuaristas decadentes passaram a ser partilhadas
entre moradores e os trabalhadores das próprias fazendas. Ao longo do tempo o
gado foi substituído por caprinos, mais resistentes e acessíveis para viver no
sertão, criados da mesma forma extensiva, na solta. As terras de uso comum que
resultaram deste processo são abertas, sem cercas que delimitem onde começa ou
onde termina a posse dos seus moradores, como também seus limites gerais. Às
vezes, de comum acordo, são usadas variantes para demarcação destes limites.
Esta
forma de vida estabelecida a partir do modo de uso comum da terra para viver e
criar animais vai além de ser somente um sistema produtivo, é na realidade uma
formação social bem própria da cultura sertaneja. Hoje este modo de possuir e
usar de forma coletiva a terra é conhecido como fundo ou fecho de pasto.2
Fundo de Pasto é um modo tradicional de acesso e uso dos recursos naturais de
um território no semiárido brasileiro, ainda muito comum na Bahia, pelo qual a
área ao fundo e no entorno das roças familiares cercadas é usada coletivamente
para pastagem dos animais, em especial caprinos e ovinos, mais resistentes à
seca.
Articulada
com esta importância recente destes territórios controlados por comunidades
tradicionais está uma das mais antigas formas de democratização do direito à
propriedade da terra no Brasil e que até os dias de hoje resiste às investidas do
capital/poder econômico dominante.
Reconhecidas
como comunidades tradicionais pela legislação, as comunidades de fundo e fecho
de pasto estão num processo de articulação que garanta a efetiva regularização
das terras que historicamente ocupam, e, a partir daí - e da necessidade de
proteger seus territórios de investidas externas - construíram uma Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) que visa a alterar a Constituição do Estado da
Bahia, em seu artigo 178, na intenção de ver garantida a titulação de suas terras
ao mesmo tempo em que as protege da destruição sócio-ambiental imposta pelos
interesses econômicos externos, constituídos pelos grandes empreendimentos que
chegam a todo tempo no nordeste e das mãos “interessadas” do Estado.
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1
As sesmarias eram a subdivisão das Capitanias Hereditárias (1534 - 1549), ou
seja, eram extensões de terras públicas dadas aos amigos (chamados sesmeiros)
do Rei.
2
Lembrando que os fechos de pasto são mais comuns no oeste da Bahia, mais
precisamente, no cerrado, enquanto os fundos de pasto estão mais presentes na
caatinga localizados no norte da Bahia.
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Leia também:
Insurgência quilombola e assessoria jurídica popular, 19 mar. 2015
AJP e etnodesenvolvimento, 14 abr. 2011
Os sujeitos históricos da transformação: organização político-jurídica e antropologia, 24 out. 2010
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